Desabafar ou lamentar: qual a diferença?

Kyle Johnston


Os cristãos de hoje estão cada vez mais cientes da importância das emoções. Essa consciência emocional é algo positivo, especialmente quando aprendemos a processar essas emoções com Deus. Ao mesmo tempo, e talvez até conectado a essa consciência emocional elevada, há um reconhecimento crescente da importância do lamento. No entanto, à medida que pensamos no processamento de nossas emoções e na prática do lamento, existe uma distinção importante a ser feita. Essa distinção é a diferença entre um desabafo e um lamento.  Vamos considerar cada um deles separadamente.

O que é um desabafo?
Um desabafo, ou desafogo, é uma expressão que dá franca e vigorosa vasão a sentimentos e pensamento. Desabafar é expressar suas opiniões ou emoções, geralmente para obter algum alívio ou chamar atenção. O oposto disso é o hábito de “engolir as coisas”, suprimindo ou sufocando nossos pensamentos e sentimentos. Visto por esse lado, podemos reconhecer um valor em desabafar: é importante identificar nossos pensamentos e sentimentos e poder comunicá-los àqueles que estão ao nosso redor.

Embora todos nós possamos reconhecer prontamente o valor de comunicar nossos pensamentos e sentimentos, devemos estar cientes de que, de uma perspectiva cristã, a mera expressão não é necessariamente edificante. É possível nos expressarmos de maneiras destrutivas. Na verdade, o livro de Provérbios emite um aviso que devemos ter em mente: O tolo derrama toda a sua ira, mas o sábio se domina e a reprime(Pv 29.11).

Comentando esse versículo, John Kitchen escreve que “tal pessoa está sujeita a todos os caprichos da paixão e faz com que todos em sua vida andem em uma montanha-russa, subindo e descendo pelos picos e vales de suas emoções”.[1] Em linguagem coloquial, podemos dizer que essa pessoa é controlada por suas emoções e, conforme Kitchen aponta, isso pode ter resultados destrutivos para aqueles que estão ao seu redor. Na verdade, penso que presenciamos isso o tempo todo. É fácil conectar o desabafo à forma tóxica de reagir que cada vez mais caracteriza a cultura ocidental. Portanto, embora certamente não defendamos a supressão de sentimentos, como cristãos, queremos pensar sabiamente sobre como a prática de desabafar emoções e pensamentos difere da prática de orar e lamentar.

O que é um lamento?
Mark Vroegop define o lamento como “uma oração de dor que conduz à confiança. […] O lamento convida-nos a levar nossa dor, tristeza, pesar, frustração e desilusão a Deus”.[2] Observe o que isso tem em comum com desabafar e o quanto é diferente.

Tanto desabafar quanto lamentar reconhecem acertadamente que as coisas estão erradas neste mundo. Tanto desabafar quanto lamentar querem identificar, comunicar e responder ao que está errado. Nesse sentido, são bem parecidos. No entanto, a diferença crucial é enorme. Basicamente, o lamento é direcionado a Deus. Em vez de se dirigir às pessoas, um lamento é uma forma de oração e, à medida que aprendemos a lamentar, o resultado é uma reafirmação da nossa confiança no Deus com quem falamos. Ele é soberano sobre nossas circunstâncias e nossa vida, e nossa confiança nele cresce por meio do lamento.

Os Salmos modelam e ensinam o lamento
Ocasionalmente, ouço pessoas dizerem que vemos os salmistas desabafarem, mas isso é confundir a honestidade crua que vemos nos Salmos com a nossa experiência de desabafar. Nos Salmos, os crentes vocalizam honestamente sua dor e sofrimento. No entanto, não vemos desabafos pecaminosos; vemos crentes que falam com Deus em meio à sua dor.

Além disso, os Salmos não somente modelam como expressar nossos sentimentos. Eles também nos ensinam o que deve despertar nossos sentimentos. Christopher Ash expressa bem essa ideia quando escreve: “Os Salmos nos mostram como expressar uma variedade de sentimentos; mais do que isso, porém, eles reordenam nossas afeições desordenadas para que desejemos de forma mais profunda aquilo que deveríamos desejar, sintamos de forma mais pungente uma aversão por aquilo de que precisamos fugir e um anseio intenso pela honra de Deus e edificação da Igreja de Cristo”.[3]

É importante reconhecer isso: não devemos usar os Salmos somente para nos guiar em nosso lamento, muito embora eles possam nos guiar. Os Salmos, na verdade, devem moldar nossos lamentos e podem até nos ensinar a lamentar por coisas que, no momento, não percebemos como problemas. Por meio da leitura e oração dos Salmos, aprendemos a sentir devidamente; eles moldam nossos desejos e afeições até que, com o passar do tempo, nós nos identificamos cada vez mais profundamente com eles.

Aprendendo a lamentar
Através desta leitura, você pode ter percebido que em seu dia a dia há uma tendência a desabafar mais do que lamentar. É provável que isso seja verdade para a maioria de nós! Posso encorajá-lo, assim como encorajo a mim mesmo: é hora de aprender a levar nossas frustrações e tristezas ao nosso Pai Celestial! Ele nos deu Sua Palavra e Seu Espírito para que possamos aprender a falar com Ele em meio à nossa dor. Por meio da dor, Deus pode nos atrair para uma intimidade mais profunda com Ele, mesmo em nossos dias sombrios e nos momentos mais estressantes.

Perguntas para reflexão

  1. Como você definiria a diferença entre desabafar e lamentar?
  2. Quais são os obstáculos que o impedem de aprender a lamentar?
  3. Como o livro dos Salmos o ajuda a crescer nas expressões de lamento?

[1] KITCHEN, John A. Proverbs: a Mentor commentary. Fearn, Great Britain: Mentor, 2012. Tradução nossa.

[2] VROEGOP, Mark. Dark clouds, deep mercy: devotional journal. Wheaton, IL: Crossway, 2022, p. 13. Tradução nossa.

[3] ASH, Christopher. Psalms for you. Charlotte, NC: The Good Book Company, 2020, p. 10.


Kyle Johnston é pastor e conselheiro bíblico na Gracefields Church na Cidade do Cabo, África do Sul. Atua como presidente da Biblical Counseling Africa..


Original do artigo: What’s the Difference between Venting and Lamenting?
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition.  Traduzido com autorização.