A tenebrosa noite da alma
Em seu artigo Palavras de esperança para aqueles que lutam com a depressão, Edward Welch ofereceu inicialmente uma descrição daquilo que chamamos de “depressão”.
Ela é chamada tecnicamente de depressão, apesar de não podermos expressá-la em uma só palavra. Você se sente entorpecido, mas ao mesmo tempo sua cabeça dói; sente-se vazio, mas ao mesmo tempo há gritos no seu interior; sente-se fatigado, no entanto seus medos afluem. Aquilo que antes era prazeroso agora mal chama sua atenção. Seu cérebro está como que coberto permanentemente por uma neblina. É como se algo o puxasse para baixo. Você consegue se lembrar de quando tinha alvos? Coisas pelas quais ansiava? Mesmo que fossem coisas simples como ir ao cinema na sexta-feira à noite ou um trabalho que esperava concluir. Agora lhe restaram poucos alvos. Conseguir chegar ao fim de mais um dia já lhe parece ser suficiente. Já percebeu como fica a nossa vida quando não temos alvos? Todos os dias são iguais. Não há um ritmo de antecipação estimulante, satisfação e, logo depois, o descanso. Cada dia traz consigo uma monotonia mortal, e você teme que o dia seguinte seja praticamente igual. A monotonia da vida parece matá-lo aos poucos. Seu sono? Está uma bagunça. Você nunca consegue dormir o suficiente. É impossível lembrar-se de quando foi a última vez em que acordou e se sentiu renovado.[1]
Agora, em seu livro Depressão: a tenebrosa noite da alma, ele desenvolve amplamente o assunto de maneira compassiva e bíblica.
Sugestões práticas e muitas páginas de tarefas de casa poderiam encher vários livros, mas provavelmente não fariam com que nos sentíssemos mais vivos. Aquilo que eu e você precisamos é mais profundo do que sugestões práticas. Você não precisa de uma lista de “como fazer” as coisas. Na verdade, você mesmo seria capaz de produzir uma lista plausível de coisas para fazer. Provavelmente já fez algumas delas e sabe de muitas outras que poderia fazer.
A depressão, e a miríade de sentimentos e pensamentos embutidos nessa palavra, invocam a pergunta “por quê?”. […] Uma lista de coisas a fazer não atende às questões de propósito, esperança, nem responde a perguntas fundamentais sobre a existência e a fé que inevitavelmente surgem com a depressão. Não é de surpreender que, ao mesmo tempo que o Prozac vem sendo propalado como a cura para a doença, os filósofos também encontrem um nicho na área de ajuda às pessoas deprimidas.
No caminho que temos em frente, portanto, procure descobrir uma parceria entre os “por quês” e os “como”. Quando surgirem as perguntas do tipo “por quê?”, essas serão religiosas, como todas as perguntas desse tipo. Elas dizem respeito a Deus. (p. 10)
Em resenha publicada em Discerning Reader, Leslie Wiggins lembra que cristãos bem-intencionados podem querer explicar que a depressão é algo impossível na vida do crente, pois parece não combinar com a vida abundante que Jesus prometeu a Seus discípulos. O fato, porém, é que nós ainda vivemos sob a maldição do pecado e da morte e mesmo o crente em Cristo Jesus não está imune a esta realidade. Como Ed Welch menciona em Depressão, a inteira criação está gemendo enquanto aguarda a completa redenção e renovação, mas nós não estamos desprovidos de esperança. Leslie Wiggins prossegue, descrevendo cada parte do livro.
Na introdução, Ed Welch compartilha a premissa principal, o propósito e suas sugestões para o uso do livro. Ele está escrevendo tanto para as pessoas deprimidas como para aqueles que as amam. Ele explica: “Se você estiver deprimido, os capítulos que se seguem são intencionalmente breves e, às vezes, provocantes. Se você quiser ajudar alguém que está deprimido, esses capítulos têm a intenção de oferecer direção e poderão ser usados como leituras a ser compartilhadas com a pessoa deprimida” (p. 12).
Ed Welch descreve um retrato detalhado da depressão: como ela é sentida, qual é a sua aparência, como são os pensamentos, como é a fala e para onde ela conduz. Ele ganha a confiança do leitor, demonstrando sua compreensão e compaixão para com a pessoa que sofre.
