Vá devagar em caso de Déficit de Atenção/Hiperatividade!

Desatenção, inquietude e impulsividade – elas causam dificuldade no cotidiano de muitas pessoas, não só na infância e adolescência, mas também na idade adulta. Todos nós conhecemos aquela criança “avoada” e “estabanada”, que se mexe o tempo todo e para quem seguir regras e respeitar limites parece algo fora de cogitação, ou então aquela pessoa “ligada o tempo todo a um motor de alta rotação”, que facilmente se distrai e é muitas vezes esquecida, intrometida e impulsiva.  

Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade é o termo associado em nossos dias a essas manifestações. Os livros sobre o assunto não param muito nas prateleiras. O conteúdo disponível on-line cresce e é constantemente acessado.  Os cristãos devem lidar com essas informações com discernimento bíblico, à semelhança do que fazem com tudo quanto leem e ouvem.

Algumas cautelas
No artigo Déficit de Atenção/ Hiperatividade: que você precisa saber, antes de esboçar um plano bíblico de ação para aqueles que querem lidar com os desafios práticos da questão, Edward Welch destaca algumas cautelas que devemos considerar.

Em primeiro lugar, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade não é um conjunto de sintomas definido com precisão. O termo “frequentemente” está sempre presente nos critérios de diagnóstico e revela a amplitude dos contornos do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Quase qualquer pessoa poderia ser enquadrada nestes parâmetros – pelo menos em determinados dias.

Em segundo lugar, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é uma descrição de um comportamento, e não uma explicação. A medicina, por meio do Ma­nual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV, tenta descrever sintomas e não explicar a causa desses sintomas. Tenta responder à pergunta: “O que esta criança está fazendo?”, mas não “Por que esta criança está fazendo isso?”. Estas duas perguntas são diferentes. Por exemplo, se você fosse um novato no mundo do automobilismo e perguntasse a respeito de um carro que acabara de passar em alta velocidade, uma resposta descritiva seria “Este é um Ford Taurus verde metálico, com motor 2.0”. Uma resposta explicativa incluiria uma revisão dos conceitos de combustão do motor e de mecânica da transmissão automática.

A descrição do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade responde o que a criança está fazendo, e não o porquê. Essas descrições do que podem certamente ser úteis. Por exemplo, se você quer compreender quais são os comportamentos específicos que contribuem para que seu filho tenha um rendimento escolar sofrível, a lista de sintomas associados ao termo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade pode lhe revelar comportamentos que você não havia considerado antes. Ainda assim, esta catego­ria descritiva é limitada em sua utilidade. Ela não seria útil se alguém perguntasse: “Por que seu filho não pára quieto na cadeira?”. Se você respondesse “É porque ele tem Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade”, isso não seria diferente de dizer “Ele não pára quieto na cadeira porque ele se mexe”. Você estaria meramente descrevendo o comportamento com palavras diferentes.

É importante distinguir entre descrição e explicação porque a literatura sobre Trans­torno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, geralmente, não faz esta distinção. Muito do debate sobre Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade presume que a lista descritiva equivale ao estabelecimento de um diagnóstico médico. A pressuposição popular de que há uma causa básica biológica para os comportamentos é infundada. Embora haja dúzias de teorias biológicas para explicar o Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade, não há até o momento indicadores concretos para comprová-las; não há exames médicos que possam detectar sua presença. Aditivos químicos em alimentos, problemas de parto, problemas na audição, diferenças cerebrais, são algumas das teorias que têm deixado os pesquisadores intriga­dos, mas não há apoio evidente. Cada uma pode ter algum mérito em casos específicos, mas não há uma teoria biológica que possa explicar consistentemente os sintomas. Até agora, não podemos dizer que alguém tem Transtorno de Déficit de Atenção/Hipera­tividade assim como dizemos que alguém tem uma virose.

