Ao longo dos séculos, os cristãos se relacionaram uns com os outros e juntos lidaram com os problemas do cotidiano de acordo com a Bíblia − eles praticaram o aconselhamento bíblico. Quando os cristãos de hoje têm diante de si o desafio de ajudarem uns aos outros a refletir a pessoa de Cristo nos mais diversos aspectos da vida, o ministério bíblico deve igualmente acontecer. Entendemos o aconselhamento bíblico como o aspecto da dinâmica ministerial em que o corpo de Cristo, capacitado pelo Espírito Santo e fundamentado na Palavra de Deus corretamente interpretada e aplicada a situações específicas, ministra à vida de irmãos visando cooperar com o plano de Deus de que cada um seja conformado progressivamente à imagem de Cristo.
Quatro pontos distinguem o aconselhamento bíblico
♦ O ministério centrado em Cristo, Redentor e Senhor
O Deus da Palavra manifestou-se em Jesus Cristo e nEle está centrado o ministério em vidas. Os problemas da vida não encontram sua causa determinante no ambiente nem em circunstâncias pessoais a que estamos sujeitos, embora sejam múltiplas as influências que recebemos. Cristo dirige-se à necessidade primordial do homem, que é sua redenção do pecado e a capacitação para viver de maneira agradável a Deus em meio a quaisquer circunstâncias — Cl 1.27-28; 2Pe 1.2-4.
♦ O ministério fundamentado na Palavra de Cristo
Em dias quando a Bíblia costuma ser vista como útil e perceptiva, mas não suficiente para lidar com os problemas do homem atual, é preciso lembrar que a Palavra, inspirada e inerrante, interpretada corretamente e aplicada com cuidado debaixo da direção e pelo poder do Espírito Santo, oferece-nos a plena sabedoria de Deus que transforma vidas. No âmago do aconselhamento bíblico estão a autoridade, a suficiência e a superioridade da Bíblia para transformar vidas. Desta forma, o adjetivo “bíblico” não deve indicar um aconselhamento baseado em metodologias diversas e acrescido de alguns versículos ou ideias das Escrituras. A teologia e a prática do aconselhamento bíblico devem ser extraídas primordialmente das Escrituras — Sl 19.7-11; 2Tm 3.16-17; Hb 4.12.
♦ O ministério voltado para a transformação à imagem de Cristo
Mudança bíblica é um processo de transformação profunda e abrangente centrada na Pessoa de Cristo, que atinge o homem interior e também o comportamento exterior enquanto manifestação da vida interior, e resulta na própria semelhança de Cristo. Ela é o alvo do discipulado e aconselhamento bíblico. A transformação acontece à medida que a Palavra é aplicada ao coração pelo Espírito santo — Rm 8.29; 2Co 3.18; Ef 4.22-24.
♦ O ministério confiado ao corpo de Cristo
À medida que nossa sociedade cresceu em complexidade, o trabalho dos especialistas ganhou espaço. A tendência é confiar também o aconselhamento aos especialistas. A Palavra de Deus, porém, aponta que o aconselhamento é um ministério a ser exercido pelo corpo de Cristo, dentro da dinâmica da igreja local. O conselheiro bíblico deve ser um cristão comprometido, conhecedor da Palavra de Deus e habilidoso para interpretá-la corretamente, conhecedor também da cultura e dos problemas de sua época, e capaz de aplicar a Verdade de Deus à vida diária — Rm 15.14; 1Ts 5.11, 14.
Alguns termos no Novo Testamento falam de como praticar o aconselhamento
- Parakaleō (cf. 1Ts 2.11, 12; 1Ts 5.11; Hb 3.13) tem grande variedade na tradução para o português: consolar, confortar, fortalecer, exortar, admoestar. A idéia principal é a de chamar ao lado para auxiliar, incluindo confortar com relação a alguma circunstância da vida, mas também encorajar ou exortar a seguir determinado curso de conduta futuro. Na prática, consolação e exortação misturam-se muitas vezes. “No Novo Testamento, admoestação torna-se conforto genuíno e vice-versa, de modo que é difícil separar entre ambos.” [1]
- Katartizō (cf. Gl 6.1) é traduzido como preparar, aperfeiçoar, corrigir, reparar, consertar. Refere-se a restaurar à utilidade, reparar o que está errado, aperfeiçoar visando a uma utilidade maior.[2]
- Makrothumeō (cf. 1Ts 5.14, 15), traduzido como exercer paciência e longanimidade, indica a disposição paciente e humilde de lidar com os irmãos.[3]
- Noutheteō (cf. At 20.31; Cl 1.28; Cl 3.16; 1Ts 5.14, 15; Rm 15.14) é traduzido como admoestar, advertir, exortar, aconselhar. Podemos identificar pelo menos três elementos básicos contidos neste termo: algo errado precisa ser tratado na vida do irmão, o tratamento do problema é pela confrontação e instrução verbal, e a motivação é ajudar o irmão em amor, com envolvimento genuíno e intenso.[4]
- Paramutheomai (cf. 1Ts 2.11, 12; 1Ts 5.14, 15) é traduzido por consolar, encorajar, animar. Tem o sentido geral de falar bem de perto com alguém, de modo positivo e benevolente, para confortar, consolar, encorajar uns aos outros. [5]
A prática bíblica do aconselhamento na Igreja
O aconselhamento deve ser praticado pelos líderes espirituais, seguindo o exemplo do apóstolo Paulo.
