O preparo do conselheiro e sua vida cristã

Terry Enns


Se você é um conselheiro bíblico, conhece as múltiplas demandas que fazem parte do ministério com seus aconselhados — somos “derramados” é a imagem que Paulo dá em Filipenses 2.17. Você adormece orando e planejando os aconselhamentos, acorda traçando estratégias, passa horas lendo, estudando e se preparando, e mais horas refletindo sobre os encontros anteriores e até buscando ajuda com outros conselheiros para saber como lidar com determinado caso.

Ao lado de se preparar para servir seu aconselhado, como você prepara o seu coração e alimenta a sua alma? O que você faz para se equipar, certificando-se de estar pessoalmente bem-preparado para servir aqueles que o Senhor confiou aos seus cuidados?

Um texto bíblico para guiar a vida espiritual dos conselheiros bíblicos

Meus irmãos, eu mesmo estou convencido de que vocês estão cheios de bondade e plenamente instruídos, sendo capazes de aconselhar-se uns aos outros.  (Rm 15.14)

Depois de passar quase quatro capítulos mostrando as responsabilidades dos membros da igreja romana no cuidado de uns para com os outros (Rm 12 a 15), Paulo termina sua exortação dizendo-lhes que eles já estão preparados para cuidar uns dos outros. Em suas palavras de encorajamento, ele identifica três áreas nas quais eles demonstravam habilidade: estavam cheios de bondade, plenamente instruídos e, portanto, capazes de aconselhar uns aos outros.

Esses três pontos forneceram a estrutura para a filosofia de aconselhamento bíblico que Jay Adams articulou tão bem, na geração passada, em seu livro Conselheiro Capaz. Esses pontos também informam ao conselheiro como deve ser sua vida pessoal e seu caráter:

  • O ministério do conselheiro deve fluir de seu crescimento e maturidade espiritual.
  • O ministério do conselheiro deve derivar de seu conhecimento das Escrituras.

Antes de aconselhar, o conselheiro deve estar cheio de conhecimento das Escrituras e cheio do Espírito Santo, que o capacita. Assim como as Escrituras guiam nosso aconselhamento, elas também fornecem muitas exortações para o crescimento espiritual do conselheiro e o preparo de seu coração para aconselhar.

Mantenha-se fiel nas disciplinas espirituais

Cuide de você mesmo e da doutrina. (1Tm 4.16a)

Paulo exorta Timóteo, o jovem pastor da igreja de Éfeso, a cuidar de si mesmo e do seu ensino. Tanto as crenças quanto as ações de Timóteo deveriam ser biblicamente corretas.  Para esse fim, um conselheiro faz bem em fazer a si mesmo pelo menos três perguntas:

  • Como têm sido minhas ações? Estou ensinando e demonstrando aos outros como viver biblicamente?
  • O que consome minha mente e pensamentos (Lc 6:45)? Como a minha vida reflete sobre o que está acontecendo em minha mente?
  • Quais são as motivações do meu coração? Tiago 4.1ss não é apenas uma passagem para exortar nossos aconselhados; é uma passagem que nos chama a examinar as motivações do nosso coração.

Alimente seu coração com as Escrituras e a oração

Então nós nos dedicaremos à oração e ao ensino da palavra (Atos 6.4)

O estudo da Palavra de Deus visando o ensino e a oração eram tarefas fundamentais dos líderes na igreja primitiva, e também devem ser disciplinas espirituais fundamentais para todo crente piedoso. É impossível conceber um crente espiritualmente maduro que ignora a Bíblia e a oração.

A Palavra de Deus e oração são essenciais para o conselheiro porque a Bíblia não é apenas o que aconselhamos, mas é o que nos aconselha e dirige nosso próprio coração. A oração demonstra nossa inadequação e nossa dependência de Deus para realizar nossas tarefas ministeriais. Portanto, podemos nos perguntar:

  • Qual é o meu padrão de alimentar-me da Bíblia, ou seja, leitura, meditação, memória e estudo (cf. 1Tm 4.6-7, 9)?
  • Qual é o meu padrão de comunhão em oração com Deus? 
  • A frequência, duração e profundidade da minha vida de oração revelam minha dependência d Deus?”

Pratique o que você está aprendendo nas Escrituras

Pois Esdras tinha decidido dedicar-se a estudar a Lei do Senhor e a praticá-la, e a ensinar os seus decretos e mandamentos aos israelitas.  (Ed 7.10)

Antes de ministrar a Palavra de Deus aos outros, deixe que ela ministre à sua vida. Esdras estabeleceu o padrão para nós. Observe que havia uma sequência específica na prática de Esdras. Ele estudou (conhecer), praticou (fazer) e ensinou (compartilhar/multiplicar). Ele não ensinou até que tivesse aprendido o que as Escrituras diziam e aprendido a aplicar isso em sua vida.

Existe um termo bíblico para aqueles que não fazem o que exortam os outros a fazer: fariseus. Não queremos que nosso ministério se torne sinônimo de hipocrisia, ou qualquer outro pecado. Portanto, ao estudarmos a Palavra de Deus, devemos deixar que ela avalie habitualmente nosso próprio coração com o propósito de transformação. Podemos nos perguntar com sabedoria:

  • O que precisa mudar em minha vida?
  • O que estou fazendo para mudar?
  • Estou lendo e estudando as Escrituras e conteúdo bíblico-teológico para ministrar ao meu próprio coração, ou caí na armadilha de apenas estudar para ajudar os outros?

Envolva-se em adoração corporativa e comunhão bíblica

Consideremo-nos uns aos outros para incentivar-nos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros (Hb 10.24, 25a).

Esta exortação é aplicável tanto para os conselheiros quanto para os aconselhados. Precisamos de adoração corporativa como um testemunho e lembrança de que não estamos sozinhos em seguir a Cristo. Precisamos de adoração corporativa como parte da expressão corporativa de louvor a Deus. Precisamos de adoração corporativa para sermos lembrados da verdade da Palavra de Deus e para experimentar o encorajamento, exortação e orientação que vem de outros que nos ministram a Palavra de Deus.

Embora sejamos conselheiros, também precisamos do ministério da Palavra de Deus em nosso coração. Para o nosso crescimento, somos dependentes da comunhão habitual com outros crentes (cf. Hb 13.16; Fl 6, 17; 2Co 8; 9; Ef 4.1ss). Se um conselheiro não se dispõe para a adoração e comunhão com o corpo de Cristo, ele também não está pronto para aconselhar. O bom conselho vem de um coração revigorado pela adoração corporativa.

Pratique a reconciliação nos seus relacionamentos

Vivam em paz uns com os outros (1Ts 5.13b)

Não podemos honrar a Deus com nossa adoração quando o pecado quebra nossa comunhão uns com os outros. Não podemos afirmar que estamos em comunhão com Deus se a nossa comunhão com alguém estiver quebrada (1Jo 3.13ss). Entendemos que, às vezes, os esforços de reconciliação que honram a Deus já foram tentados repetidamente e que alguém se recusou à reconciliação conosco (Rm 12.18). No entanto, precisamos perguntar se esses esforços foram genuinamente feitos. Estas são algumas perguntas que podemos fazer a nós mesmos:

  • Estou praticando regularmente os padrões bíblicos de arrependimento e perdão (2Co 7.11; Lc 17.3)?
  • Tenho algum relacionamento não reconciliado por causa do meu pecado?
  • Tenho algum relacionamento não reconciliado em que ainda tenho algo a fazer para buscar a reconciliação?

Cuide de seu corpo

[…] o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que creem e conhecem a verdade. […]O exercício físico é de pouco proveito; a piedade, porém, para tudo é proveitosa, porque tem promessa da vida presente e da futura. (1Tm 4.3b, 8)

O apóstolo Paulo nos lembra que não temos que ser ascetas na alimentação. Os alimentos são um presente de Deus para ser desfrutado com gratidão e autocontrole. No entanto, a comida também pode se tornar um ídolo e nos controlar, demonstrando nossa falta de autodisciplina. Faça a si mesmo esta pergunta: Meu consumo habitual de alimentos demonstra que estou comendo com autocontrole, agradecido, e não com autoindulgência exagerada?

Da mesma forma, embora o exercício físico não tenha benefício eterno, Paulo diz que tem algum benefício. Não podemos prolongar nossa vida com dietas e exercícios, mas podemos agir pecaminosamente no cuidado do nosso corpo, e tornar nossos dias menos eficazes. Com relação a isso, podemos nos perguntar:

  • Estou me exercitando de uma forma que fortalece meu corpo e mantém minha saúde?
  • Estou dormindo o suficiente para estar disposto para aconselhar devidamente as pessoas no dia seguinte?
  • Estou cuidando de fraquezas físicas conhecidas para que minha capacidade de servir no corpo de Cristo seja aprimorada?

Enquanto Deus usa o conselheiro para ajudar e orientar a vida de seus aconselhados, é preciso que ele também esteja atento à própria vida, tanto nos aspectos do coração quanto do corpo. Tudo começa por manter-se fiel nas disciplinas espirituais.


Terry Enns é membro da Association of Certified Biblical Counselors (ACBC) e pastor da Grace Bible Church em Granbury, Texas.


Original: The Counselor’s Spiritual Life
Artigo publicado pela Association of Certified Biblical Counselors.  Traduzido e adaptado para o português com autorização.