Por que então as explicações biológicas estão tão entrelaçadas com as descrições? Em primeiro lugar, para algumas pessoas, as explicações biológicas são presumivelmente a única explicação disponível para o comportamento. Elas desconhecem outras causas. Em segundo lugar, os pesquisadores estão preocupados com o fato de que um julgamento moral possa prejudicar uma criança, pois têm visto muitas delas agredidas pela punição inconsistente (e não bíblica) aplicada a “crianças más”. Para elevar a “auto-estima” da criança, querem evitar qualquer sugestão de que ela seja responsável pelos comportamentos descritos no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

Como ajudar
Na segunda parte do artigo, Ed Welch desafia-nos a investigar duas áreas, a espiritual e a física, e aponta para o íntimo e constante relacionamento entre elas nas expressões do cotidiano.

Se alguém diz que seu filho (ou você) apresenta comportamentos condizentes com o Transtorno de Déficit de Atenção/Hipe­ratividade, não entre em pânico. Traduza a expressão Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade como “É hora de desenvolver um entendimento mais profundo a respeito dessa pessoa”.

Há pelo menos duas áreas que precisam ser investigadas: a espiritual e a física. Ambas devem ser levadas a sério. Se você ignora o aspecto espiritual, nunca haverá lugar para arrependimento e fé na vida de seu filho. O comportamento pecaminoso será desculpado. O poder do evangelho será ignorado. Se você ignora o aspecto físico ou os pontos fortes e fracos do funcionamento cerebral, você nunca encontrará os métodos criativos de que precisa para ajudar seu filho a aprender. Ele ficará confuso e perderá a esperança.

O aspecto espiritual é a arena do coração. É a verdadeira essência de nosso ser, mais profundo até mesmo que aquilo que consideramos como personalidade. O coração deixa evidente que vivemos diante de Deus e adoramos a Deus em fé e obediência ou seguimos nossos próprios desejos. Quando adoramos e obedecemos a Deus, nosso coração expressa-se em amor, alegria, paz, paciência, bondade, mansidão e domínio próprio (Gl 5.19-23). Quando estamos comprometidos com nossos desejos pessoais e os adoramos, os atos da natureza pecaminosa tornam-se evidentes, incluindo contendas, murmuração, ciúmes, explosões de ira, imoralidade sexual, desobediência aos pais.

Em muitos casos de crianças enquadradas no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, a arena do coração é ignorada. É possível que algo daquilo que identificamos como Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade seja autoindulgência e indolência pecaminosas? É possível que uma causa significativa dos comportamentos envolvidos seja um coração que exige que as coisas aconteçam a seu modo? Certamente é possível. A verdade é que o Transtorno de Déficit de Atenção /Hiperatividade situa-se no ponto de interseção entre o físico e o espiritual. A causa básica pode ser física ou espiritual. Normalmente, ambas estão presentes.

Pode parecer duro afirmar que o pecado seja uma das causas daquilo que é identificado como Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Será que tal explicação prejudicaria as crianças, como alguns pesquisadores seculares dizem? Não acreditamos nisso. Se o pecado é chamado de pecado, há esperança de mudança. E além do mais, muitas crianças têm uma consciência alerta ao certo e ao errado. Dizer que algo está errado, é contar-lhes algo de que já suspeitam. O que pode ser prejudicial e gerar confusão é identificar pecado e erro naquilo que poderia ser chamado com mais precisão de limitação ou fraqueza física.

Uma maneira de evitar a confusão entre pecado e limitação ou fraqueza física é fazer a seguinte pergunta: “Estou certo de que este comportamento transgride a lei de Deus?”. Se a resposta for positiva, então o comportamento tem uma raiz espiritual. Digamos, por exemplo, que seu filho esteja batendo em outra criança porque a outra criança está brincando com o brinquedo dele. Trata-se claramente de um problema espiritual. Seu filho pode também lutar com desatenção e hiperatividade/impulsividade, mas estas não são desculpas para tal comportamento. Problemas físicos não forçam uma criança a pecar, mas certamente eles influenciam o comportamento. Além do mais, eles podem ser confundidos com problemas espirituais. Portanto, ao mesmo tempo que você procura compreender a orientação do coração do seu filho (orientado para Deus ou para si mesmo), você também tentará entender as forças e fraquezas físicas (determinadas pelo cérebro) próprias de seu filho.

