Dan Doriani
No último mês, descobri que mais dois líderes cristãos que eu conheço mancharam ou destruíram o próprio ministério. Nenhum deles era um amigo no sentido pleno da palavra, embora eu tenha me relacionado com ambos, e respeite o talento e o fruto do trabalho deles.
Mais uma vez, eu me pergunto: Como um homem que estudou as Escrituras, as conhecia e as ensinou fielmente a outros foi capaz de violar descaradamente seus princípios mais básicos de amor e domínio próprio? Mesmo fazendo a pergunta, eu sei que também estou suscetível ao pecado e seu caráter autodestruidor. Todo mundo precisa da admoestação de Paulo: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma falta, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura; e guarda-te para que não sejas também tentado” (Gl 6.1). Líderes que andam atentos a si mesmos sabem que somos capazes de violar princípios que achávamos que conhecíamos.
Como, então, podemos rapidamente nos arrepender e evitar que o nosso coração torne-se insensível à voz de Deus que nos chama de volta para Si?
Os líderes tropeçam por muitos motivos, e embora eu possa argumentar que um seminarista zeloso tem pouco em comum com um líder de meia idade presunçoso ou deprimido, há pelo menos um ponto em comum: tanto meus colegas de ministério quando meus alunos podem parar de ler a Bíblia como deveriam.
Leitura técnica e devocional
A leitura da Bíblia por um crente novo tende a ser ingênua e devocional. Novos discípulos devoram as Escrituras, sublinhando palavra após palavra em Bíblias novas. Frequentemente, sentimos que Deus está falando diretamente conosco em cada palavra.
Depois de alguns anos, a leitura de um líder em crescimento torna-se sofisticada e devocional. Ainda sentimos que Deus fala conosco por meio do texto, mas conforme aprendemos princípios básicos de interpretação, dedicamos uma atenção cada vez maior ao contexto literário, cultural e histórico. Compramos e usamos dicionários e comentários bíblicos. Tomamos conhecimento das estratégias de tradução de diferentes versões da Bíblia, e começamos a usar esse conhecimento para chegar ao texto original.
A maior parte dos futuros líderes de igreja irão para um seminário, onde nos tornamos leitores técnicos. Lemos o texto no grego e no hebraico, e consultamos fontes de erudição. Respeitamos a distância entre nosso mundo e o das Escrituras. Cresce o zelo pela descrição da história e da teologia bíblica. Conforme buscamos o sentido original de uma palavra, somos tentados a negligenciar o que ela significa para nós hoje.
Quando estudantes de seminário tornam-se estagiários em igrejas locais, eles se lembram de que o estudo deve edificar a igreja. Continuamos a ler tecnicamente, mas agora compartilhamos nossas descobertas com outras pessoas. Nós nos tornamos leitores técnico-funcionais. Nossa leitura ainda pode ser imparcial, em termos pessoais, mas guardamos e organizamos nossas descobertas para podermos oferecê-las a outros. Embora essa fase possa nos ajudar a redescobrir o uso apropriado da Bíblia, podemos ainda ser leitores profissionais. Podemos apresentar a verdade de Deus aos outros, enquanto impedimos que Sua Palavra chegue a nós.
Alunos e pastores precisam, portanto, tornar-se leitores técnicos e devocionais. Aqui permanece cada habilidade exegética, porém, nós lemos como crianças, permitindo que a Palavra fale novamente ao nosso coração. Podemos descobrir aquilo que Paul Ricoeur chamou de “segunda ingenuidade”. Somos tecnicamente perspicazes e espiritualmente receptivos. Nosso estudo permite-nos explicar e aplicar a Palavra de Deus à igreja e a nós mesmos. Então ouvimos a Palavra de Deus, de modo que ela opera em nós mais uma vez. O resultado é que purificamos nosso coração, lavamos nossas mãos e andamos nos caminhos do Senhor.
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Original: The danger of forgetting how to read the Bible – The Gospel Coalition
Tradução: Jonas Nardes Braga