Atos 20.31 — Portanto, vigiai, lembrando-vos de que, por três anos, noite e dia, não cessei de admoestar, com lágrimas, a cada um.
Colossenses 1.27-29 — Cristo em vós, a esperança da glória; o qual nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a Sua eficácia que opera eficientemente em mim.
1Tessalonicenses 2.11, 12 — E sabeis, ainda, de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós, exortamos, consolamos e admoestamos, para viverdes por modo digno de Deus, que vos chama para o seu reino e glória.
O aconselhamento deve ser praticado por todos os cristãos, no contexto de cuidado mútuo.
Romanos 15.14 — E certo estou, meus irmãos, sim, eu mesmo, a vosso respeito, de que estais possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros.
Gálatas 6.1 — Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado.
Colossenses 3.16 — Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração.
1Tessalonicenses 5.11 — Consolai-vos, pois, uns aos outros e edificai-vos reciprocamente, como também estais fazendo.
1Tessalonicenses 5.14, 15 — Exortamo-vos, também, irmãos, a que admoesteis os insubmissos, consoleis os desanimados, ampareis os fracos e sejais longânimos para com todos.
Hebreus 3.13 — Pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado.
_____________________
[1] Schmitz & Stählin. Parakaleō. In KITTEL, Gerhard (edit.) Theological dictionary of the New Testament. Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1983. v.5, p. 821.
[2] Schippers, R. Katartizō. In BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1983, v. 4.
[3] LIDDELL, Henry George, SCOTT, Robert. A Greek-English lexicon. Oxford: At Clarendon Press, 1968.
[4] ADAMS, Jay E. Conselheiro capaz. São Paulo: Fiel, 1977, p. 58.
[5] Schütz, H. Paramutheomai. In BROWN, Colin. O novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1982, v. 1.
O Futuro do Aconselhamento Bíblico: sonhando uma dúzia de sonhos
Robert Kellemen
O que faz o aconselhamento bíblico ser bíblico?
Quando falo em várias partes do País sobre aconselhamento bíblico, algumas vezes as pessoas me perguntam: “Quando você diz ‘aconselhamento bíblico’, você não está querendo dizer__________, não é?”. As pessoas preenchem esse espaço com diferentes rótulos negativos − no seu entender. Que vergonha pensar que colocarmos o adjetivo “bíblico” após a palavra “aconselhamento” faz com que alguns cristão recuem amedrontados. Mas tenho boas notícias, a maré está virando. As caricaturas distorcidas e os estereótipos falsos do aconselhamento bíblico estão a caminho de serem substituídos por retratos do aconselhamento com fundamento nas Escrituras e historicamente precisos, verdadeiramente bíblicos e atraentes (Tt 2.10). Embora ninguém possa dar a definição final e oficial de aconselhamento bíblico, ofereço um resumo do meu entendimento a respeito do aconselhamento bíblico para sua consideração.
O aconselhamento bíblico centrado em Cristo, com base na Igreja, abrangente, compassivo e culturalmente informado, depende do Espírito Santo para estabelecer a relação entre a verdade inspirada de Deus sobre as pessoas, os problemas e as soluções para o sofrimento humano (mediante o cuidado cristão das almas que conforta e cura) e para o pecado (mediante a orientação espiritual cristã que reconcilia e dá direção) a fim de capacitar as pessoas para que exaltem e sirvam a Deus, encontrem prazer em Deus e amem seu próximo (Mt 22.35-40), cultivando a conformidade com Cristo e a comunhão com Cristo e a Igreja.
Dada esta definição operacional, acompanhe-me na visão de um amadurecimento da natureza e da forma do aconselhamento bíblico − doze sonhos de um futuro possível para o aconselhamento bíblico.
