Julie Ganschow
Rebeca, uma adolescente de 15 anos de idade, usava boné, uma blusa de mangas compridas e jeans quando chegou para nosso primeiro encontro de aconselhamento. Não é um traje incomum para uma adolescente, exceto o fato de que era uma tarde quente de verão e a temperatura lá fora beirava os 40 graus.
À medida que comecei a conhecer Rebeca, descobri que ela foi encaminhada para mim devido a um comportamento autolesivo. Ela já não tinha mais as sobrancelhas e seu boné escondia grandes áreas de falha no couro cabeludo das quais ela havia arrancado o cabelo. Mais adiante, vi dezenas de cicatrizes em seus braços e por toda parte em suas pernas, pois ela havia se cortado várias vezes e arrancado as crostas. Ela também tinha várias marcas de queimadura, feitas com cigarros e isqueiros. Cortar e queimar são as formas mais comuns de automutilação que vemos entre os adolescentes em nosso centro de aconselhamento.
Por que os jovens praticam a automutilação?
A adolescência, época na qual costumam ter início os comportamentos autolesivos, pode ser um tempo de crise. Em nossa cultura, isso acontece especialmente quando os adolescentes se deparam com situações, decisões e escolhas que não estão suficientemente maduros para enfrentar.
Nossos adolescentes sofrem pressões significativas. O preparo para competir por uma vaga na faculdade começa agora no primeiro ano do ensino médio. Na escola, eles recebem mensagens confusas sobre relacionamentos e orientação sexual. Os comportamentos sexuais são ensinados em detalhes gráficos e promovidos na mídia, e eles são pressionados a serem sexualmente ativos muito antes de estarem emocionalmente e fisicamente prontos. Eles se veem expostos a muitas situações com as quais não estão prontos para lidar. Alguns enfrentam a dor de um lar desfeito, passando fins de semana alternados com cada um dos pais, além da pressão que sofrem por se acharem no meio dos ataques mútuos e do divórcio dos pais.
Esses são apenas os estresses “normais” e não incluem os casos extremos como abuso sexual por um familiar ou padrasto, uso de drogas ou álcool em casa pelos pais, irmãos fora de controle que aumentam a tensão em casa, uniões homossexuais, relacionamento sexual precoce ou aborto.
Muitos adolescentes passam a acreditar que há pouco com que possam contar e nada que seja estável. Com quem eles podem falar além de algum colega? Em quem eles podem realmente confiar? Todos esses fatores alimentam o mundo da automutilação, e esse se torna seu método para lidar com a dor e a solidão indescritíveis.
Como outros que praticam a automutilação, Rebeca contou que se sentia vazia por dentro, estressada e incapaz de expressar seus sentimentos. Ela se esforçou para me dizer que se sentia sozinha, não era compreendida pelos outros e temia os relacionamentos íntimos e as responsabilidades que a esperavam na vida adulta. A automutilação era sua maneira de enfrentar ou aliviar os sentimentos dolorosos ou difíceis de expressar.
O que posso fazer para ajudar?
Não existe uma solução rápida e nenhuma fórmula mágica para ajudar um adolescente que se automutila. Encorajo os pais a seguir os princípios bíblicos em vez de seguir o caminho da psicoterapia e do aconselhamento secular, pois o raciocínio secular é contrário à metodologia bíblica. A automutilação não é causada por uma doença que possa ser diagnosticada clinicamente; ela é um mecanismo de enfrentamento falho que se tornou um hábito pecaminoso.
Sempre que possível, envolvemos os pais no processo de aconselhamento. Ensinamos os pais a discipular seus filhos durante esse período turbulento da vida. Deus confiou ao pai e à mãe a tarefa de cuidar de seu filho, e o papel do conselheiro bíblico é apoiá-los no ensino, repreensão, correção e educação de seus filhos na justiça (2Tm 3.16).
A perspectiva bíblica é que a automutilação é em sua essência um problema do coração (Mt 15.11; Mt 15.17-20; Lc 6.43-45). Como outras pessoas que praticam a automutilação, Rebeca mantinha um foco voltado para si mesma: sua dor, sua perda, seus sentimentos, suas vontades e seus desejos.
Ela aprendeu a examinar seu coração à luz das Escrituras (Jr 17.9). A Bíblia nos lembra que a mudança permanente requer uma mudança no coração provocada por uma renovação da mente (Rm 12.1,2). Tivemos que identificar a causa raiz de seu comportamento para que a verdadeira cura pudesse acontecer.
Correr para Deus com a dor
Incentivei Rebeca a ir a Deus em oração e falar com Ele sobre o peso do seu coração: “porque o SENHOR ouve os necessitados e não despreza os seus prisioneiros” (Sl 69.33).
Os salmos levaram consolo ao coração de Rebeca e entendimento sobre como ela podia clamar a Deus na angústia. Ela lembrou que Deus se preocupa com ela e que em Cristo está a solução para o peso da culpa e da vergonha, do fracasso, da ira e da rejeição que ela carregava. Foi um grande consolo para Rebeca saber que o Senhor Jesus Cristo podia socorrê-la em cada tristeza e dor que ela sentia: “Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito. Alivia-me as tribulações do coração; tira-me das minhas angústias. Considera as minhas aflições e o meu sofrimento e perdoa todos os meus pecados”(Sl 25.16-18).
No aconselhamento bíblico, Rebeca aprendeu sobre a necessidade de arrependimento. Ela aprendeu sobre a soberania de Deus, aprendeu a vencer o desejo de sempre agradar pessoas e a lidar biblicamente com a ira e a amargura. À medida que sua mente se renovava, ela começou a compreender o papel que a idolatria desempenhava em seus comportamentos. Ela percebeu que adorar seus ídolos apenas a levava à culpa, vergonha e engano, e que a automutilação não a ajudava em nada para aliviar a sua dor.
Inicialmente, ela teve momentos de fracasso e ainda voltou a se cortar ou queimar, mas Rebeca perseverou em busca da mudança. Ela estava determinada a glorificar a Deus e trabalhou muito para permanecer na Palavra de Deus, abandonar os comportamentos autolesivos, renovar sua mente e revestir-se de comportamentos condizentes com a nova vida em Cristo (Ef 4.22-24). Ela aplicou à vida diária o que estava aprendendo e negou seus desejos pecaminosos. Após seis meses, ela tinha de voltas as sobrancelhas e as falhas no couro cabeludo estavam cobertas. Uma importante vitória veio quando ela entregou aos pais sua “caixa do tesouro” de lâminas para se cortar e materiais para se queimar. Hoje, Rebeca está livre da automutilação.
Se, pois, o Filho os libertar, vocês serão verdadeiramente livre. (Jo 8.36).
Pergunta para reflexão
Você acredita que a Palavra de Deus é suficiente para resolver até mesmo os “casos difíceis” e lidar com problemas como a automutilação ?
Julie Ganschow atua no aconselhamento bíblico e discipulado há mais de 25 anos. Ela é autora de vários livros e materiais para aconselhamento bíblico e coautora de um curso de treinamento em aconselhamento bíblico, além de fundadora e diretora de Reigning Grace Counseling Center — Biblical Counseling for Women. Julie é certificada pela Association of Certified Biblical Counselors (ACBC).
Original: Cutting to the Heart of Self-Injury
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition
Tradução e adaptação: Conexão Conselho Bíblico
Usado com permissão.