Sam Stephens
Como conselheiros bíblicos, acreditamos que a Bíblia é inerrante e suficiente. Na verdade, as doutrinas da inerrância e suficiência da Bíblia devem ser vistas como dois lados da mesma moeda. Quando falamos sobre essas doutrinas, reconhecemos e afirmamos ao mesmo tempo várias verdades sobre a Bíblia. Afirmamos que sua fonte é o próprio Deus. A Bíblia é inspirada por Deus, literalmente “soprada” por Ele (2Tm 3.6). O cristianismo está firmado na revelação, e a Bíblia é o veículo pelo qual Deus nos revela a Si mesmo, revela nosso pecado e as boas novas do Salvador Jesus Cristo (2Pe 1.19-21). Por sua vez, também afirmamos que a Bíblia mostra não só o caminho que nos conduz à salvação, mas seu propósito é nos conduzir na santificação, maturidade espiritual e preparo para fazer a boa obra de Deus (2Tm 3.15, 17; Ef 2.10).
É nossa incumbência, como bons administradores das verdades bíblicas, não apenas afirmar essas doutrinas, mas também usá-las na prática. Uma maneira óbvia para fazermos isso é mediante o aconselhamento. A Bíblia nos dá os meios para aconselhar e nos mostra como fazer. Embora isso seja verdade, há muitos que ainda estão inseguros sobre como usar as Escrituras no aconselhamento.
De certa forma, usar a Bíblia no aconselhamento pode ser algo simples e direto. Por exemplo, quando temos uma ordem clara, transmitida a nós pelo apóstolo Paulo em uma de suas epístolas, a aplicação parece fácil de entender. No entanto, a Bíblia é um livro composto por vários gêneros e subgêneros literários, incluindo cânticos, poemas, profecias, epístolas, códigos de leis e muito mais. Um estilo literário que encontramos com grande frequência na Bíblia é a narrativa histórica.
O que nós conselheiros devemos fazer com os diversos perfis de personagens bíblicos e a variedade de cenas que constituem grande parte da maior história verdadeira já registrada? Como devemos usar no aconselhamento as narrativas históricas tendo em vista uma aplicação à vida atual?
Embora existam diversos modos de aconselhar usando narrativas bíblicas, e vários benefícios em fazê-lo, irei me concentrar em apenas dois. A narrativa bíblica nos proporciona um retrato detalhado de pessoas reais, na vida real, e também nos proporciona um retrato do caráter de Deus à medida que Ele se relaciona com Sua criação.
Um retrato de pessoas reais, na vida real.
Um dos principais componentes da narrativa bíblica é o retrato de indivíduos que interagem com Deus e uns com os outros, e escolhem como responder às várias circunstâncias da vida. Veja, por exemplo, a vida de Abraão. O antepassado dos israelitas é mais conhecido por ouvir e atender à voz de Deus. Em muitas situações, Abraão temeu a Deus e confiou nEle, mas houve outras ocasiões em que ele respondeu com incredulidade e dúvida. Apesar do amplo espectro de motivações e emoções humanas, Abraão finalmente colocou sua fé em Deus, “e isso lhe foi atribuído para justiça” (Gn 15.6; Hb 11.8-10). O apóstolo Paulo se referia à vida de Abraão quando afirmou: “as palavras ‘lhe foi atribuído’ foram escritas não somente por causa dele, mas também por nossa causa, visto que a nós igualmente nos será atribuído, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor” (Rm 4.23, 24).
Você percebeu a importância dessa passagem bíblica? Seria um erro passar rapidamente por essa frase que Paulo destacou sem considerar sua importância para o aconselhamento. Ao ler a narrativa bíblica, nossos aconselhados encontram muito mais do que detalhes interessantes, fatos históricos ou reviravoltas intrigantes de trama, embora tudo isso esteja presente em grande quantidade. Por meio das narrativas bíblicas, eles podem ter um retrato bem preciso do que é a vida real. Enquanto percorrem a estrada da vida que lhes está proposta hoje, nossos aconselhados podem aprender com os viajantes experientes do passado.
