O conhecimento de Deus e o autoconhecimento

Pat Quinn


Todo modelo de aconselhamento busca um autoconhecimento maior e mais preciso como um de seus objetivos. Todos concordam que a baixa autoconsciência e o autoengano impedem o crescimento pessoal. No entanto, nem todos concordam sobre o que é esse autoconhecimento ou como obtê-lo. Vamos considerar aqui dois diferentes modelos de como adquirir maior autoconhecimento.

Teoria secular (TCC)
A psicóloga positiva, Dra. Christina Wilson, escreve: “O autoconhecimento é essencial para o crescimento pessoal, a tomada de decisão e a autoavaliação precisa. É o oposto do desconhecimento e nos ajuda a dar sentido às nossas experiências. É importante ressaltar que o autoconhecimento é uma ferramenta essencial para ajudar no processo de mudança. A mudança é difícil. Ela requer intencionalidade e coragem.”[1] Tomando isso em consideração, se o autoconhecimento é uma ferramenta essencial para ajudar no processo de mudança, como se alcança o autoconhecimento?

A autora e conselheira Meg Selig compartilha as seguintes estratégias[2]:

  • Ouça elogios e assimile-os.
  • Observe suas emoções.
  • Observe o que você está pensando.
  • Torne-se amigo dos seus erros.
  • Mantenha um diário ou reserve um tempo para refletir.
  • Ouça outras pessoas, mas tome e viva suas próprias decisões.
  • Converse com um terapeuta ou conselheiro.
  • Experimente testes de personalidade ou temperamento.
  • Pratique a assertividade.
  • Cerque-se das pessoas certas, que o aceitem e promovam seu crescimento.

Embora existam algumas ideias úteis aqui, fica claro nos modelos de aconselhamento secular que a obtenção do autoconhecimento é intrapessoal (a partir de si mesmo) e interpessoal (com alguma ajuda de seus amigos), mas não há uma dimensão vertical. O próprio conceito de secular significa que não há referência necessária a Deus. Esta é “a sabedoria deste mundo”, que o apóstolo Paulo diz ser, em última análise, tolice (1Co 1.20, 21). Portanto, o autoconhecimento secular, sem a sabedoria de Deus, em última análise, é algo fútil no processo de aconselhamento.

João Calvino
O reformador João Calvino tinha uma ideia muito diferente sobre como atingir o autoconhecimento. No capítulo 1 de suas Institutas da Religião Cristã, ele escreveu:

“Quase toda a sabedoria que possuímos, ou seja, a verdadeira e sólida sabedoria, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos. […] Mas é certo que o homem nunca alcança um conhecimento claro de si mesmo, a menos que primeiro tenha olhado para a face de Deus e depois desça de contemplá-lo para examinar a si mesmo”[3]

Embora Calvino concordasse com nossos psicólogos modernos em dizer que o autoconhecimento é essencial para o crescimento e o florescimento humano, ele discordaria de que o autoconhecimento e a sabedoria para viver podem ser obtidos a partir de uma estrutura meramente secular. Calvino reconhecia que o conhecimento de si mesmo é inseparável do conhecimento de Deus; na verdade, o autoconhecimento é impossível à parte de Deus, pois o ser humano deve sua própria existência a Deus, e a característica mais importante de um ser humano é que ele é criado à imagem de Deus.

A dupla referência de Davi
Recentemente, durante uma leitura do Salmo 40, notei algo que eu nunca tinha percebido antes: referências breves e sucintas ao conhecimento de Deus e ao conhecimento de si mesmo que levam a uma confiança lúcida em Deus e à humilde dependência de Deus. Davi percebeu que para ser tirado do “atoleiro de lama” (Sl 40.2) da vida e experimentar “um cântico novo” (Sl 40.3), ele precisava ter conhecimento de Deus, assim como ter conhecimento de si mesmo. Davi estabelece uma dupla referência. Primeiramente, ele se dirige ao “SENHOR” (Sl 40.11ss) e depois ele diz “Quanto a mim …” (Sl 40.17).[4]

“Quanto a ti, SENHOR”
Primeiro, Davi nos diz sucintamente o que todo pecador que trava suas lutas e aspira ser santo precisa saber sobre Deus para crescer e florescer: o SENHOR é um Deus de misericórdia, graça e verdade (cf. Sl 40.11). Há muitas coisas que precisamos saber sobre Deus; no entanto, para termos liberdade para crescer e confiança para perseverar, é fundamental conhecer Sua misericórdia, Seu amor constante e verdade. Nosso coração entrega-se facilmente à descrença ansiosa. Acreditamos que quando as provações vêm, nossos pecados nos desqualificam ou os nossos sofrimentos nos destroem. É impressionante que Davi prossiga em sua expressão de confiança di\endo: “São incontáveis os males que me cercam; as minhas iniquidades me alcançaram, tantas, que me impedem a visão” (Sl 40.12a). Davi enfrenta os males e os pecados que ameaçam dominá-lo com o conhecimento de que a graça de Deus é mais profunda e mais elevada do que todos os nossos pecados e sofrimentos. Sua confiança não está em sua fé ou força, mas no amor e fidelidade constantes de Deus. Enquanto conselheiros, nós mesmos precisamos crer nisso e nos alegrar nisso, viver esta verdade e transmiti-la aos nossos aconselhados. O conhecimento de Deus é essencial para “progredir e ter alegria na fé” (Fp 1.25).

