Charles Hodges
Recentemente, um estudo realmente interessante foi publicado por um grupo de pesquisadores do Reino Unido, incluindo Joanna Moncrieff que faz parte da Divisão de Psiquiatria da University College London.[1] O artigo é fruto de uma pesquisa que examinou um grande número de estudos que tratam da teoria do desequilíbrio químico na depressão. Especificamente, o artigo discute se é possível demonstrar que a falta de serotonina seja causa da depressão.
Nos últimos 50 anos, a explicação popular para o humor persistentemente triste foi a falta de serotonina no cérebro humano ou, no mínimo, a presença de um desequilíbrio nas substâncias químicas que permitem que nosso sistema nervoso funcione. Lembro-me de propagandas de medicamentos que mostravam os balões vazios em nossa cabeça que a medicação deveria encher. Corrigir nossa falta de serotonina seria a cura para a tristeza. Era uma explicação simples, que todos nós podíamos entender. O único problema era a falta de provas.
Depois de pesquisar estudos publicados, os pesquisadores concluíram que “as principais áreas de pesquisa da serotonina não fornecem evidências consistentes de haver associação entre a serotonina e a depressão, e nenhum suporte para a hipótese de que a depressão é causada pela atividade reduzida ou por concentrações reduzidas de serotonina. Algumas evidências foram consistentes com a possibilidade de que o uso de antidepressivos em longo prazo reduza a concentração de serotonina”.[2] E assim, a cortina se fechou e concluiu-se a era da teoria do desequilíbrio químico na depressão.
Foram muitas as reações na mídia. O renomado psiquiatra Dr. Ronald Pies aproveitou a oportunidade para afirmar que a psiquiatria não foi responsável pela disseminação da teoria do desequilíbrio químico. Ele praticamente negou que psiquiatras tivessem afirmado isso. [3] Ao mesmo tempo, porém, a Associação Psiquiátrica Americana colocou a seguinte declaração em seu site: “A química do cérebro pode contribuir para a depressão de um indivíduo e pode influenciar em seu tratamento. Por esta razão, os antidepressivos podem ser prescritos para ajudar a modificar a química do cérebro.”[4]
O Twitter foi palco de críticas inflamadas, com 280 caracteres, escritas por críticos seculares em termos que poucos chamariam de falar a verdade em amor. Outro grupo está pedindo uma ação coletiva contra a APA, alegando que eles promoveram a teoria em prejuízo de pacientes/clientes.[5] De modo geral, parece ser um dia sombrio para a medicina e mais especificamente para a psiquiatria.
O que isso significa para todos nós e como devemos reagir? Qual a importância para os que aconselham com base nas Escrituras? O que isso significa para pacientes e médicos? Como isso afetará aqueles que lidam com a depressão? Como afetará as pessoas ao seu redor que os amam?
O que isso significa para aqueles que estão envolvidos no aconselhamento bíblico?
Para a maioria de nós, isso realmente não muda a forma de entendermos a definição daquilo que a nossa sociedade chama de depressão nem muda nossa abordagem. Em 25 anos de ensino de aconselhamento bíblico, tenho dito que não há evidências substanciais de que desequilíbrios químicos sejam a causa da depressão. Suponho que possamos nos sentir vingados sem dar uma volta da vitória.
Mais importante do que estar certo, saber que a hipótese da serotonina não é verdadeira resulta, sim, em algo que merece nossa consideração. Essa teoria não pode mais ser usada para dizer que todos aqueles que lutam com um humor abatido têm uma doença. Ela também não pode ser usada para sustentar a ideia de que o único local apropriado para o tratamento da depressão é o consultório médico.