1. Um aconselhamento fundamentado nas Escrituras
O aconselhamento bíblico se agarrará tenazmente à supremacia, suficiência e profundidade da sabedoria das Escrituras. Deus nos deu tudo quanto precisamos para viver de maneira piedosa (2Pe 1.3). As Escrituras, corretamente interpretadas e aplicadas com cuidado, oferecem insight completo para o nosso viver.
A Bíblia fornece as categorias de interpretação para darmos sentido à vida do ponto de vista de Deus. Ao construirmos a nossa abordagem de aconselhamento sobre o Evangelho da graça de Cristo, obtemos a sabedoria para levarmos às pessoas a esperança de cura, o incentivo para a mudança (a glória de Deus) e a compreensão da motivação humana que agiliza as mudanças que honram a Deus (2Tm 3.15-16).
2. Um aconselhamento teológico
O aconselhamento bíblico estabelecerá um elo entre a criação, a queda e a redenção. Ao estudar a teologia bíblica da criação, o aconselhamento bíblico examinará as pessoas − o projeto original de Deus para a alma (antropologia). Ao perscrutar a queda, o aconselhamento bíblico examinará os problemas − como o pecado trouxe a depravação pessoal e o sofrimento (hamartiologia). Ao investigar o ensino da Bíblia sobre a redenção, o aconselhamento bíblico examinará as soluções/curas − o Evangelho da graça de Cristo, que oferece a salvação eterna e nos dá a vitória diária na batalha contra o mundo, a carne e o diabo (soteriologia). Quando os modelos de aconselhamento bíblico começam e terminam na queda, eles acabam por se concentrar quase que exclusivamente na depravação humana. Como resultado, eles aconselham os cristãos como se estes ainda não fossem salvos, deixando de considerar a justificação, redenção, regeneração e reconciliação pela obra de Cristo (Rm 5.1-8.39).
A psicologia é inerente à nossa fé. Não a psicologia secular, mas a psicologia bíblica, ou seja, o entendimento da alma e o ministério dirigido à alma conforme ela foi projetada inicialmente por Deus, corrompida depois pelo pecado e redimida pela graça.[1] A criação diz respeito à psicologia bíblica − o estudo bíblico da alma. A queda explica a psicopatologia bíblica − o estudo bíblico da doença do pecado. A redenção prescreve a psicoterapia bíblica − o estudo bíblico da cura da alma, proporcionado por Deus em Cristo. No entender de algumas pessoas, o uso destes termos não é válido. Como é triste o fato de termos permitido que o mundo roubasse estes termos consistentemente bíblicos / teológicos / históricos. Em 1861, portanto antes do advento da psicologia secular moderna, Franz Delitzsch observou que “a psicologia bíblica não é uma ciência recente. Ela é uma das mais antigas ciências da Igreja”.[2] É tempo de resgatarmos a nossa herança, recuperarmos e redefinirmos estes termos (Cl 2.1-15).
3. Um aconselhamento histórico
Lembro-me vividamente e com tristeza das “guerras do aconselhamento” que aconteciam na época em que eu estava no seminário − guerras em que os “fronts” da psicologia moderna combatiam uns contra os outros. Também me lembro de pensar: “Com certeza, a Igreja sempre ajudou as pessoas feridas e endurecidas”. Essa frase remeteu-me à busca, por um quarto de século, do legado cristão para o cuidado da alma e a orientação espiritual. Simultaneamente, o Espírito de Deus movia muitos outros pelo mesmo caminho.
O futuro do aconselhamento bíblico é o passado. Durante os últimos vinte anos testemunhamos na comunidade cristã o retorno ao devido respeito pela “grande nuvem de testemunhas” (Hb 12.1-3). A história, conforme Chesterton nos lembrou, “é a democracia dos mortos”.[3] Os conselheiros bíblicos do futuro voltarão aos caminhos antigos (Jr 6.16). Eles buscarão e aplicarão o legado antigo e a sabedoria de vida encontrada de maneira consensual nos escritos dos cristãos que, ao longo da história, destacaram-se como médicos da alma.
4. Um aconselhamento positivo
O aconselhamento bíblico deixou-se enredar, às vezes, pela negatividade e pela crítica mordaz, a proteção de um território, a construção de trincheiras e a ideia de ser essencialmente “contrário”. Isso não é aconselhamento bíblico; isso é “aconselhamento de Corinto” (1Co 1.10-17), uma caricatura carnal da verdade.
No futuro, o aconselhamento bíblico será conhecido como “aconselhamento bereano” (At 17.11). Os conselheiros bíblicos terão uma mente crítica sem o espírito crítico. Eles buscarão enfatizar de maneira positiva o entendimento correto da Palavra (2Tm 2.5) e serão capazes de interagir de forma graciosa com aqueles dos quais discordam e de enfatizar com atitude positiva que toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para a educação na justiça (2Tm 3.16).
