Quando a medicação psicoativa é útil na vida de um aconselhado

Charles Hodges

Em quais situações pode ser útil que os aconselhados façam uso de medicação psicoativa? Essa é uma questão interessante para mim, já que atuo como médico e como conselheiro bíblico. Estar envolvido tanto no mundo da medicina quanto no do aconselhamento permitiu-me ver até que ponto o aconselhamento, a medicina ou a combinação de ambos podem ser úteis.

Em geral, a maioria dos indivíduos que atendo como conselheiro já está fazendo uso de medicamentos quando me procuram. Eles costumam vir conversar comigo porque o seu médico sugeriu que eles procurassem aconselhamento ou porque não conseguiram resolver seus problemas apenas com o uso da medicação.

Cinquenta anos atrás, um indivíduo que enfrentasse lutas pessoais conversaria com os membros da família, seus amigos ou pastor. Em nossos dias, isso mudou. Agora, diante das lutas pessoais, muitos, se não a maioria, vai ao médico em primeiro lugar – isso faz com que dar uma resposta à nossa pergunta inicial se torne mais difícil. Como a maioria dos aconselhados já está fazendo uso de medicação quando me procura como conselheiro, a resposta sobre o que parece ajudar mais fica duvidosa.

Não costuma ser frequente o encaminhamento de um aconselhado para uma consulta médica tendo em vista a prescrição de tais medicamentos. No entanto, existem situações em que um indivíduo pode se beneficiar da medicação, quer nos procure para aconselhamento, quer não. Vamos identificar algumas.

As primeiras situações que vêm à mente são as reações agudas do luto; a viúva que não consegue dormir ou o pai que perdeu um filho. Existem muitas situações parecidas, que podem deixar um indivíduo incapaz de dormir, comer ou fazer qualquer coisa com propósito. Nessas situações, pode ser útil e simplesmente bondoso prescrever um medicamento que permita ao indivíduo pelo menos dormir. Conheço poucas situações que melhoram quando a privação de sono persiste. Muitas vezes, o uso em curto prazo, por poucas semanas, pode dar àquele que está sofrendo a oportunidade de se reerguer. Isso não mudará o processo de luto, mas evitará que a privação do sono piore as coisas.

O Transtorno Bipolar 1, antes chamado de depressão maníaca, é considerado pela maioria como uma transtorno mental que resulta em episódios de comportamento errático e destrutivo e, às vezes, psicótico.  Existem vários medicamentos que são conhecidos por reduzir os episódios, e até mesmo preveni-los em alguns casos. Esses medicamentos não são perfeitos e alguns deles têm efeitos colaterais significativos. Entretanto, para aqueles aconselhados e pacientes de que cuidei, a medicação, frequentemente, mostrou-se muito útil.

A esquizofrenia é um diagnóstico que é objeto simultaneamente de controvérsias e de avanços da medicina. Existem controvérsias quanto à condição ser diagnosticada excessivamente e tratada excessivamente com medicamentos que têm efeitos colaterais significativos. Ao mesmo tempo, grandes avanços estão sendo feitos em nossa compreensão das patologias que causam danos ao cérebro, resultando em alucinações e declínio mental. Embora os medicamentos que temos não sejam perfeitos, eles têm sido muito úteis para aqueles cujo diagnóstico de esquizofrenia é certo.

O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é um diagnóstico que leva várias pessoas aos consultórios para atendimento médico e aconselhamento. As recomendações atuais para o tratamento incluem aconselhamento e um dos medicamentos antidepressivos que atuam na serotonina. Entre aqueles que aconselhei, o aspecto mais importante de seu tratamento foi o aconselhamento. Alguns já estavam tomando medicação antes de iniciar o aconselhamento e descobriram que não passavam muito bem fazendo tentativas de interromper o uso. Quando voltavam a tomar a medicação, pareciam ter maior capacidade de controlar seus pensamentos.

Dr. Jeffrey Schwartz escreveu amplamente sobre o TOC e seu tratamento.[1]  Ele afirma que os portadores de TOC podem mudar sua maneira de pensar e a maneira de operar de seu cérebro se trabalharem nisso. Ele também diz que medicamentos como os antidepressivos ISRS, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, podem ser úteis na fase inicial e os compara a braçadeiras, e não a uma solução permanente.

Um último diagnóstico que pode se beneficiar de medicação é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Um aspecto particularmente difícil desse transtorno podem ser os pesadelos que perturbam o sono e deixam o paciente acordado no meio da noite, tomado de pânico e com o coração acelerado. A prazosina é o princípio ativo de um medicamento antigo para hipertensão arterial, que abranda a reação de lutar ou fugir que ocorre na maioria das pessoas tomadas pelo pavor e naquelas que têm pesadelos  relacionados ao TEPT. Pode ser muito útil.

Como escrevi no passado, lançar mão de medicamentos no tratamento de um diagnóstico psicológico/psiquiátrico é uma questão da liberdade cristã de que fala Romanos 14. As pessoas me perguntam frequentemente se é certo ou errado, de uma perspectiva bíblica, fazer uso de medicação. Eu lhes respondo que esses medicamentos não existiam quando a Bíblia foi escrita, e isso nos permite fazer nossa escolha de usá-los ou não, considerando algumas restrições.

Embora a medicação não seja mencionada nas Escrituras, a escolha de usá-la deve ser governada por tudo mais que a Bíblia diz. Isso é verdade para qualquer questão de liberdade cristã. E quando tomamos nossa decisão, devemos levar em conta como nossa escolha afetará as pessoas à nossa volta.

Como em todos os casos, devemos fazer um uso sábio dos medicamentos. Devemos pedir ao médico que nos conte os benefícios bem como os efeitos colaterais do medicamento e, se os efeitos colaterais superarem os benefícios, nenhum de nós irá querer usá-lo.

Perguntas para reflexão
Quando seu médico prescreve um medicamento, ele se oferece para explicar como esse medicamento atua? Ele explica os efeitos colaterais?
Quando seu médico prescreve um medicamento, você pergunta sobre os efeitos colaterais e benefícios? Se não, por que não?

Para ir mais a fundo no assunto

Recomendamos a leitura do livro de autoria do Dr. Charles Hodges Depressão e transtorno bipolar: ajuda e esperança para o enfrentamento eficaz. Eusébio, CE: Peregrino, 2015. 192 p.
Depressão e transtorno bipolar são dois dos diagnósticos mais comuns na medicina atual. Depressão e transtorno bipolar examina esses diagnósticos e esclarece como lidar biblicamente com eles.
Links: EditoraResenha


[1] Jeffrey Schwartz, Brain Lock (Harper, 2016) é um excelente livro secular que descreve o TOC e a forma como Schwartz trabalhou para ajudar pessoas diagnosticadas com TOC. Embora eu não concorde com todo o conteúdo do livro, ele contém informações úteis.

Charles D. Hodges é médico formado pela Indiana University School of Medicine e atua na cidade de Indianapolis.  Além da prática profissional, Dr. Hodges tem formação teológica e dedica-se ao aconselhamento bíblico e ao ensino, atuando com Faith Biblical Counseling Ministry, e em conferências no Brasil.  É membro da Association of Certified Biblical Counseling e do conselho da Biblical Counseling Coalition. Seus artigos estão disponíveis no site Good Mood Bad Mood, e mais recursos aqui.



Original: When Medication Is Helpful in the Life of a Counselee
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition. Traduzido com autorização.
Tradução: Isabelle Largatera
Revisão e adaptação: Conexão Conselho Bíblico