Esta pesquisa deve desviar nossa atenção de uma teoria neurobiológica e nos levar de volta às circunstâncias da vida que cercam a tristeza e podem causá-la. No aconselhamento bíblico, devemos concentrar nossa atenção no antigo conceito de tristeza normal versus tristeza persistente. Horwitz e Wakefield trabalharam muito bem a questão em sua pesquisa, que mostrou que 90% das pessoas rotuladas com diagnóstico de depressão estavam sofrendo a perda de algo importante para elas.[6] Um dos autores desse estudo, Mike Horwitz, disse: “A busca interminável por identificar uma substância química que cause a depressão está se dando, provavelmente, no lugar errado porque há evidências fortes de que as circunstâncias de nossa vida – eventos estressantes, pobreza, trabalho , insegurança, relacionamentos – têm um forte efeito sobre o risco de depressão”.[7]
O aconselhamento bíblico tem esperança e respostas para aqueles que lutam contra a tristeza resultante da perda de algo, quer seja a perda de relacionamentos ou empregos, quer seja a perda de qualquer outra coisa que se acredite ser indispensável ter nesta vida. Devemos aproveitar a oportunidade para ajudar aqueles que sofrem.
O que isso significa para médicos e pacientes?
Sem dúvida, esta pesquisa afetará a maneira de médicos e pacientes verem os antidepressivos. Antes, porém, é importante perguntar o que essa pesquisa não faz. É importante notar que ela não aborda a questão de saber se a medicação para a depressão é segura e eficaz. Outras pesquisas examinaram essa questão, e esses medicamentos não se mostraram tão úteis quanto se esperava.[8]
Ao mesmo tempo, essa pesquisa não diz que ninguém se beneficia de tomar um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (antidepressivos ISRS). A pesquisa diria que alguns certamente se beneficiam. O problema nos últimos 30 anos tem sido a prescrição excessiva desses medicamentos para indivíduos que sofrem com tristeza normal por uma perda identificável. Quando os antidepressivos são administrados a estes 90%, Wakefield e Horowitz explicaram novamente que, para quase 90% deles, não há benefício maior do que se tomassem um placebo.[9]
Visto não estar tão claro o funcionamento dos antidepressivos, médicos e pacientes devem ter conversas detalhadas sobre a limitação dos benefícios e os efeitos colaterais conhecidos desses medicamentos. Talvez o melhor resultado se obtenha quando o paciente conversa por mais tempo com o médico sobre outras opções como, por exemplo, o aconselhamento. A pesquisa mostrou que, ao longo do tempo, a maioria dos pacientes se beneficia tanto ou mais do aconselhamento.
O que isso significa para a medicina?
O fim da teoria do desequilíbrio químico é uma coisa boa para a medicina. Ele não é nem um pouco decepcionante. Quando uma teoria antiga, antiquada e incorreta se desfaz, abrem-se portas para realizar pesquisas em outra direção. Em vez de ficar preso à teoria da bala mágica, agora os pesquisadores jovens e vibrantes estarão procurando por melhores explicações. Já estão surgindo pesquisas que oferecem uma explicação diferente para a depressão.
À medida que a medicina continua a investir em pesquisa, é possível que cheguemos a entender aqueles 10% de indivíduos com tristeza persistente. Mais ainda, talvez sejamos capazes de descobrir quantos nesse grupo têm causas patologicamente definidas para seu humor e possamos corrigir e curar o problema com medicamentos. Os conselheiros bíblicos têm um papel nisso, incentivando os aconselhados que não se encaixam na descrição da tristeza normal a consultar seu médico para se certificar de que não há uma causa identificável e tratável para seu problema. Ao mesmo tempo, podemos ajudá-los a lidar com as circunstâncias difíceis por meio de princípios bíblicos.
Servindo aqueles que sofrem e as pessoas que os amam
A última pergunta é como podemos reagir da melhor forma a essa notícia de modo que ajude aqueles que sofrem e as pessoas ao seu redor que os amam. Como conselheiros bíblicos, devemos estar cientes de que temos aconselhados que lutam para saber em qual explicação devem ou não acreditar. Eles também podem temer a perda daquela que consideravam ser uma explicação para sua luta. Devemos tratá-los com bondade e com o coração movido pelo amor de Cristo.