5. Um aconselhamento relacional
No futuro, as raízes trinitárias da nossa fé florescerão à medida que os conselheiros bíblicos forem conhecidos pelos seus frutos − frutos de compaixão e paixão (Jo 1; 17). A exemplo da eterna e íntima comunhão em unidade do Deus da Bíblia, os conselheiros bíblicos descartarão o distanciamento em favor daquilo que um de meus amigos afro-americanos descreve como “aconselhamento natural e real”.
Ainda que sem ignorar as técnicas, as habilidades e as ferramentas do aconselhamento competente, a ênfase estará no relacionamento de alma para alma (1Ts 2.8). O aconselhamento bíblico não privilegiará o método diretivo nem o método não diretivo. Pelo contrário, praticará o aconselhamento colaborativo, no qual o conselheiro, o aconselhado e o Divino Conselheiro formarão uma relação triangular moldada pela Palavra de Deus e conduzida pelo Espírito de Deus.
6. Um aconselhamento relevante
Não basta promovermos a suficiência da Palavra se também não ministrarmos de forma que demonstre a relevância da Palavra de Deus. Os problemas da vida que a maioria das pessoas rotula como “transtornos psicológicos”, curáveis apenas por meio das “metodologias psicológicas”, serão vistos como espirituais, relacionais, mentais e volitivos, e as questões emocionais abordadas conforme o Livro da Vida, do Autor da Vida, para que possamos viver em abundância (Jo 10.10).
O estereótipo pejorativo “tome dois versículos e me telefone manhã para dar notícias” será substituído pela identidade construtiva − “a verdade vos libertará” (Jo 8.32). Quando as pessoas pensarem no conselheiro bíblico, pensarão em “Jesus personificado” e encontrarão palavras de esperança como, por exemplo, “Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28).
7. Um aconselhamento transformador
O aconselhamento bíblico aplicará à vida diária dos crentes os princípios da santificação progressiva (2Co 3.16-18) mediante a formação espiritual, que cultiva a comunhão com Cristo e a conformidade com Cristo pela prática das disciplinas espirituais bíblicas/históricas, individuais e corporativas. Historicamente, os campos do aconselhamento bíblico e da formação espiritual constituíam uma unidade. É nosso sonho que voltem a ser sinônimos.
O aconselhamento bíblico transformador destacará o papel de Deus e a nossa responsabilidade no crescimento espiritual por meio da sua ênfase no cultivo das disciplinas que nos ligam ao poder da ressurreição de Cristo (Fp 3.10). Ele ressaltará a vida interior por meio da sua ênfase na formação do caráter de Cristo em nós, ou seja, uma vida interior que reflete progressivamente a Cristo. Ele focalizará o corpo de Cristo, incentivando as disciplinas espirituais corporativas e equipando os crentes para as disciplinas espirituais individuais. Isto exigirá o desenvolvimento de uma teologia bíblica abrangente da vida espiritual, que provê a base para uma metodologia bíblica relevante para o crescimento espiritual. O aconselhamento bíblico e a formação espiritual oferecerão uma abordagem teológica e prática da santificação, eficaz no mundo real onde as pessoas alimentam esperanças e sonhos, tropeçam, caem e vivem todos os dias.
8. Um aconselhamento abrangente na teoria
O aconselhamento bíblico focalizará a totalidade da natureza humana, criada à imagem de Deus (Gn 1.26-28). Um entendimento bíblico abrangente da imago Dei vê os seres humanos como seres relacionais com capacidades espirituais, sociais e de autoconhecimento, seres racionais que pensam, seres volitivos que escolhem, seres emocionais que vivenciam experiências, e seres físicos que agem. Os modelos de mudança do aconselhamento bíblico focalizarão cada uma dessas áreas, em uma perspectiva integral da personalidade humana.
O aconselhamento bíblico não negará a complexidade e interação de mente/cérebro e corpo/alma (Gn 2.7), mas levará a sério o papel do cérebro (no mundo caído e no corpo ainda não glorificado) e seu impacto sobre o funcionamento humano saudável (Rm 8.19-25).
9. Um aconselhamento abrangente na metodologia
Existe uma divisão infeliz entre as abordagens de aconselhamento que enfatizam o sofrimento e aquelas que enfatizam o pecado. O aconselhamento bíblico lidará tanto com o sofrimento como com o pecado, reconhecendo que a Palavra de Deus é útil para lidar com os males que sofremos e também com os pecados que cometemos. O aconselhamento bíblico oferece consolo para o ferido, bem como confrontação para o endurecido. Ele provê conforto e cura para aqueles que foram vitimados pela vida e também reconciliação e orientação para aqueles que se deixaram enganar por Satanás.