Em um capítulo mais técnico, Ed Welch leva o leitor através das muitas camadas da depressão. Ele relata os sintomas de depressão conforme mencionadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), tanto para a depressão maior como para a distimia, e explica: “Pense na depressão como uma linha contínua e crescente em termos de gravidade. Em um dos extremos ela perturba, no outro, debilita. A depressão menos severa é chamada de Transtorno Distímico; a mais severa, Depressão Maior.” (p. 20). Ele oferece as características da experiência depressiva para que o leitor possa identificar as facetas do seu sofrimento. No entanto, Welch dirige-nos uma palavra de cautela quando se trata de diagnosticar a depressão, particularmente a depressão que pode ser causada por um desequilíbrio químico. Ele escreve: “Existe toda espécie de teoria quanto às causas da depressão. Indo em direção ao menos severo, muitos presumem que as causas sejam relacionamentos, circunstâncias difíceis, ou pensamentos negativos. Em direção ao mais severo, a teoria popular é que se origine de um desequilíbrio químico. Não compre ainda as generalizações. Tente permanecer descrente por mais um pouco, pois aqui, é cedo demais para fazer juízos. Ninguém poderá diagnosticar um desequilíbrio químico convicto de estar totalmente certo porque não há como saber isso com segurança. Ainda que existisse um teste para isso (o que não há), esse não pode dizer se o desequilíbrio causou a depressão ou resultou dela” (p. 22).
A tendência é acreditar que o problema é apenas físico e que um comprimido resolverá o problema. Embora a medicação possa aliviar os sintomas da depressão, ela não pode tratar as causas profundas (o pecado, os problemas de relacionamento, as crenças sobre Deus etc.). Ed Welch escreve: “Não permita que um diagnóstico técnico ou científico o impeça de ver esses problemas como ordinários. Quando estiver em dúvida, espere até encontrar, logo abaixo da superfície, uma situação frequente a todo ser humano, em forma de medo, ira, culpa, vergonha, inveja, carência, desespero quanto a uma perda, fraqueza física e outros problemas presentes em cada pessoa. Nem sempre a depressão será causada por tais coisas, mas sempre será ocasião para considerá-las” (p. 11).
Na Parte I, “Depressão é sofrimento”, Ed Welch desafia a pessoa deprimida com relação às suas crenças a respeito de Deus. A depressão pode vir como resultado de um acúmulo de pecados não confessados. Ela pode vir como resultado de uma brecha em um relacionamento importante. A forma como uma pessoa lida com o pecado e os eventos dolorosos indica o que ela acredita a respeito de Deus. Ed Welch ajuda o leitor a responder a algumas das perguntas mais importantes: Por que estou deprimido? O que está causando isso? O que eu fiz para isso? Qual o papel de Deus na minha depressão? Qual o papel que Satanás desempenha na minha depressão? Para onde vou me voltar? Como a Bíblia me ajuda? A depressão tem um propósito? Esta seção de seu livro culmina em uma forte admoestação para que o leitor se lembre de Jesus e persevere.
Na Parte II, “Escutar a depressão”, Ed Welch orienta o leitor a ouvir a mensagem da depressão, complexa e rica de emoções, e a dissecá-la. Ele explica: “As emoções têm uma história. Para colocar um processo complexo da maneira mais simples possível, essa história consiste de duas partes: (1) acontecimentos fora de nós, incluindo problemas físicos e (2) crenças, alianças espirituais e interpretações, no interior. A interação desses pares, com o tempo, é o que causa a depressão” (p. 78). Ele avalia cuidadosamente o coração humano e nossas muitas maneiras de interpretar as circunstâncias à luz daquilo em que acreditamos. Finalmente, ele explica como o temor, a ira, o fracasso e a vergonha, as esperanças esmagadas, a culpa e o legalismo, e a morte relacionam-se com a depressão. Todas as emoções envolvidas ensinam-nos algo sobre nós mesmos e aquilo que acreditamos a respeito de Deus. Ed Welch compartilhar, então, como o deprimido pode aprender a confiar em Deus. O verdadeiro amor é a chave para ficar livre do medo, da ira, da culpa e do legalismo, e dos pensamentos suicidas.
Na Parte III, ” Ajuda e conselhos de outros”, Ed Welch discute o tratamento para a depressão, e o tratamento médico em particular. A depressão tornou-se tão comum que os possíveis tratamentos têm proliferado. Sobre a escolha de um tratamento, ele diz: “A questão com tais tratamentos físicos não é se tal tratamento está certo ou errado, mas se é o correto. As diretrizes de sabedoria se aplicam” (p. 163). Ed Welch sugere várias estratégias que se provaram úteis para pessoas deprimidas como, por exemplo, seguir um cronograma realista, tomar vitaminas, praticar exercícios físicos com regularidade e comer bem. A Parte III também inclui um capítulo de ajuda específica para os familiares e amigos da pessoa deprimida.
Parte IV, “Esperança e alegria: pensando os pensamentos de Deus”, é um incentivo direto a combater a depressão com a compreensão do seu lugar na história de Deus, esperança em Deus, gratidão e alegria no Senhor. Ed Welch expõe várias verdades espirituais importantes. A primeira delas é que não devemos ansiar tanto por evitar o sofrimento e a dor. Se você está triste ou deprimido, é importante descobrir a razão, mas não necessariamente para que você possa eliminar de sua vida o sofrimento. Deus usa o sofrimento e as provações para treinar o coração, para nos ensinar a obediência, para nos conformar à imagem de Seu Filho. Faz sentido ceder diante de Sua autoridade sobre nossa vida e ir a Deus em busca de entender as lições da dor e procurar uma comunhão mais profunda com Ele enquanto ainda sofremos na depressão.
A segunda verdade surge da ressurreição. O fato de que Jesus ressuscitou dos mortos oferece aos crentes deprimidos uma grande esperança e promessa para o futuro. Ele escreve: “Todo desespero é, em última análise, uma negação da ressurreição […] a ressurreição venceu a morte, o pecado, a miséria e tudo o mais que foi contaminado pela maldição da Queda” (p. 191). Ed Welch explica que as pessoas deprimidas têm a tendência de abandonar a esperança e reescrever sua vida fora da história de Deus. Ele incentiva a pessoa deprimida a parar de ter medo da esperança e abraçar o seu lugar dentro da grande história de Deus.
A terceira verdade desafia a sabedoria convencional que diz que um indivíduo deprimido deve olhar para dentro de si mesmo, descobrir o que pode fazê-lo feliz e, então, atuar em busca da felicidade. Em vez disso, Ed Welch traz à lembrança do leitor o ensinamento de Jesus: a alegria é encontrada em servir e amar os outros, e aqueles que querem achar a própria vida acabarão por perdê-la. Embora possa parecer sábio isolar-se de relacionamentos chegados para eliminar a dor, isso prejudica a alma. É importante ser capaz de sentir as emoções. Investir na vida de outras pessoas, de alguma forma, não importa se muito ou pouco, é a chave para começar a se levantar da depressão.
No final de cada capítulo, há uma parte intitulada “Resposta”. Em parte é um resumo das ideias do capítulo, mas o autor também acrescenta exercícios simples e uma ou duas perguntas para responder. A maioria destas são muito pessoais, concebidas para revelar o coração.
Depressão: a tenebrosa noite da alma traz muita informação e encorajamento. Nas palavras de abertura do livro, Sinclair Ferguson, professor no Westminster Theological Seminary diz:
Uma combinação rara de compreensão do evangelho, sabedoria bíblica, empatia pessoal e longa experiência como conselheiro brilha nessas páginas. Este é um manual legível a confiável para todos os que experimentam a tenebrosa noite da alma ou que pretendem ajudar os outros que a enfrentam. O mais necessário é um tratamento antidepressivo divinamente prescrito. Como um hábil farmacêutico espiritual, Ed Welch avia a receita para nós.
Para aqueles que tiram proveito da literatura em inglês, o livro ganhou em 2012 uma nova edição revista e ampliada, com o título Depression: looking up from the stubborn darkness, e que vale a pena verificar. Sobre a nova edição, Robert Kellemen escreve: “Welch escreve com uma rara combinação de compaixão e desafio, sustentada por uma teologia do sofrimento. Esta é, possivelmente, a maior contribuição do livro. Os leitores que procuram uma abordagem instigante da depressão, que trate o problema do ponto de vista espiritual, relacional, racional, volitivo, emocional e físico, não ficarão desapontados com Depression: looking up from the stubborn darknes.
FICHA TÉCNICA
Autor: Edward T. Welch
Título: Depressão: a tenebrosa noite da alma
Título original: Depression: a stubborn darkness: light for the path
Editora: Cultura Cristã
Páginas: 208
Data de publicação: 2011
Edward Welch – atua como conselheiro e integrante do corpo docente da Christian Counseling and Educational Foundation (CCEF), além de professor de Teologia Prática no Westminster Theological Seminary. Conselheiro bíblico há mais de 30 anos, ele tem escrito extensivamente sobre temas como depressão, medo e vícios. Entre os seus livros, além de Depressão, já estão disponíveis em português:
Quando as pessoas são grandes e Deus é pequeno (Editora Batista Regular),
Vícios: um banquete no túmulo (Nutra Publicações).
Você pode encontrar mais recursos por Edward Welch aqui.
[1] O artigo Palavras de esperança para aqueles que lutam com a depressão pode ser lido em forma impressa em Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, revista publicada pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida (Atibaia, 2004, v.3, p. ), ou em forma digital no site Gospel Translations.