Bekka French
Como você reage quando um aconselhado diz que suas necessidades não estão sendo atendidas? Casamentos, empregos, amizades, ministérios – os encontros de aconselhamento estão repletos de situações que envolvem insatisfação nos relacionamentos. Como conselheiros, enquanto “escavamos no lixão” de relacionamentos infelizes, precisamos perguntar: “Deus realmente projetou um sistema em que toda a nossa satisfação relacional repousa sobre os esforços de outro pecador?” Muitos diriam não. Entretanto, funcionalmente, gritamos como crianças zangadas, clamando que as necessidades sejam atendidas. O marido, ao deixar a esposa que não está atendendo às suas necessidades sexuais, diz: “Se você não puder suprir minhas necessidades, vou procurar satisfação em outro lugar”. A missionária que sai do campo porque sua equipe não está atendendo às suas necessidades emocionais, ou a esposa que repreende o marido porque quer mais amor, dizem o mesmo. Que resposta podemos dar a esses sofredores pecadores para ajudá-los a viver a vida cristã? O que a Bíblia diz sobre as necessidades?[1]
De onde vêm nosso entendimento das necessidades?
Em vez de buscar apoio na antropologia bíblica para responder a essa pergunta, os crentes adotam muitas vezes teorias de fontes seculares como, por exemplo, a teoria da motivação humana de Abraham Maslow. Maslow afirma que toda motivação humana depende de nossas necessidades básicas serem satisfeitas: necessidades fisiológicas, a necessidade de segurança, a necessidade de amor/relacionamento, a necessidade de estima e, finalmente, a necessidade de “autorrealização”, que permite que você prospere.[2] Os crentes abraçaram de coração a ideia de Maslow de que nossas motivações centrais estão ligadas ao desejo de que as necessidades básicas sejam atendidas, mas será que estamos dispostos a trazer em cena a nossa antropologia bíblica para verificar tal ideia? Nesse caso, veremos que a teoria de Maslow deixa pouco ou nenhum espaço para ajudar aqueles que estão sofrendo, uma vez que seu sofrimento só pode ser explicado como uma doença psicológica devido a uma superabundância de necessidades não satisfeitas. Onde está, então, a esperança para os sofredores que se sentem perdidos e atolados em sua dor?
Fomos criados com necessidade de Deus
A questão das “necessidades” deve nos levar de volta ao Jardim do Éden, ao início da humanidade. Se tivéssemos tido um assento na primeira fileira para assistir à criação, teríamos visto Deus moldando os seres humanos para existirem em relacionamento com Ele (Gn 1.27). Fomos feitos por Deus para Deus estar em comunhão com Deus. A linguagem do “tanque de amor”, na verdade, encontra sua origem na cisterna de um coração humano feito para ser preenchido com Deus. A imagética que a psicologia tomou emprestada vem de uma rica herança em textos bíblicos nos quais vemos inúmeras metáforas de cisternas sendo preenchidas, videiras frutíferas, sede saciada e fome aplacada por banquetes fartos. A melodia da Escritura é um canção à natureza do Deus que nos satisfaz imensamente, que se derrama sobre nós por meio de Seu Espírito, conforme expresso por meio de Sua Palavra, Sua criação e Sua igreja. A psicologia aponta corretamente para uma necessidade extrema – todos os seres humanos foram feitos para algum propósito. Entretanto, onde a psicologia só pode identificar tanques vazios e imaginar como eles poderiam ser preenchidos, a Bíblia declara da criação à queda e até a redenção: fomos feitos para nos saciar e sermos preenchidos com a fonte da bondade, o próprio Deus.
Como Deus nos fez? Necessitados, sim, mas para sermos satisfeitos por Ele. Blaise Pascal descreveu nossos anseios por satisfação da seguinte maneira: “Este vazio infinito só pode ser preenchido por um objeto infinito e imutável, ou seja, pelo próprio Deus”.[3]
Deus projetou cada parte do universo para se relacionar com Ele, para expressar que Ele satisfaz e sacia verdadeiramente a sede. Mas se Deus é nossa origem e fim, onde se encaixa a comunhão de uns com os outros? Precisamos de outras pessoas, ou não?
Eu preciso de você! Mas não como você pensa.
Se nosso propósito é satisfeito em Deus e por Deus, por que ter comunhão uns com os outros? Simplificando, fomos criados para desfrutar de diferente maneiras do próprio Deus, a fonte suprema de deleite. Temos relacionamento com Deus por meio da Sua Palavra, por meio do Seu Espírito que habita em nós, e também por meio do relacionamento com outros crentes, o corpo de Cristo. Deus habita em comunhão e nós também. Ele mantém comunhão com os outros membros da Trindade, em perfeita unidade. Quanto a nós, desde o início, Deus disse que não era bom para Adão estar só (Gn 2.18). Por quê? Porque os seres humanos foram projetados para desfrutar de Deus por meio da comunhão uns com os outros.
O plano de Deus para nós é amá-lo e amar o nosso próximo. Você precisa do seu próximo para obedecer à ordem de Deus, e precisa obedecer para que você possa ter plena satisfação em Deus.[4] A comunhão cristã não é um fim em si mesma, mas um meio para desfrutarmos de Deus. Como John Piper escreveu, citando 1Coríntios 12.18-21, “Em outras palavras, Deus nos proíbe de dizer: ‘Eu tenho Deus. Eu não preciso dos membros do corpo de Cristo’”.[5] Deus nos diz que como portadores da Sua imagem, é necessário estarmos juntos, desfrutando a presença uns dos outros, servindo nossos semelhantes e, portanto, em última análise, desfrutando e servindo Aquele cuja imagem representamos. Então, sim, há um sentido real no qual eu necessito que você cumpra o plano de Deus para os seres humanos, que é viver juntos em comunhão. Não é, porém, uma necessidade egoísta que transforma os outros seres humanos em um meio de me satisfazer.
A vida em comunidade vai desapontar
Deus nos fez necessitados de comunhão com outros, mas o que acontece quando eles falham? Embora salvos em Cristo, em decorrência da queda, temos outras duas qualificações significativas que se juntam à de santos: pecadores e sofredores. Maridos e mulheres ainda se separam ou se abandonam ao silêncio do isolamento. Amigos ficam aquém do esperado. Pais abandonam ou ferem profundamente seus filhos. Como podemos fazer com que nossos aconselhados desistam de se embater implacavelmente ao longo da vida para encher cisternas rotas às margens de um riacho seco?
Considere a abordagem de Jesus em João 4. A mulher junto ao poço veio com “necessidades não atendidas”: uma série de amantes, profunda mágoa e abandono, rejeição de sua comunidade e a mancha do estigma em sua alma. A psicologia diria que ela não pode experimentar realização sem que essas necessidades fossem atendidas na comunidade. O que Jesus fez? Ele atendeu a sua necessidade mais profunda, oferecendo-lhe água viva: um tipo de água que sacia a sede, que satisfaz a alma. Em seguida, ela voltou para sua comunidade. Ela não tinha como saber se algo mudaria, mas tudo já havia mudado. Ela estava saciada, pronta para amar, de olhos erguidos e mãos abertas.
Quando o mundo nos abandona, Deus não nos deixa secar (Sl 27.10).[6] Por causa do amor de Cristo, você pode continuar a investir em uma amizade difícil. Por causa do amor de Cristo, você pode continuar a oferecer o amor do evangelho ao seu cônjuge passivo. Por causa do amor de Cristo, você pode continuar a caminhar com sua equipe ministerial, sem se afastar.
Perguntas para refletir
1- Deus nos deu Sua Palavra, Seu Espírito e Sua Igreja como meios de satisfazer nossa alma. Como você está se apropriando desses meios?
2- Quais são algumas maneiras práticas de ajudar um aconselhado a encontrar prazer em Deus?
[1] Devo imensamente a Edward Welch por seu artigo Needs, Longings, and the Image of God in Man, publicado no Journal of Biblical Counseling, v. 13, n.1, 1994, p. 25-38. Muitas das ideias vêm de seu texto.
[2] MASLOW, Abraham. A Theory of Human Motivation. Ontario: York Univeristy, 2000, consultado em https://psychclassics.yorku.ca/Maslow/motivation.htm.
[3] PASCAL, Blaise. Pensees. New York: Penguin, 1966. p. 75.
[4] PIPER, John. Why was Adam lonely if God was enough? disponível em https://www.desiringgod.org/interviews/why-was-adam-lonely-if-god-is-enough
[5] Ibid.
[6] Ibid.
Bekka French é conselheira certificada pela Association of Certified Biblical Counselors (ACBC) e mestre em aconselhamento bíblico por The Master’s University. Ela trabalha como mentora no programa de aconselhamento bíblico do The Southern Baptist Theological Seminary (SBTS).
Original: What If My Needs Aren’t Being Met?
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition
Tradução: Carla Silva
Revisão e adaptação: Conexão Conselho Bíblico
Usado com permissão.