Paul Tautges
Os conselheiros fiéis são conscienciosos. Eles são cuidadosos no guiar as outras pessoas com a Palavra de Deus. Além disso, eles procuram ouvir bem, falar a verdade graciosamente e confiar no poder do Espírito Santo para realizar Sua obra transformadora no coração e na mente daqueles a quem eles ajudam. No entanto, por mais admirável que seja a sua prática, a negligência da obediência pessoal é um perigo real para o conselheiro. É possível viver uma farsa, ensinando o que sabemos ser um bom conselho e, ao mesmo tempo, desconsiderando que o nosso estudo pessoal da Bíblia e a nossa caminhada diária com o Senhor estão relacionados à eficácia do nosso ministério. Essa é a razão por que eu gostaria que refletíssemos em um versículo que está escondido em um dos livros dos Profetas Menores. Esdras 7.10 diz: “Pois Esdras tinha decidido dedicar-se a estudar a Lei do Senhor e a praticá-la, e a ensinar os seus decretos e mandamentos aos israelitas”.
Esse versículo destaca-se tanto pela sua simplicidade quanto pela sua profundidade. Estou convencido de que se dominássemos as disciplinas nele mencionadas, verificaríamos um progresso constante em nossa santificação e nos alegraríamos cada vez mais em sermos usados por Deus como ministros de Sua graça e verdade. Examinar com atenção os hábitos pessoais de Esdras faz com que nos lembremos de estar atentos a três áreas de nossa vida.
Firmar nosso coração na Palavra de Deus
Em primeiro lugar, devemos firmar nosso próprio coração na Palavra do Senhor. Quando estamos ocupados com o ministério, pode ser fácil ignorar nosso tempo diário de meditação nas Escrituras e oração. Muitas vezes, não conseguimos firmar nosso coração nas Escrituras e nos justificamos lembrando-nos das inúmeras maneiras pelas quais estamos servindo ao Senhor. No entanto, se a ausência de alimentarmos a nós mesmos torna-se um hábito, não demorará muito para que o nosso aconselhamento passe a ser uma tentativa de alimentar os outros quando a despensa da nossa alma está vazia, ou de oferecer aos outros algo para beber quando o reservatório da nossa alma está seco. Isso pode funcionar por algum tempo, mas finalmente nos causa prejuízo. Pode ser essa a razão mais comum por que o ministério caloroso e pessoal da Palavra, que chamamos de “aconselhamento”, pode se tornar nada mais que uma entrega seca e sem vida de prescrições espirituais para que os outros as cumpram. Lembremo-nos, portanto, do que Jesus disse: “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4). Que o Senhor cultive em nós um coração que se alegra em ter fome da Palavra, de forma que ela se torne o prazer do nosso coração (Jr 15.16)!
Aplicar as Escrituras à nossa vida
Em segundo lugar, devemos decididamente aplicar as Escrituras a nós mesmos, não meramente àqueles a quem aconselhamos. Quando nos preparamos para uma conversa com outra pessoa, pode ser fácil pesquisar as Escrituras tendo em vista aquela pessoa e buscando encontrar os “versículos perfeitos” para lidar com seu problema. Como resultado, pulamos o passo necessário de conscientemente permitir que a verdade atinja em primeiro lugar o nosso próprio coração. Parece que Esdras estava consciente desse perigo espiritual e, consequentemente, ele se disciplinou para deixar que a luz perscrutadora das Escrituras atingisse seu coração durante o estudo. Ao fazê-lo, ele guardou seu coração do autoengano que está sempre à espreita em nossa porta, aquilo de que Tiago nos adverte: “Aquele que ouve a palavra, mas não a põe em prática, é semelhante a um homem que olha a sua face num espelho e, depois de olhar para si mesmo, sai e logo esquece a sua aparência. Mas o homem que observa atentamente a lei perfeita que traz a liberdade, e persevera na prática dessa lei, não esquecendo o que ouviu, mas praticando-o, será feliz naquilo que fizer” (Tg 1.23-25). Lembremos, portanto, que o aconselhamento bíblico autêntico surge de uma vida que não finge que já atingiu a perfeição, mas que está em crescimento e evidencia um progresso contínuo em seu relacionamento com Cristo e na própria luta contra o pecado. Que o Senhor cultive em nós um coração que anseia pela própria conformidade com Cristo, para que possamos nos tornar mais compassivos como fiéis conselheiros da Palavra!
Estudar, obedecer, ensinar
Em terceiro lugar, devemos praticar a forma mais eficaz do ensino, que é fruto do nosso estudo e da obediência pessoal. Como já foi dito, devemos nos proteger contra a prática de um ensino que esteja desconectado do nosso coração e da nossa própria vida. Esdras dispôs o seu coração para estudar a Palavra. Em seguida, ele a aplicou por meio da própria obediência. Finalmente, ele estava pronto para ensinar aquela mesma verdade aos outros.
Um dos maiores perigos que enfrentamos como conselheiros é criar o hábito de pular o segundo passo, e ir direto do estudo para o ensino. Esse é um atalho devastador! Nós não somente ignoramos o progresso pessoal em nossa santificação, mas fazemos com que o nosso ensino não seja muito mais do que palavras vazias – palavras que saem de nossos lábios sem nenhuma paixão, em vez de fluir graciosamente de uma fonte de graça da qual nós mesmos já bebemos. Jesus ensinou um truísmo que devemos considerar humildemente: “O discípulo não está acima do seu mestre, mas todo aquele que for bem preparado será como o seu mestre” (Lc 6.40). Aqueles a quem aconselhamos com a Palavra serão mais ajudados quando o nosso exemplo cruza-se com a verdade que ensinamos. Lembremos, portanto, a prioridade que o Senhor atribui à nossa própria resposta à Sua Palavra, para que a verdade que ensinamos com nossos lábios torne-se ainda mais poderosa à medida que ela é visível pelo nosso exemplo. Que o Senhor cultive em nós um coração que se guarda da hipocrisia e se esforça sinceramente para manter a vida e o ensino intimamente alinhados!
O chamado daqueles que ensinam a Bíblia, independentemente do contexto, é elevado, santo e desafiador. No entanto, encontramos em Esdras um exemplo fiel, digno de ser seguido. Guardemo-nos de ser meros distribuidores de trechos bíblicos, pessoas negligentes em aplica-los à própria vida. Em vez disso, disponhamos nosso coração para estudar a Lei do Senhor, para cumpri-la, e para ensinar os mandamentos de Deus àqueles que Ele conduz até nós.
Perguntas para reflexão
Você está estudando e aplicando a Palavra de Deus à sua vida de forma consistente ou está vivendo apenas uma farsa?
Como o seu aconselhamento é afetado nas épocas em que você não aplica as Escrituras regularmente à sua vida e deixa de praticá-las obedientemente?
Original: Ezra 7:10 and the Counselor
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition