Ansioso demais para continuar a cuidar de outros

No post anterior, com o artigo de Joshua Waulk, falamos sobre como entender uma possível “fadiga por compaixão” no ministério do conselheiro bíblico. Continuando no tema burnout, o artigo de Abe Meysenburg sobre o fardo de cuidar de pessoas, originalmente postado no blog de Biblical Counseling Coalition, ajuda o conselheiro a examinar as possíveis causas da ansiedade no seu coração. 


O fardo de cuidar

Seria um eufemismo dizer que o apóstolo Paulo enfrentou desafios. Em 2 Coríntios 11, ele disparou uma lista de algumas das dificuldades encontradas como plantador de igrejas. Ele foi espancado, preso, chicoteado e também naufragou. Passou por falta de sono, fome, nudez, rejeição, falsas acusações e perseguição. Seu trabalho foi literalmente perigoso. Ele usou a palavra “perigo” oito vezes para descrevê-lo. Essa lista despe de qualquer romantismo o chamando ministerial, não é? No entanto, no final de uma descrição vívida do sofrimento que enfrentou, ele fez uma declaração muito reveladora: “Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas” (2Co 11.28). Com a expressão além disso, Paulo referia-se às experiências de naufragar, ser açoitado, ficar sem abrigo e com fome, entre outras. No entanto, ele disse que havia algo além dessas lutas. O que poderia ser ainda mais difícil de suportar do que elas? Evidentemente, de todos os desafios enfrentados Paulo, o fardo de cuidar das igrejas foi o mais pesado.

A preocupação de Paulo com a igreja causou-lhe ansiedade. Esta é a mesma palavra usada em 1Pedro 5.6, 7: “Portanto, humilhem-se debaixo da poderosa mão de Deus, para que ele os exalte no tempo devido. Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês”. Qualquer pessoa que já tenha atendido a um telefonema às 3h da manhã, e ouvido o choro de alguém do outro lado da linha, pode se identificar com Paulo. Qualquer um que já tenha se sentado com uma esposa logo após ela descobrir que seu marido a traiu pode entender o que Paulo estava sentindo. Qualquer um que já tenha dirigido pela cidade na escuridão da noite à procura de um rapaz da sua igreja que se envolveu com drogas pode ter uma noção do que Paulo estava dizendo. Cuidar de pessoas é um trabalho extremamente difícil, com potencial para resultar em grande ansiedade.

Frequentemente, as pessoas me perguntam: “Como você lida com o peso de pastorear pessoas? Como você evitar carregar os problemas das pessoas como se fossem seus? Onde você encontra forças para continuar a cuidar de pessoas, mesmo quando é extremamente difícil fazê-lo?”. Muitas vezes, as pessoas que fazem essas perguntas estão se sentido esmagadas sob esse fardo.

Penso que existia um aspecto saudável na ansiedade de Paulo. Ele continuou sua mensagem, dizendo: “Quem está fraco, que eu não me sinta fraco? Quem não se escandaliza, que eu não me queime por dentro?” (2Co 11.29). Na verdade, a Bíblia nos ordena: “Chorem com os que choram” (Rm 12.15). A palavra “compaixão” significa literalmente “ser movido em suas entranhas”. Quando outras pessoas estão sofrendo, nós também devemos sentir profundamente. Por outro lado (e não tenho como avaliar qual fosse o caso de Paulo), entendo que muitas vezes há algo errado na ansiedade que provamos.

Duas crenças erradas
Embora uma variedade de fatores possa contribuir para a ansiedade, identifico duas maneiras de pensar que podem ser as principais responsáveis por eu carregar um peso indevido no ministério.

1- Pensar que é minha responsabilidade “salvar” as pessoas.
Posso pensar que “consertar” as pessoas seja minha tarefa. Preciso salvar o casamento daquele casal, preciso garantir que aquele homem supere sua escravidão à pornografia, preciso curar aquela outra mulher da dor de seu abuso sexual. Essas declarações parecem ridículas, mesmo porque elas nunca são feitas explicitamente, mas elas estão enterradas sob uma pilha de boas intenções e justificativas piedosa. São justificativas como: “Somos chamados a levar os fardos uns dos outros”, “Nós somos as mãos e os pés de Jesus” e “Este é o trabalho para o qual fui chamado”.

O que estou realmente dizendo quando assumo a responsabilidade final pelo bem-estar dos outros é: “Se eles falharem, a culpa é minha. Meu valor pessoal está em jogo. Se tal caso não acabar bem, isso refletirá negativamente sobre mim, e eu não quero parecer um incompetente”.

A boa notícia, porém, é que Jesus Cristo é o responsável pelo pastoreio e o cuidado de cada pessoa na família cristã! Ele é o Bom Pastor que dá a Sua vida pelas ovelhas (Jo 10). Ele é o Supremo Pastor (1Pe 5). Ele é o único que habita com o Seu Espírito naqueles que Lhe pertencem. Ele é o único que produz transformação. Medite nesta verdade por um momento: É obra do Espírito transformar as pessoas. O mais surpreendente é que Ele pede que nos juntemos a Ele nessa obra, mas nunca nos pede que tomemos para nós a obra.

2 – Pensar que posso fazer a minha parte no meu poder.
O Bom Pastor é responsável por todos, mas Ele me pede para pastorear o Seu rebanho junto com Ele. O peso está sobre os Seus ombros, enquanto a mim é dada a oportunidade de servi-lO enquanto sirvo outras pessoas. Mesmo se isso está claro para mim, às vezes, acabo sentindo a carga de ministério porque caio na tentativa de fazer a “minha” parte no poder da minha própria força.

Aqui estão alguns indicadores de que posso estar escorregando nessa mentira.
— Estou sempre receoso de fazer algo errado.
— O silêncio faz-me sentir desconfortável.
— Fico nervoso quando a conversa começa a ir mais a fundo.
— Cuidar de pessoas deixa-me completamente esgotado.
— Fico ansioso pelas pessoas que estão sob os meus cuidados.
— Fico frustrado (em vez de triste) quando há falta de progresso.

Jesus, de fato, pediu que nos unamos a Ele em Sua obra de cuidar daqueles que Lhe pertencem. Mas Ele também nos deu todos os recursos necessários para cumprir essa tarefa. Nada falta! Ele nos deu o Seu Espírito, que sobrenaturalmente nos capacita para o ministério (Ef 1.18, 19; Cl 1.28, 29). O Espírito é a sabedoria e o poder dados por Deus para que não nos faltem nem o entendimento necessário nem a energia necessária para cuidar dos outros. O desafio dado a mim é “servir pela força que Deus provê” (1Pe 4.11), em vez de “apoiar-me em meu próprio entendimento” (Pv 3.5). A autossuficiência é um caminho certo para o burnout.

Três práticas úteis
Como podemos participar ativamente no cuidado do coração das pessoas sem ficarmos completamente sobrecarregados nesse processo? Como podemos evitar a ansiedade indevida, e cuidar do estado do nosso próprio coração ao cuidarmos dos outros? Estas três práticas são úteis para mim.

1 – Arrepender-me de meu desejo de “salvar” as pessoas para provar o meu valor
Isso nada mais é do que idolatria, e uma negação patente da obra de Jesus. Só Ele me define. Eu sou um com Ele, e minha vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3.3). Os esforços adicionais para provar o meu valor são um insulto ao único e verdadeiro Salvador. Devo arrepender-me dessa idolatria e voltar a adorar o único Salvador.

2 – Lembrar-me de que a responsabilidade de mudar as pessoas é do Espírito
Devo repetidamente confiar as pessoas ao Seu cuidado. Elas pertencem a Ele (Sl 24.1)!  Muitas vezes, levanto minhas mãos quando oro no início da manhã por uma pessoa que terei oportunidade de ajudar, lembrando-me assim de que ela pertence a Deus e que, em última instância, está em Suas mãos. Eu posso confiar no que diz respeito a tudo aquilo que Jesus prometeu que o Espírito faria: convencer do pecado, ensinar, confortar, lembrar a verdade e glorificar a Jesus. E no final de uma conversa difícil ou de um telefonema pesado, posso orar e entregar aquela pessoa ao cuidado contínuo do Espírito. Expresse diante de Deus, de você mesmo e também da outra pessoa, que você está confiando no Espírito Santo como o único que pode transformar uma vida.

A ansiedade é muitas vezes um sinal de que nós acreditamos que a nossa identidade está em jogo. “Se isso não funcionar bem, terá impacto sobre o meu valor pessoal”. Lançar toda a ansiedade sobre Deus significa dizer que o resultado daquele relacionamento de ajuda no qual estou envolvido não terá impacto nenhum sobre a minha identidade. Esta oração ajuda-me a lembrar a verdade sobre a obra do Espírito e a minha identidade:

Senhor, a vida dessa pessoa é Sua responsabilidade final, não minha.  Independentemente daquilo que venha a acontecer, essa pessoa está em Suas mãos e eu confiou no Senhor. Eu não vou ficar ansioso e pensar que o meu desempenho é que define o meu valor. Meu valor provém exclusivamente da obra de Jesus e da minha união com Ele. Lanço minha ansiedade sobre o Senhor porque sei que o Senhor se importa comigo e cuida tanto daquela pessoa quanto de mim. A obra pertence ao Senhor, e eu confio que Senhor a está fazendo!

3 – Orar pedindo que o Espírito me oriente no cuidado das pessoas
O que eu preciso dizer? Quais perguntas preciso fazer? Quais versículos bíblicos podem ser relevantes? Devo orar e pedir ao Espírito para encher-me, capacitar-me e falar por meio de mim. Minha carne (Rm 13.14), ou seja, o meu “velho eu” (Ef 4.22) odeia depender do Espírito. Ele está cheio de orgulho e quer desesperadamente que eu pareça inteligente e que eu dê a impressão de ter tudo sob meu controle. A total dependência do Espírito coloca-me em uma posição de humildade e me dá a verdadeira capacitação e clareza para cumprir a tarefa que está em minhas mãos.

As palavras de Pedro, escritas inicialmente aos líderes da igreja, são uma conclusão que pode se estender a todos aqueles que estão envolvidos no ministério de cuidado de outras pessoas. Que o Espírito nos supra para a tarefa que temos em mãos!

Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Olhem por ele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer. Não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir. Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho. Quando se manifestar o Supremo Pastor, vocês receberão a imperecível coroa da glória. Da mesma forma jovens, sujeitem-se aos mais velhos. Sejam todos humildes uns para com os outros, porque “Deus se opõe aos orgulhosos, mas concede graça aos humildes”.  (1Pe 5.1-5)


OriginalThe Burden of Shepherding – Biblical Counseling Coalition Blog



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