Lutando contra a espiral descendente do desânimo

Lee Lewis

Uma época difícil em nossa vida, como tem sido a do COVID 19,  revela muito do que há no coração das pessoas. Em quinze anos de ministério pastoral e de aconselhamento, eu nunca havia visto tanta ansiedade, medo e desânimo acontecerem ao mesmo tempo. A impossibilidade de viver ou de logo retomar nossas rotinas preferidas deixa o coração saudoso. No momento de crise, independentemente do nível de renda, crença religiosa, etnia, nacionalidade ou idade, a maioria das pessoas – em algum grau, e eu até diria em grau elevado – têm de lutar contra sentimentos fortes e pensamentos que resultam em vários graus de desânimo.

O seguidor de Cristo não está imune às lutas contra o desânimo. A maioria dos que aconselho são fiéis que professam a Cristo como seu Salvador, mas parecem ficar tão desanimados quanto aqueles que não conhecem a Cristo. Nossa cosmovisão como cristãos nos dá um quadro claro da razão e da origem do desânimo. Gênesis 3 marca o ponto em que o desânimo entrou na ordem criada. Entretanto, esse conhecimento por si só não é suficiente para melhorar a condição do nosso coração. Na verdade, se alguém considerar apenas a realidade desanimadora do pecado que entrou no mundo em Gênesis 3, e todas as suas implicações para nosso mundo hoje, não demorará muito para descer de um grau de desânimo para outro ainda mais profundo e, talvez, até mesmo desesperador.

Definindo o desânimo
O desânimo costuma começar com um desapontamento. Frequentemente, ele está associado a algum tipo de dificuldade ou problema. Pode ser a perda de algo importante e valorizado. No sentido humano mais básico, desânimo é o sentimento e a resposta à perda de algo que antes satisfazia o desejo de conforto, paz, segurança, esperança, realização, felicidade ou assim por diante.

O entendimento bíblico do desânimo tem mais a ver com o coração/alma. O desânimo é a resposta do nosso coração a uma adversidade, mas acompanhada pela sensação de perda e derrota. O ponto último do desânimo é o desespero, ou seja, a total perda de esperança. Esse desespero é a antítese da esperança do evangelho de Cristo. Satanás usa o desânimo para nos tentar de forma que nos deixemos consumir pelos problemas da vida. Em vez de nossa fé repousar em Deus, que é soberano sobre todas as coisas, nossa fé é lentamente sufocada.

Como lutar
No aconselhamento, lidar com o desânimo é uma daquelas dinâmicas que facilmente apresenta a oportunidade para identificar o cerne da questão. Digo isso por causa da frequência com que o desânimo é um subproduto de circunstâncias indesejadas ou de desafios persistentes, que não acabam rapidamente. Isso abre uma tremenda oportunidade para apresentar ao Senhor alguns problemas subjacentes do coração que, de outra forma, poderiam ser difíceis de ver. Jesus está muito comprometido com esse processo de mudança em nossa vida.

1- Lute contra as áreas de descrença quanto às promessas de Deus
Para combater o desânimo com eficácia, devemos aprender a identificar o que ele está dizendo à nossa alma. Devemos ir à verdadeira raiz de nosso desânimo e perguntar como estamos questionando Deus e/ou o a que a experiência do desânimo está dizendo sobre o que cremos a respeito do caráter de Deus. As dificuldades e provações têm a tendência de revelar quão estreita e autocentrada é nossa visão da vida. A perda de alguma fonte de segurança e paz, ou a incapacidade de reobter alguma forma de conforto que perdemos, deixa nosso coração exposto e pronto a fazer concessões. À medida que o desânimo se instala, nosso coração pecaminoso começa a priorizar nossos desejos e a elevá-los acima de Deus (Salmo 91).

Por meio da oração, arrependimento e retorno a Deus, encontramos descanso, refúgio, conforto e cuidado. Quando nosso coração incrédulo luta com a perda de algo que nos é caro, temos a oportunidade de conduzir nossa fé e lealdade de volta ao Senhor soberano, que está profundamente ciente de nossas necessidades. O desânimo procura sufocar a fé que exercemos quando colocamos toda a nossa esperança em Cristo. Orar de acordo com as promessas de Deus e levar nosso coração  à Verdade preenche as lacunas de descrença no  coração com a esperança maravilhosa e vivificante de Deus.

