A arte de pedir perdão

Lucy Ann Moll

João e Júlia estão vendo seu sonho de vida se realizar: empregos estáveis, uma casa confortável, duas filhas saudáveis ​​e um casamento que já dura onze anos. Mas há um problema. Debaixo desse verniz de sucesso, João fica irado quando não consegue o que quer, faz com que sua família saiba disso e o faz em voz alta. Júlia também fica zangada – um tipo de ira silenciosa e fervilhante que é tão desagradável quanto a de seu marido.[1]  No calor da ira, ambos disseram e fizeram coisas que pareciam até fazer sentido naquele momento. No entanto, a crescente dificuldade no relacionamento levou o casal a marcar um encontro com um conselheiro bíblico que lhes mostrou, pelas Escrituras, a verdadeira causa do conflito: o coração irado (cf. Mt 5.21, 22; Mc 7.20-23; Lc 6.43-45; Tg 4.1, 2; 1Jo 3.15).

Isso foi novo para João e Júlia, ambos cristãos. Ele havia imaginado que sua educação era a culpada por seu problema de ira e que as oscilações hormonais mensais de sua esposa eram a causa de tanta irritação. Conforme cada um começou a assumir a responsabilidade por seu próprio pecado, João e Júlia precisaram substituir o velho hábito de varrer a ira para baixo do tapete, o que só havia criado mais problemas (Tg 1.19, 20).

Algo essencial para a cura no relacionamento é que o ofensor confesse seu erro à parte ofendida. Muitas vezes, chamamos isso de “pedir desculpas”. Cobriremos aqui um aspecto do perdão, mais especificamente, sete partes de um “pedido de perdão” conforme descrito por Ken Sande, autor de O Pacificador.[2]

Pedir perdão é uma arte que exige humildade. Normalmente, porém, murmuramos um rápido “Sinto muito” ou dizemos “Vamos esquecer isso, ok?”. Esses supostos pedidos de desculpas raramente trazem o verdadeiro perdão e podem aprofundar o ressentimento.

Então, qual é a melhor maneira para pedir perdão? Considere os “Sete As da Confissão”. [3]

1- Assegure-se de falar com todos os envolvidos
Em primeiro lugar, confesse seu pecado a Deus (cf. Sl 32.5; 41.4). Em seguida, confesse a todas as pessoas que foram atingidas por ele. Ken Sande diferencia entre um “pecado no coração” e um “pecado social”. “Um pecado no coração tem lugar somente em nossos pensamentos e não afeta diretamente os outros. Portanto, é necessário confessá-lo somente a Deus”. [4] Frequentemente, porém, um pecado não acontece apenas no coração, mas é um pecado social, pois fica evidente pelo nosso comportamento. Quando Júlia ficava com raiva de João, raramente ela falava com ele sobre como se sentia, mas ela expressava sua irritação atirando palavras contra ele e seus filhos. Nos encontros de aconselhamento, ela aprendeu que precisava confessar o pecado da reclamação a cada um deles, e pedir perdão.

2- Acostume-se a evitar os termos se, mas e talvez
Usar essas palavras nega a confissão do nosso pecado, pois transfere a culpa para os outros ou minimiza a culpa. Um exemplo comum: “Sinto muito se fiz algo que o aborreceu.” Não é incrível que a minúscula palavra “se” consiga estragar essa frequente “confissão”? Ela implica que a pessoa não sabe com certeza se cometeu algum erro.  Aqui temos outros exemplos de supostas confissões: [5]
“Eu não deveria ter perdido o controle, mas estava cansado.”
“Eu sei que estava errado, mas você também estava!”

3- Admita especificamente
Quanto mais detalhado for o pedido de perdão, melhor será. Em vez de dizer “Agi como um idiota ontem”, você pode dizer “Descontei minhas frustrações em você. Fiquei muito cansada cuidando das crianças, mas isso não me dá uma desculpa para criticá-lo e aborrecê-lo”.

O quanto possível, identifique como você violou a vontade de Deus. Quando você detalha seu erro e se concentra naquilo que precisa mudar, é mais provável que a outra pessoa responda positivamente ao seu pedido de perdão.

4- Admita que magoou a outra pessoa
O reconhecimento pode ser: “Posso imaginar que você ficou com medo quando atrasei na volta para casa à noite” ou “Posso imaginar que quando você encontrou um site pornográfico em meu histórico de pesquisas, você se sentiu profundamente magoada e irada”. Para que um pedido de perdão seja eficaz e significativo, você deve expressar sua tristeza genuína: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte”. (2Co 7.10). As pessoas percebem quando uma confissão é falsa, e isso simplesmente torna as coisas piores (cf. Pv 6.16-19).

5- Aceite as consequências
Winston Smith relata uma história de perdão concedido a alguém que bateu no carro de sua esposa e deixou um bilhete no para-brisa, admitindo o erro e se oferecendo para pagar pelos reparos. “Depois de alguns telefonemas e uma ida à oficina, o carro foi consertado e um cheque do infrator chegou pelo correio. Tudo foi perdoado”.[6] Essa pessoa reconheceu seu erro e aceitou as consequências.

Na Bíblia também temos exemplos de reparação. Um dos principais exemplos é o de Zaqueu, o chefe dos cobradores de impostos, que escalou uma árvore de sicômoro para conseguir ver Jesus. O que evidenciou uma confissão verdadeira foi sua ânsia de restituir o devido às pessoas que havia enganado. Quando ele encontrou Jesus, ele declarou que daria metade de seus bens aos pobres, e “se roubei alguma coisa de alguém, vou restituir quatro vezes mais” (Lc 19.8). Quanto maior a sua disposição para reparar o dano que você possa ter causado, mais evidente ficará que a sua confissão é confiável.

6- Altere o seu comportamento
Nos encontros de aconselhamento, João e Júlia compreenderam que sua ira vinha de um coração egoísta. João queria paz e sossego; Júlia desejava conforto. João aprendeu a se arrepender dos desejos desmedidos que produziam sua ira e a receber a graça perdoadora de Deus. Da mesma forma, Júlia percebeu que era amarga para com o marido e se voltou para Jesus em arrependimento e fé.

À medida que cada um deles confessou seus pecados a Deus e agradeceu a Ele por Seu perdão, eles começaram a mudar o comportamento. A primeira mudança que fizeram foi passar a falar a verdade em amor um com o outro (cf. Ef 4.15). A segunda mudança foi não manter um registro dos erros um do outro (cf. 1Co 13.5). A terceira foi ouvir com atenção (cf. Tg 1.19).

Ken Sande recomenda que se faça um plano escrito, detalhando as mudanças planejadas porque isso “mostra que você está levando a sério o assunto e está disposto a dedicar um tempo substancial planejando como mudar”.[7]  Ele também sugere listar metas e compromissos específicos para que você tenha uma forma objetiva de medir o progresso em direção ao alvo de confirmar a sinceridade de seu pedido de perdão.

7- Aprenda a pedir perdão (e conceder tempo)
Muitas vezes, ao concluir as seis etapas anteriores, quando você pergunta à outra pessoa “Você pode me perdoar?”, o perdão é concedido prontamente. A própria pergunta indica que você completou o pedido de perdão e que é a vez da outra pessoa responder. Embora a Bíblia ordene aos crentes que perdoem (Cl 3.13), às vezes é difícil conceder perdão. Pode levar algum tempo, especialmente se a dor for profunda.

Sande faz esta sugestão:

Se você sentir que a pessoa a quem confessou simplesmente não está pronta para perdoá-lo, pode ser útil dizer algo como: “Sei que o magoei profundamente, e consigo entender por que você tem dificuldade em me perdoar. Espero que logo você seja capaz de me perdoar, porque eu quero muito me reconciliar com você. Enquanto isso, vou orar por você. Vou fazer o melhor que puder para reparar os danos que causei, o mais rápido possível […] Se houver mais alguma coisa que eu possa fazer, por favor, me avise.”[8]

Se o perdão ainda demorar para acontecer, mesmo depois de você ter feito esse apelo, talvez seja necessário voltar às seis etapas anteriores para ter certeza de que o seu pedido de perdão foi adequado. Também é possível que a outra pessoa não entenda o conceito bíblico de perdão.[9] Nesse caso, talvez você precise dar as explicações necessárias, com humildade. Outra opção é pedir ajuda a um pastor ou amigo cristão de confiança.

Evidentemente, nem todo pedido de perdão requer passar pela totalidade dessas etapas. Entretanto, se a ofensa atingiu profundamente a outra pessoa ou se estiver diante de um conjunto de várias ofensas menos graves, pode ser sábio usar esse modelo. Não permita, porém, que esses passos se tornem um mero ritual. Ken Sande confessa: “Eu me vi passando pelos ‘Sete As’ simplesmente para tirar um peso de cima dos meus ombros e minimizar as consequências do meu pecado. No processo, sobrecarreguei ainda mais a pessoa que já tinha prejudicado”. [10]

Na verdade, pedir perdão é uma arte. À medida que Deus abre seus olhos para como você ofendeu outras pessoas, Ele também lhe dá o desejo e a graça de pedir perdão a Ele e a quem você ofendeu. Embora muitos de nós saibamos o que é o perdão, é sempre bom entender as partes de um pedido de perdão eficaz. Essas sete partes podem ajudá-lo a evitar um pedido de perdão vazio e conduzir a uma expressão de arrependimento que resulta em perdão genuíno e reconciliação.

[1] Robert D. Jones. Ira: arrancando o mal pela raiz. (São Paulo: Nutra, 2010), p. 17. Robert Jones usa o caso de João e Júlia para ajudar o leitor a entender a verdade bíblica sobre a ira. Este livro é um dos melhores sobre o assunto.
[2] Ken Sande. O pacificador: como solucionar conflitos. (Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
[3] Ibid, p. 137-144.
[4] Ibid, p. 137.
[5] Ibid, p. 138.
[6] J. Alasdair Groves and Winston T. Smith, Untangling Emotions (Wheaton, IL: Crossway, 2019), 204 (tradução nossa).
[7] Ken Sande, p. 142.
[8] Ibid, p. 143.
[9] NdT. Este post não tem por propósito expor a totalidade dos princípios bíblicos relativos ao perdão. Em português, bons livros sobre o assunto são:
MacARTHUR, John Jr. A liberdade e o poder do perdão. Goiânia, GO: Primícias, 2014.
NEWCOMER, Jim. Não consigo perdoar. Eusébio, CE: Peregrino, 2019
SANDE, Ken. O pacificador. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
WOLGEMUTH, Nancy DeMoss. Escolhendo o perdão: sua jornada para a liberdade. São Paulo: Vida Nova, 2019
[10] Ibid, p. 144.

Perguntas para refletir
1- Quais dessas sete partes de um pedido de perdão são novas ou difíceis para você?

2- Você costuma pressionar a pessoa ofendida para que ela lhe conceda perdão imediatamente? Por que essa é uma maneira errada de lidar com um pedido de perdão?



Lucy Ann Moll é uma conselheira certificada pela  Association of Certified Biblical Counselors (ACBC) e serve na equipe do Biblical Counseling Center desde 2008. Ela obteve seu doutorado em aconselhamento bíblico em 2020 e escreve em LucyAnnMoll.com.



Original: The Art of an Apology
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition
Tradução: Carla Silva
Revisão e adaptação: Conexão Conselho Bíblico
Usado com permissão.