O físico é a pessoa material – músculos, ossos, cérebro, genes. Em certo sentido, nosso corpo físico é um instrumento para o nosso coração. Ele dá ao coração um meio de se expressar no mundo físico.

A vida com  estrutura
Muitas das medidas práticas para lidar com aqueles que facilmente se distraem ou têm a tendência de mudar rapidamente de uma atividade para outra podem ser resumidas na palavra estrutura. Estrutura diz respeito a fronteiras, orientações, lembretes e limites. O restante do artigo concentra-se em dar algumas sugestões práticas para lidar com os pontos fortes e as limitações individuais de modo a viver no temor do Senhor e praticando o mandamento de amar ao próximo como a si mesmo.

O tratamento médico
Quando o problema persiste, e em grau de severidade que afeta de modo significativo a vida cotidiana, é recomendável buscar a ajuda médica.

Há alguns problemas orgânicos que provocam sintomas semelhantes aos do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Por exemplo, problemas de tiroide podem afetar o nível de energia, e a diminuição da capacidade auditiva ou visual pode prejudicar o nível da atenção. Um bom exame médico pode eliminar estas possibilidades. A maioria das crianças enquadradas no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade apresenta resultados normais nos exames clínicos, mas vários médicos indicam mesmo assim o uso de medicamentos. […] Pais crentes devem levar em conta estes medicamentos no tratamento de seus filhos? Se fizermos uma pesquisa de opinião entre um grupo representativo da população evangélica, ouviremos “certamente que sim”, e também “definitivamente não, em quaisquer circunstâncias”, além de muitos outros pareceres intermediários. Tais diferenças de opinião entre crentes comprometidos e sérios indicam, no mínimo, que as Escrituras não dizem claramente “não”. Uma pergunta mais apropriada seria “É sábio usá-los?”, em lugar de “É errado usá-los?”.

Welch considera prós e contras do uso da medicação, e depois chama a atenção para uma verdade que não podemos esquecer:

É imperativo destacar que os medicamentos não mudam o coração de uma criança. Se ela parece mais obediente quando toma Ritalina, é porque um fator de influência em sua vida sofreu alteração. Ou seja, da mesma maneira como outros fatores podem influenciar o coração, também o corpo pode influenciar. O corpo produz prazer ou dor, clareza ou confusão mental, concentração ou desatenção. Estas mudanças físicas podem atuar como uma tentação à qual algumas crianças respondem pecaminosamente. Quando a tentação é removida, a criança parece menos propensa a certos tipos de pecado.

Se você decidiu provar o tratamento com medicamentos, o mais importante é manter em mente que esta opção não deve eliminar a sua diligência no cuidado espiritual. Independentemente de uma maior ou menor intensidade, as fraquezas físicas não podem impedir seu filho de crescer no conhecimento de Cristo e na obediência a Ele. Esse fato oferece-lhe esperança e encorajamento no processo de educar seu filho, bem como mantém em perspectiva adequada as suas expectativas quanto àquilo que os medicamentos podem fazer por ele. 

E conclui com palavras de encorajamento aos pais:

Educar filhos com sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é, afinal de contas, semelhante a educar qualquer outra criança: você precisa adaptar os ensinos bíblicos à capacidade de seu filho para recebê-los. Com crianças que não diferem muito de nós, trata-se de um processo relativamente imediato, pois entendemos de modo instintivo quais são os pontos fortes e fracos. As crianças cujos pontos fortes e fracos estão fora do habitual exigem observação mais cuidadosa e ensino criativo. Ao lidar com uma destas crianças, lembre-se de que ela também tem pontos fortes concedidos por Deus, e quaisquer que sejam seus pontos fracos, estes não impedirão o seu crescimento naquilo que é mais importante.

Você encontra o artigo Déficit de Atenção/ Hiperatividade: que você precisa saber no volume 1 de Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, que pode ser adquirido na Livraria OPV.

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