“Quanto a mim”
No Salmo 40.17, Davi nos lembra que o conhecimento preciso de si mesmo também é essencial para a salvação. O que Davi diz sobre si mesmo que precisamos saber e comunicar aos nossos aconselhados? “Quanto a mim, sou pobre e necessitado” (Sl 40.17a). Autoconhecimento simples, mas profundo: Não tenho em mim o que é necessário, e não consigo viver sozinho; fui feito para depender do meu Deus para viver.

Em nossa cultura de autonomia, autossuficiência e um expressivo individualismo, isso é contraintuitivo e contracultural. Observe que Jesus ensinou e deu exemplo dessa dependência radical em Sua própria vida. A respeito de Si mesmo, Ele disse: “o Filho nada pode fazer por si mesmo, senão somente aquilo que vê o Pai fazer” (Jo 5.19). A respeito de todos aqueles que O seguiriam, Ele disse: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5.3).

Há uma expressão humilde de confiança em dizer: “Quanto a mim, sou pobre e necessitado, mas o Senhor preocupa-se comigo” (Sl 40.17). A dependência com espírito humilde e a confiança com esperança em Deus são fundamentais para a transformação.

Veja como o conhecimento de Deus (v. 11) e o conhecimento de si mesmo (v. 17), ainda que em meio a lutas avassaladoras com o pecado e o sofrimento (v. 12), resultam em um clamor apaixonado e esperançoso pela ajuda do Deus vivo: “Tu és o meu socorro e o meu libertador; meu Deus, não te demores” (Sl 40.17b)!

Um dos nossos grandes objetivos no aconselhamento é apontar para Deus e levar nossos aconselhados a clamar a Deus em oração por uma mudança de coração e de vida. Essa oração flui tanto do conhecimento de Deus quanto do conhecimento de si mesmo conforme os encontramos nas Escrituras.

Em resumo
O autoconhecimento preciso é essencial, mas não é suficiente para uma mudança profunda e duradoura, seja na nossa vida, seja na vida dos nossos aconselhados. Como Calvino ensinou no século XVI, “Quase toda a sabedoria que possuímos, ou seja, a verdadeira e sólida sabedoria, consiste em duas partes: o conhecimento de Deus e de nós mesmos”. Para que haja uma sabedoria crescente para viver a vida abundante, o conhecimento de si mesmo deve tanto estar unido quanto resultar do conhecimento de Deus. No Salmo 40, Davi ensinou essa sabedoria divina 2.600 anos antes de Calvino.

Perguntas para reflexão
1– Como você conduz os seus aconselhados ao autoconhecimento? Como isso se relaciona com o conhecimento de Deus?

2– Pense em uma pessoa que você está aconselhando. Como você pode usar o Salmo 40.11, 17 para conectá-la ao Deus vivo e encorajar a esperança?


[1] Christina R. Wilson. What is self-knowledge in psychology? 8 examples and theories. Positive Psychology, Jul. 2021. Disponível em: https://positivepsychology.com/self-knowledge/. Acesso em 13 jan 2025.

[2] Meg Selig. Looking for your true self? 10 strategies for self-knowledge. Psychology Today, 2016. Disponível em: https://www.psychologytoday.com/us/blog/changepower/201603/looking-your-true-self-10-strategies-self-knowledge. Acesso em 13 jan. 2025.

[3] John Calvin. Institutes of the Christian Religion. Book 1. Philadelphia, PA: Westminster Press, 1960, p. 35, 37. Tradução nossa.

[4] NdT. Na versão em inglês usada pelo autor (ESV), ambos os versículos iniciam de forma semelhante: “As for you, o Lord”  (quanto ai ti, SENHOR), e “As for mim” (quanto a mim).


Pat Quinn é o diretor do ministério de aconselhamento na  University Reformed Church  em East Lansing, MI, onde ele serve com seu amor pelo evangelho para aconselhar, treinar conselheiros, ensinar e atuar como líder espiritual. Ele é formado pela Michigan State University e Calvin College, e recebeu treinamento em aconselhamento na Christian Counseling and Educational Foundation. É escritor e membro do conselho da Biblical Counseling Coalition.


Original do artigo: Knowledge of God and Knowledge of Self
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition.  Traduzido com autorização.