Quer retrate um rebelde no deserto, que buscou derrubar uma autoridade (Nm 16), quer retrate um auxiliar que estendeu a mão com boas intenções (2Sm 6), ou ainda uma mulher estéril que orou a Deus em sua dor (1Sm 1), um eunuco etíope em busca a verdade (At 8), uma vendedora de púrpura que confessou a Jesus como Senhor (At 16) ou um discípulo equivocado que repreendeu o Filho de Deus (Mt 16), a narrativa bíblica expõe com clareza as lutas, os fardos, os desejos e os momentos de indagação que as pessoas enfrentam na vida real. Mais uma vez, Paulo deixa isso claro ao relatar os pecados do povo de Israel para o bem dos crentes de coríntios, a quem ele escreveu: “Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram. […] Estas coisas aconteceram com eles para servir de exemplo e foram escritas como advertência a nós, para quem o fim dos tempos tem chegado. Por isso, aquele que pensa estar em pé veja que não caia” (1Co 10.6, 11, 12).
Por meio dos exemplos de vida registrados nas Escrituras, queremos mostrar aos nossos aconselhados que a experiência humana não deve ser entendida pelo mundo de fantasia criado pela mente humana. A vida real, entendida pelo ponto de vista de Deus, está revelada em Sua Palavra. Usamos as narrativas bíblicas para delas extrair princípios e ensinos para influenciar a vida de nossos aconselhados.
Um retrato da fidelidade de Deus
O que admiro na Bíblia é que ela não retrata santos em vitrais. Assim como Abraão, outros personagens bíblicos que num primeiro momento parecem estar num patamar superior a nós – e aqui incluímos Noé, Sara, Moisés, Rebeca, Davi, Pedro e incontáveis outros – eram falhos. O que é notável é que todos foram alcançados e amados por um Deus santo e perfeito. O que encoraja meu coração, e pode encorajar o coração dos nossos aconselhados, é que nossa busca por Deus não depende de nossa perfeição.
Quando vamos à Bíblia, vemos Deus trabalhar soberanamente em meio às lutas, murmurações, mágoas, medos e ansiedades, perplexidades, orgulho, artimanhas, cobiças e falta de entendimento de pessoas como nós, e agir em graça e misericórdia para produzir, mediante arrependimento e obediência, os frutos de “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”(Gl 5.22, 23).
Os Salmos são algumas das passagens das Escrituras que mais me atraem e que mais amo. Eles oferecem verdades vivas que nos levam a louvar e adorar a Deus. No Salmo 34.19-22, Davi nos dá uma dessas passagens:
Muitas são as aflições do justo,
…..mas o SENHOR de todas o livra.
Preserva-lhe todos os ossos,
…..nem um deles sequer será quebrado.
A desgraça matará o ímpio,
…..e os que odeiam o justo serão condenados.
O SENHOR resgata a alma dos seus servos,
…..e dos que nele confiam nenhum será condenado.
Embora poéticos no estilo e na forma literária, esses cânticos e orações de Israel nasceram da narrativa. Aqui vemos expressas na linguagem musical da alma as experiências da vida real de Davi ao caminhar em sintonia com o Senhor, e às vezes em descompasso com Ele. Davi sabia o que era ser perseguido. Ele sabia o que era passar pela perda de amigos próximos e familiares. Até mesmo sua esposa Mical foi-lhe tirada indevidamente. No entanto, apesar dos montes de cinza, do luto, das dificuldade e do desespero, a história da vida de Davi mostra uma coroa de glória (Is 61.1-3) que reflete a beleza da redenção de Deus e de Seu zelo por aqueles que são Seus. A narrativa bíblica leva-nos a louvar a Deus.
As narrativas bíblicas dão aos nossos aconselhados não apenas um retrato real de experiências de vida, mas também o retrato mais convincente e glorioso de Deus, nosso Criador e Redentor. Ao lembrar e relembrar a história de incontáveis homens e mulheres do passado, nós, como conselheiros bíblicos, podemos equipar nossos aconselhados para serem bem-sucedidos ao caminhar pela vida com fé em seu Deus para o dia de hoje e esperança bíblica quanto àquilo que o amanhã trará.
Samuel Stephens serviu no ministério em igrejas locais e várias organizações cristãs. Depois completar o doutorado em Aconselhamento Bíblico do Southwestern Baptist Theological Seminary, tornou-se um membro certificado da Association of Certified Biblical Counselors (ACBC) e está atualmente envolvido no ministério de aconselhamento e em projetos editoriais.
Original: Counseling Using Biblical Narrative
Artigo publicado pela Association of Certified Biblical Counselors. Traduzido com autorização.