Raramente converso com um aconselhado sobre desequilíbrios químicos. Provavelmente, 90% dos aconselhados estão se esforçando para se recuperar de uma perda, lutando com uma tristeza à qual as Escrituras se dirigem diretamente. Sugiro que é nisso que devemos investir. É igualmente verdade tanto na medicina quanto no aconselhamento bíblico que se melhorarmos na identificação dos indivíduos com tristeza normal em vez de rotulá-los como deprimidos, melhoraremos muito na ajuda que podemos lhes oferecer.
Perguntas para reflexão
- Para o aconselhado com depressão: Você já passou por um exame físico completo com seu médico para excluir as causas orgânicas da depressão?
- Para o conselheiro: Como você responderá às perguntas do seu aconselhado sobre o fim da teoria do desequilíbrio químico?
[1] Joanna Moncrieff, Ruth E. Cooper, Tom Stockmann, Simone Amendola, Michael P. Hengartner, Mark A. Horowitz, “The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence,” Molecular Psychiatry, 2022. Disponível em https://web.archive.org/web/20220927233930/https://www.nature.com/articles/s41380-022-01661-0
[2] Ibid.
[3] Ronald Pies, “The Serotonin Fixation: Much Ado About Nothing New,” Psychiatric Times, August 3, 2022, Acesso em 21 de Agosto, 2022, disponível em https://www.psychiatrictimes.com/view/the-serotonin-fixation-much-ado-about-nothing-new
[4] Citações retiradas do site de American Psychiatric Association em 21 de agosto, 2022. Disponível em https://web.archive.org/web/20220928063608/https://www.psychiatry.org/patients-families/depression/what-is-depression
[5] Robert Whitaker, “Psychiatry, Fraud, and the Case for a Class-Action Lawsuit,” Mad in America, August 13, 2022. Disponível em https://web.archive.org/web/20220917125323/https://www.madinamerica.com/2022/08/psychiatry-fraud-and-the-case-for-a-class-action-lawsuit
[6] Alan Horwitz, Jerome Wakefield, The Loss of Sadness: How Psychiatry Transformed Normal Sorrow into Depressive Disorder, (New York: Oxford University Press, 2007), 19. Veja também Jerome Wakefield, Mark Schmitz, Michael First, Alan Horwitz, “Extending the Bereavement Exclusion for Major Depression to Other Losses” Archives of General Psychiatry, vol. 64 (April 2007), 438.
[7] Batya Swift Yasgur, “No Evidence Low Serotonin Causes Depression?” Medscape, July 22, 2022, Disponível em https://web.archive.org/web/20220804015212/https://www.medscape.com/viewarticle/977753
[8] HODGES, Charles Jr. Depressão e transtorno bipolar: ajuda e esperança para o enfrentamento eficaz. Eusébio, CE: Peregrino, 2015.
[9] Ibid.
Charles Hodges é o diretor executivo de Vision of Hope, um centro residencial para mulheres que lutam com transtornos alimentares, automutilação, TOC, abuso de substâncias e outros problemas. Ele também pratica a medicina em Brownsburg, Indiana. Completou sua formação universitária com cursos na Indiana University School of Medicine, Liberty University e Liberty Baptist Theological Seminary onde formou-se, respectivamente, em medicina de família e geriatria, aconselhamento e teologia. Dr. Hodges é professor e conselheiro em Faith Biblical Counseling Ministry e faz palestras sobre assuntos médicos e aconselhamento bíblico em seu país e no exterior.
Original do artigo: Chemical Imbalance: True or False?
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition. Traduzido com autorização.
Tradução e adaptação para o português por Conexão Conselho Bíblico
Leitura recomendada

HODGES, Charles Jr. Depressão e transtorno bipolar: ajuda e esperança para o enfrentamento eficaz. Eusébio, CE: Peregrino, 2015. 192 p.
Links: Livro impresso – Resenha
Depressão e transtorno bipolar são dois dos diagnósticos mais comuns na medicina atual. Depressão e transtorno bipolar examina esses diagnósticos e esclarece como lidar biblicamente com eles.