Conforto e cura (cuidado da alma para o sofredor) são termos clássicos na história do cuidado pastoral. Por meio de conforto e cura, os conselheiros bíblicos oferecerão o cuidado consolador de paracleto (Jo 14.15-31; 2Co 1.3-11).[4] Reconciliar e guiar (dar direção espiritual para lidar com o pecado e para a santificação) são termos igualmente históricos. Deus usará os conselheiros bíblicos para capacitar os crentes arrependidos e perdoados na aplicação dos princípios de crescimento na graça (2Tm 2.24-26).
10. Um aconselhamento abrangente na formação do conselheiro
Alguns modelos de formação de conselheiros bíblicos têm a tendência de concentrar no conteúdo (a verdade bíblica), na competência (as habilidades relacionais/técnicas de aconselhamento) e no caráter (a formação espiritual do conselheiro) ou na comunidade (nosso relacionamento como corpo de Cristo). No futuro, o preparo para o aconselhamento bíblico unirá conteúdo, competência, caráter e comunidade (Rm 15.14).
Os insights das Escrituras serão aprendidos em um contexto de comunhão na comunidade cristã e aplicados ao desenvolvimento do caráter espiritual do conselheiro em formação. Isso resultará na competência relacional para interagir de alma para alma e impactar profundamente outras vidas para Cristo. Esta abordagem abrangente produzirá médicos da alma em processo de amadurecimento e amigos espirituais que falam a verdade do Evangelho em amor (Ef 4.11-16).
11. Um aconselhamento universal
O apóstolo Paulo sustenta que todos os crentes maduros e equipados são competentes para aconselhar (Rm 15.14). O aconselhamento bíblico é, portanto, universal. Aconselhamento bíblico é aquilo que o povo de Deus faz na qualidade de amigos espirituais, aquilo que os pastores fazem como médicos da alma e que os conselheiros cristãos fazem como cuidadores.
Em outras palavras, aconselhamento bíblico e aconselhamento cristão são sinônimos. Com certeza, esta ideia deve surpreender alguns e levantar objeções de outros. No entanto, o aconselhamento bíblico é uma mentalidade, uma perspectiva, uma cosmovisão, uma maneira de ver a vida que instrui nossa maneira de compreender as pessoas, os problemas e as soluções.
O aconselhamento bíblico é universal no sentido de que ele molda a nossa visão do universo com base na visão do universo revelada pelo Criador do universo. Todos os conselheiros aconselham com base em alguma cosmovisão. A Bíblia dá a cosmovisão a partir da qual os conselheiros cristãos ministram.
Isto não significa um jorro de citações de versículos bíblicos enlatados, extraídos da caixa de ferramentas do conselheiro e lançados sobre um aconselhado ou um membro da igreja. Pelo contrário, significa uma conversa espiritual singular, personalizada, com foco na situação e que flui naturalmente, ou seja, o compartilhar adequado e relevante de uma investigação bíblica construída a partir de uma visão abrangente (Ef 4.29).
12. Um aconselhamento culturalmente informado
O fato de o aconselhamento bíblico ser universal não exclui absolutamente a verdade de que ele deve ser e será culturalmente informado. Ele combinará em sua cosmovisão universal as perspectivas bíblicas singulares de pessoas de ambos os sexos e de todas as etnias (Ap 7.9-10). [5]
Os insights e práticas do aconselhamento bíblico histórico e atual, provenientes de mulheres e homens cristãos de todas as etnias, contribuirão para a nossa cosmovisão do aconselhamento bíblico (Ef 2.11-22). Tanto o nosso entendimento como a prática do aconselhamento bíblico serão mais esmerados, consistentes e relacionais.
Conclusão: A ousadia de sonhar
Sonho com o dia em que quando eu falar sobre aconselhamento bíblico, alguém dirá com entusiasmo: “Eu sei o que você entende por ‘aconselhamento bíblico’! Você quer dizer o povo de Deus, os pastores e os conselheiros cristãos ministrando uns aos outros de uma forma que é bíblica, teológica, histórica, positiva, relacional, relevante, transformadora, abrangente na teoria, na metodologia e na formação dos conselheiros, universal e culturalmente informada”.
Juntos, faremos desse sonho uma realidade. Desta forma, quando colocarmos o adjetivo “bíblico” após a palavra “aconselhamento”, os amigos espirituais, os pastores e os conselheiros cristãos responderão em alegre expectativa.