Pedro Vercelino
O evangelho de que ouço falar
Qual a última apresentação do evangelho que você ouviu? Seja em um congresso ou conferência, seja no contexto da igreja ou grupo pequeno, ou mesmo naquele livro que alguém recomendou, como o evangelho foi apresentado?
Como pastor, professor e responsável pelos conselheiros em um dos acampamentos da Palavra da Vida, tenho tido a oportunidade de conhecer diversos jovens e adolescentes que me contam que tiveram um “encontro com Jesus”, sentiram-se amados por Ele ou tomaram uma decisão de andar com Ele. No entanto, quando pergunto mais a fundo sobre o conteúdo desse “encontro” que eles tiveram com Jesus, as respostas nem sempre são muito animadoras. A partir do meu envolvimento com o aconselhamento bíblico, desenvolvi um interesse pessoal por conhecer a história de vida com Jesus de cada pessoa e assim, sempre que posso, faço perguntas objetivas a esse respeito. As respostas que tenho ouvido não têm sido tão animadoras e inspiradoras. Infelizmente, o evangelho nem sempre está presente nessas histórias. Não estou falando de um evangelho qualquer, mas do evangelho verdadeiro. O que eu mais ouço hoje em dia nessas conversas espirituais é sobre “o evangelho do abraço de Jesus”.
Posso imaginar sua pergunta: Como assim, o que é o “evangelho do abraço de Jesus”? É verdade, não existe outro evangelho! Existem apenas pessoas que perverteram o evangelho e o tornaram naquilo que atende a seus próprios interesses (Gl 1.6, 7) e, quanto a esses, o apóstolo Paulo diz que são amaldiçoados, merecedores da ira de Deus (Gl 1.8, 9).
É verdade, não existe outro evangelho a não ser aquele anunciado pelos apóstolos de que Jesus é o evangelho, de que Ele é a boa notícia de Deus dada aos homens, Ele é aquele que morreu e ressuscitou por causa dos nossos pecados e para nos livrar desse mundo perverso pela vontade do Pai e para a glória dEle (Gl 1.3-5). Esse é o retrato que as Escrituras fazem do evangelho. Nas minhas conversas, porém, não é esse o retrato de que ouço falar.
O “evangelho do abraço de Jesus”
Muitas pessoas apresentam Jesus como um coitado, clamando por atenção e ansiando para que Lhe demos atenção. Elas dizem coisas como Jesus tem ciúmes de você ou Venha, ele está esperando de braços abertos ou ainda Ele sente sua falta, é hora de voltar para casa. Esse Jesus é apresentado como se fosse um pai que há muito tempo não vê o filho ou um namorado que tem sentimentos possessivos a respeito do seu par – afinal, o que é o ciúme se não um sentimento de posse indevido?
Esse é o evangelho do “abraço de Jesus”. Jesus existe para fazer com que você se sinta amado e querido, e para resolver sua solidão, sua dificuldade no namoro, os problemas no trabalho e tudo mais. Nesse evangelho, Jesus é aquela pessoa que vem lhe dar um abraço após o culto, pergunta se está tudo bem e se propõe a orar por você. O que há de errado nisso? Tudo!
Todas essas coisas são boas e o Senhor Jesus têm realmente poder para agir e transformar todas elas. Ele pode mudar relacionamentos, dar um novo sentido à vida, cuidar dos sentimentos de solidão e encorajar diante das dificuldades do trabalho. Isso tudo Jesus pode fazer, mas não é essa a essência do evangelho verdadeiro.
O evangelho do arrependimento
Jesus e sua obra de morte e ressurreição por causa dos nossos pecados é o evangelho, e a única maneira de nos beneficiarmos do que Ele fez é reconhecermos a necessidade que temos de quem Ele é e depositarmos nossa fé nEle. Não podemos nos aproximar de Jesus simplesmente porque Ele tem o “melhor abraço do mundo”, mas porque somos pecadores e estamos separados de Deus (Rm 3.23), destinados à morte eterna (Rm 6.23) e precisando de uma intervenção divina.
A não ser que alguém mude de opinião sobre quem é Jesus, entenda que é pecador e necessita dEle, não pode ser salvo e usufruir daquilo que é mais importante e melhor do que os “abraços carinhosos” que Jesus pode dar. Melhor do que fazer você se sentir bem é fazer você se tornar alguém vivo, e é esse o real poder do evangelho – ele dá vida a pessoas mortas por causas de seus pecados (Ef 2.1-3) e oferece-lhes uma nova maneira de viver (Rm 6.5-8; Ef 4.22-24).
O “evangelho do abraço” oferece um Jesus que satisfaz nossos desejos e anseios pessoais, mas o evangelho da cruz e do arrependimento satisfaz nossas necessidades reais. Nos Evangelhos, Jesus não convidou as pessoas para lhes dar simplesmente uma vida de satisfação dos anseios pessoais ou carências emocionais. Ele mesmo disse: Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento (Lc 5.32). Ele disse que seus discípulos deveriam pregar sobre o arrependimento (Lc 24.47) e foi exatamente isso que Pedro fez no Pentecostes quando pregou: Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo (At 2.38). É isso também o que Paulo fez ao longo de todo o seu ministério: Preguei em primeiro lugar aos que estavam em Damasco, depois aos que estavam em Jerusalém e em toda a Judeia, e também aos gentios, dizendo que se arrependessem e se voltassem para Deus, praticando obras que mostrassem o seu arrependimento (At 26.20).
O evangelho verdadeiro, e o conselheiro verdadeiro, chamam pessoas ao arrependimento, à mudança de mentalidade que muda nossa maneira de agir. A marca de um cristão verdadeiro é que o pecado o incomoda, ele se arrepende de seus pecados, aproxima-se de Jesus para receber a graça necessária para a transformação (Hb 4.16) e demonstra o seu arrependimento pela mudança de atitude (Lc 3.8-14). As pessoas que nunca se arrependeram de seus pecados não são ainda verdadeiramente cristãs. Elas desejam abraços, quando aquilo de que mais precisam é a salvação.
Infelizmente, essa é a realidade atual da exposição do evangelho em diversos contextos. As pessoas vão até Jesus ou respondem aos “convites” como se estivessem fazendo um favor a Ele. “Venha, Jesus está esperando por você”, “Jesus é ciumento e sente sua falta, volte para Ele” – e aqueles que se sentem carentes e possuem uma visão equivocada de Jesus se achegam a Ele na esperança de ganhar um abraço e não o perdão dos pecados. O resultado são vidas enganadas por falsas proclamações do evangelho e conselhos falhos, que experimentarão a ira de Deus.
Ajude seu aconselhado a se aproximar de Jesus com a motivação correta
Jesus é muito mais do que uma pessoa legal que pode fazer alguém se sentir bem, dar um abraço ou resolver os problemas. Ele é o Deus-Homem, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, o Salvador que perdoa nossos pecados e nos dá toda a graça e misericórdia de que precisamos. Leve seu aconselhado a Jesus, mas verifique que ele se achegue a Jesus para ser perdoado, clamando por graça e misericórdia, pronto a se arrepender. Arrependimento não é uma emoção. Não espere ver choro e comoção ou uma manifestação sobrenatural, pois arrependimento é uma decisão. Arrepender-se é recomeçar com Deus, é reconhecer que nosso coração enganoso estava nos levando para a direção errada e que agora queremos a ajuda de Deus para ir na direção certa.
Se você tem orientado pessoas a firmar seu relacionamento com Deus em qualquer outra compreensão a não ser a necessidade que temos de arrependimento, e da graça que Ele dá para que possamos recomeçar, é possível que seu aconselhado passe a vida em busca de “sentir o abraço de Jesus” para depois descobrir que, na verdade, ele estava abraçando a si mesmo e não a Deus.
Viva o evangelho verdadeiro, pratique o arrependimento diário e atire-se nos braços de Jesus para receber dEle aquilo de que você mais precisa – seu perdão, graça e capacitação para viver e servir de maneira agradável a Ele. E não só viva, mas compartilhe com aqueles que você tem a oportunidade de exercer certa influência espiritual o evangelho verdadeiro que transforma e não somente supre as carências emocionais.
Pedro Vercelino é bacharel em teologia pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) com ênfase em Educação Cristã e bacharel em teologia pela UniCesumar. Possui especialização em Aconselhamento Bíblico pelo SBPV e certificado de treinamento pela Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos (ABCB). Atualmente, é pastor de juventude na Igreja Cristã Evangélica Betel, em São Paulo, professor na área bíblico-teológica do Curso de Liderança e Discipulado (CLD-OPV) e professor de grego no SBPV.