Jim Newheiser

Tenho tido o privilégio de participar do treinamento de conselheiros bíblicos ao longo dos últimos 20 anos. Muitos alunos recebem com entusiasmo as aulas teóricas de aconselhamento bíblico, mas depois têm dificuldade ao praticar o aconselhamento em cenários de atividades de dramatização em sala de aula e, mais adiante, nas tentativas de trabalhar com aconselhados reais, debaixo da supervisão de um conselheiro experiente.
Um uso escasso ou espesso?
Depois de presenciar centenas de horas de aconselhamento de meus alunos, e de ler ou ouvir milhares de relatos de caso, estou convencido de que o uso que muitos conselheiros fazem da Bíblia é escasso e bastante superficial. Eles precisam de um uso mais espesso para serem conselheiros bíblicos eficazes. A “espessura” do uso da Bíblia descreve o quanto um conselheiro conhece bem e o suficiente a Bíblia, de modo a ser capaz de usá-la espontaneamente em uma situação de aconselhamento.
Em certos aspectos, o aconselhamento é mais difícil do que a pregação, pois o pregador pode se preparar extensivamente para o seu sermão e controlar a direção que este toma. O conselheiro pode se preparar para um encontro com o aconselhado, mas não tem total controle sobre a direção que aquele encontro pode tomar. O aconselhado pode levantar uma nova questão ou estar enfrentando uma crise repentina e sem relação com o que estava sendo tratado, mas para a qual ele precisa de ajuda imediata. O conselheiro deve ser capaz de oferecer respostas baseadas na Palavra de Deus, o que significa que ele deve conhecer muito bem as Escrituras.
Um dos possíveis erros mais comuns dos conselheiros é dar respostas que parecem verdadeiras e bíblicas, mas não citam as Escrituras. Lembro aos meus supervisionados que, no encontro de aconselhamento, a autoridade não reside em nossa posição como conselheiros nem em nossa sabedoria pessoal, mas na infalível Palavra de Deus (2Tm 3.16, 17). É importante que o aconselhado leia as Escrituras por si mesmo para ver que o próprio Deus fala sobre o seu problema. Se ele não gostar do que está ouvindo e lendo, ele precisa entender que sua discordância não é com o conselheiro, mas com Deus.
A Palavra de Deus é poderosa e transformadora (Sl 19.7-11). Lembro-me vividamente de um encontro que tive há mais de 30 anos com uma enfermeira de Singapura que tinha dúvidas sobre sua fé. Depois de passar quase uma hora dando minhas melhores explicações e ilustrações das verdades sobre as quais ela perguntava, sem chegar a lugar nenhum, finalmente eu a fiz ler uma parte de Romanos 3. Imediatamente após ler o texto das Escrituras, seus olhos se abriram e ela conseguiu expressar claramente as verdades centrais do evangelho que eu estava procurando explicar. Desde então, quando me vejo tentado a simplesmente parafrasear uma verdade bíblica para um aconselhado por uma questão de tempo, lembro-me de que vale a pena pedir que ele ou ela abra uma passagem e a leia em voz alta.
Como você pode aumentar a “espessura” do uso que faz da sua Bíblia?
1- Durante um encontro de aconselhamento, faça o possível para encontrar textos bíblicos apropriados para o seu aconselhado ler.
Se você não sabe onde procurar, esteja disposto a parar e procurar uma passagem. Tenha ferramentas à disposição — um programa bíblico que permita consultar passagens, um livro ou caderno com referências bíblicas sobre tópicos específicos, ou você pode simplesmente pesquisar em na internet ou em programas específicos para estudo da Bíblia aqueles versículos cuja referência você não consegue lembrar.
2- Faça sua lição de casa.
Depois de um encontro em que você percebeu que seu conhecimento das Escrituras não era adequado, reserve um tempo para pesquisar e estudar a Palavra de Deus, a fim de se preparar para o encontro seguinte com aquele aconselhado ou para encontros futuros com outros aconselhado. É provável que você descubra que aquilo que aprendeu com o seu fracasso durante um encontro ficará gravado em sua memória para o resto da vida.
3- Compile sua própria lista de textos bíblicos favoritos aos quais você recorre com frequência.
Há muitos anos, criei uma lista de textos bíblicos para o aconselhamento, que compartilho com meus alunos.[1]
4- Estude cuidadosamente os textos bíblicos para que você possa expô-los em seu contexto, com interpretação correta.
Meu melhor preparo para o aconselhamento foram mais de 30 anos consecutivos de pregação e ensino sobre os livros da Bíblia. Os conselheiros bíblicos que se baseiam em textos isolados têm um conhecimento bíblico extremamente superficial e, frequentemente, falham em expor as Escrituras de maneira fiel e completa em seu contexto. Por exemplo, você pode saber que Efésios 5.25 ensina os maridos a amarem suas esposas como Cristo ama a igreja, mas sua explicação desse versículo será muito mais rica se for fundamentada no que Efésios 1 a 3 ensina sobre o amor de Cristo por nós e no que o Efésios 4 ensina sobre andar à luz de tudo o que Cristo fez por nós.[2]
5- Entenda como toda a Escritura está conectada ao evangelho.
Cristo mostrou aos Seus discípulos como todo o Antigo Testamento aponta para a Sua Pessoa e obra (Lucas 24.25-27). Você consegue conectar cada texto que usa ao tema central da Escritura, que é a redenção? Embora a obediência à Palavra de Deus seja importante, nossos aconselhamentos não devem ser reduzidos a um moralismo e à observância de mandamentos bíblicos. Nossa falha em viver de acordo com os padrões de Deus nos leva continuamente de volta a Cristo (Gl 3.24; Rm 6.1ss). Nossa união com Cristo nos capacita a viver como novas criaturas, unidos ao Cristo ressuscitado.
Precisamos de conselheiros bíblicos cujos encontros de aconselhamento sejam ricos de textos bíblicos e centrados no Evangelho. Tornar o uso de nossas Bíblias mais “espesso” é uma tarefa para a vida toda.
Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar,
que maneja bem a palavra da verdade. (2Tm 2.15)
Medite estas coisas e dedique-se a elas, para que o seu progresso seja visto por todos.
Cuide de você mesmo e da doutrina. Continue nestes deveres,
porque, fazendo assim, você salvará tanto a si mesmo como aos que o ouvem. (1Tm 4.15, 16)
Perguntas para reflexão
1– Com tem sido o uso das Escrituras nos seus aconselhamentos?
2– Como você tem procurado melhorar seu uso das Escrituras no aconselhamento?
[1] Aqui você tem um exemplo de como fazer: https://ibcd.org/approximately-100-go-to-texts-for-biblical-counseling/
[2] Veja aqui um exemplo: https://ibcd.org/transforming-grace-in-marriage-roles-part-1/
Jim Newheiser atua na área de aconselhamento bíblico desde 1982. É diretor do programa de Aconselhamento Cristão e professor de Teologia Pastoral no Reformed Theological Seminary in Charlotte, NC. Ele atuou no ministério pastoral por mais de 30 anos no sul da Califórnia e na Arábia Saudita. É diretor do Institute for Biblical Counseling and Discipleship (IBCD) desde 2006. É membro do conselho da Association of Certified Biblical Counselors (ACBC).
Original do artigo: How Thick Is Your Bible?
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition. Traduzido com autorização.