2- Combata o desânimo refletindo sobre a fidelidade de Deus
Esta etapa não deve ser confundida nem substituída por aquela já mencionada. Refletir sobre a fidelidade de Deus é lembrar, com espírito de adoração e gratidão, os momentos específicos em que Deus provou ser fiel em sua vida. As promessas de Deus são a verdade inabalável da Palavra de Deus. Elas são verdadeiras quer a pessoa acredite nelas, quer não. Refletir sobre a fidelidade de Deus em face do desânimo é lembrar as experiências específicas quando Deus se manifestou para libertar, confortar, cuidar, dar a Sua paz, proteger ou prover.

Vemos isso expresso por Davi no Salmo 18. Ele se lembrou da fidelidade e da libertação de Deus (2Sm. 22). Davi escreveu o Salmo 18 a partir de uma experiência pessoal de ter sido resgatado por Deus por ocasião de uma destruição que parecia certa. Davi também se lembrou da confiabilidade do caráter de Deus que ficara evidente no Êxodo, quando Ele libertou os israelitas do Egito. Davi inspirou-se no caráter de Deus  comprovado pela Sua Palavra, Seus caminhos e também pela própria experiência pessoal com Deus.

3- Combata o desânimo pregando o Evangelho a você mesmo
É de importância primordial entender o que significa a frase “pregar o evangelho a você mesmo”. Ouvi Paul Tripp dizer que ninguém conversa mais com você do que você mesmo. Com base em minha experiência pessoal em seguir o Senhor, e no que aprendi aconselhando pessoas ao longo dos anos, creio que essa afirmação é verdadeira.

Há uma narrativa que passa por nossa mente e coração. Que mensagem ela está transmitindo? Como essa mensagem me equipa para enfrentar o desânimo? A mensagem está de acordo com como Deus vê e aborda o assunto? Essas são perguntas cruciais a serem feitas. Se as respostas a essas perguntas não estiverem de acordo com como Deus vê a situação e com o que Ele diz a respeito dela, nossa narrativa é inválida.

O evangelho de Jesus Cristo diz que somos libertos da penalidade do pecado e da morte por Ele ter tomado sobre Si a ira que pesava sobre nós, ter derramado Seu sangue e ressuscitado da sepultura. Isso nos reconcilia com o Pai e,  em Cristo Jesus,  Deus nos recebe como filhos e filhas. Essa é a mensagem do evangelho que Deus dirige a nós por meio de Cristo. Em nosso pecado, precisávamos de que outra pessoa declarasse a nosso respeito uma identidade que não poderíamos declarar por nós mesmos. Deus declara a nosso respeito uma nova identidade: somos puros, irrepreensíveis, amados, escolhidos, e muito mais. Por meio de Cristo, Deus diz a nosso respeito aquilo que por nós mesmo nunca poderíamos dizer.

Pregar o evangelho para nós mesmos é concordar com o que Deus já disse a nosso respeito por meio de Jesus. Pregar o evangelho para nós mesmos reacende nossa fé, nossa gratidão e afeição para com nosso Pai amoroso, soberano e cuidadoso.

No Salmo 42, Davi é um excelente modelo de como devemos pregar a verdade ao nosso coração. Ele diz: “Por que você está abatida, ó minha alma? Por que se perturba dentro de mim? Espere em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”. Várias vezes no salmo, Davi afirmou a fidelidade do Senhor. Ele foi capaz de apropriar-se das verdades que conhecia sobre Deus e usá-las para confrontar diretamente suas lutas, seus medos e o desânimo. O coração de Davi foi transformado quando, em meio às dificuldades da vida, as verdades da salvação e do cuidado de Deus o envolveram.

Perguntas para refletir
-1- Existe um padrão habitual de pensamento que você identifica nos momentos de desânimo em sua vida? Sobre o que o seu coração questiona Deus ou por que fica insatisfeito com Ele?

-2- Quais promessas de Deus contidas em Sua Palavra são mais úteis para você na luta contra o desânimo? Se você identificou algum padrão de pensamento na pergunta anterior, procure verdades específicas na Bíblia, verdades que falam diretamente a essas áreas.

-3- Qual é a narrativa em que seu coração escolherá acreditar ou a que ele se agarrará ao lutar contra o desânimo? Como o evangelho corrige ou muda essa narrativa?


Lee Lewis faz parte da equipe pastoral de Radiant Church, em Austin, Texas, e também atua como consultor em  Soul Care Consulting . É membro da Association of Biblical Counselors.


Original: Fighting the Downward Descent of Discouragement
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition