Aconselhamento de adolescentes com pensamentos suicidas

Garrett Higbee

Descobri que aconselhar biblicamente adolescentes envolve um conjunto único de desafios. Quando adicionamos a complexidade da situação de um jovem que tem pensamentos suicidas, esses desafios se multiplicam. Situações como essa nos dão ainda mais motivos para considerar fatores como construir confiança, tomar muito cuidado para não presumir o que possa estar acontecendo e levar em conta a dinâmica familiar.  No aconselhamento de adolescentes, e particularmente de adolescentes que lutam com pensamentos suicidas,  identifiquei alguns princípios úteis.

 Estabeleça conexão antes da atuação
Também exortamos vocês, irmãos, a que admoestem os que vivem de forma desordenada, consolem os desanimados, amparem os fracos e sejam pacientes com todos. (1Ts 5.14)

Quando alguém luta com pensamentos ou comportamentos suicidas, isso pode gerar medo e uma sensação de pisar em cascas de ovos para a família e aqueles que cuidam do jovem. Pode ser tentador ver a situação mais como um comportamento disruptivo do que como uma oportunidade para acompanhar um adolescente desencorajado. No entanto, o termo desencorajado pode ser muitas vezes apropriado para um jovem que luta com esses sentimentos ou pensamentos. Geralmente, ele luta com uma dor ou um sentimento vergonha que parece inescapável e insuportável.

Enquanto você ora, preparando-se para uma primeira conversa, procure se colocar no lugar do adolescente que você receberá para aconselhar. Normalmente, ele se sente vulnerável, forçado a conversar com você contra a própria vontade e envergonhado. Queremos ser cordiais e atenciosos, mas ao mesmo tempo não ter apenas um tom condescendente e mostrar empatia deixando de agir por pensar que já sabemos como ele se sente. Os adolescentes, geralmente, não sabem como articular seus sentimentos; alguns são muito cautelosos. Adicione o trauma e o embaraço de uma ameaça ou tentativa de suicídio, e temos um nó bastante apertado para desatar. Devemos investir tempo para criar uma atmosfera redentora e um ambiente seguro.

Reconheça que existe um conflito de interesses implícito e subjacente na maioria dos casos de aconselhamento de adolescentes. Os pais querem receber ajuda para o filho, mas o adolescente costuma achar que somos contratados como agentes de seus pais e, portanto, respondemos aos seus pais, estamos juntos com eles nos planos que eles têm e, provavelmente, não somos alguém em quem ele pode confiar. Fazer com que tanto os pais quanto o adolescente saibam o que esperar do aconselhamento é importante. Depois de ouvir a perspectiva dos pais e esclarecer as metas e expectativas relacionadas à confidencialidade no aconselhamento e aos cuidados prestados, nosso foco deve se voltar para o trabalho com o filho adolescente.

Avalie o risco fazendo um conjunto específico de perguntas
Ao fazer perguntas para determinar o risco envolvido no caso, queremos saber a gravidade e a frequência dos pensamentos suicidas. Ele pensa frequentemente em se ferir? Ele tem um plano? Os meios estão prontamente disponíveis? Quem mais sabe sobre sua tentação de se ferir?

Procure determinar se o adolescente é alguém que (1) “não quer viver” ou (2) “quer morrer”. A premência do plano de aconselhamento está baseada nas identificação da categoria em que ele melhor se encaixa. Na primeira categoria, temos aconselhados de baixo risco, que estão se sentindo deprimidos ou tomados de alguma forma de desesperança, que podem ter uma ideia suicida ocasional.  Normalmente, eles não têm um plano nem a intenção real de se ferir, embora qualquer ameaça, ainda assim, deva ser sempre levada a sério.  A categoria “quer morrer” inclui risco moderado a alto. O adolescente tem uma obsessão crescente pela morte para escapar da dor, da vergonha ou do estresse com diferentes graus de intencionalidade e premeditação. O desenvolvimento de um plano claro de como ele tiraria a vida e os meios de fácil alcance, juntamente com o aumento do isolamento ou de mudanças no humor, movem o caso para a categoria de alto risco. Nosso aconselhamento deve estar focado em mitigar imediatamente o risco e pode envolver um encaminhamento para tratamento emergencial da situação de crise.[1] Nosso conselho pode ter que esperar, mas precisamos manter contato e ajudar a família nesse estágio.

Ouça a história e considere os problemas que podem estar na raiz
Os propósitos do coração humano são como águas profundas, mas quem é inteligente sabe como trazê-los à tona. (Pv 20.5)

Muitas vezes, ao iniciar um aconselhamento, tudo o que conhecemos é o problema apresentado. Desde o início, é preciso avaliar a cada encontro a continuidade do risco de atentar contra a própria vida. Entretanto, uma vez que a situação esteja estabilizada, esse não é o nosso principal objetivo. Queremos ouvir a história do adolescente, o que pode demorar dois ou três encontros. O ouvir pode ocupar uma grande parte desses primeiros encontros, mas você sempre deve dar esperança bíblica. Ao dar tarefas práticas, procure trabalhar questões como o medo e a falta de esperança. Procure proporcionar atividades em que ele obtenha pequenas vitórias fáceis de serem alcançadas.

Vá além de ver um problema e veja um adolescente
É provável que o adolescente acredite, inicialmente, que nós o vemos como uma aberração. Procure conhecê-lo de forma a entender seus pensamentos ou comportamentos extremos. Pergunte-lhe como foi sua experiência de crescimento em casa, quem são seus amigos mais próximos e como ele se relaciona com os pais. O que ele avalia como bom, difícil ou ruim em cada capítulo de sua vida? O que ele gosta de fazer? Quais são suas preferências, talentos, e o que ele gosta de fazer em seu tempo livre? Peça-lhe que conte seu testemunho de conversão e conversem sobre a experiência dele na igreja local. Ajude-o a ver que você quer conhecê-lo como pessoa, não como um filho problemático. Ao mesmo tempo, se você perceber que o risco de atentar contra a vida ainda está presente, é preciso se concentrar nos fatores que aumentam o problema, e que podem ser perdas, outros amigos que compartilham as mesmas tendências que ele, conflitos familiares, drogas ou uso de álcool , estresse, isolamento, bullying ou abuso.

Responda com verdade e graça
Irmãos, se alguém for surpreendido em alguma falta, vocês, que são espirituais, restaurem essa pessoa com espírito de brandura. E que cada um tenha cuidado para que não seja também tentado. Levem as cargas uns dos outros e, assim, estarão cumprindo a lei de Cristo. (Gl 6.1, 2)

Para nosso propósito neste artigo, presumiremos que o risco de suicídio diminuiu ou é relativamente baixo no momento. Muitas vezes, fica claro que o adolescente luta contra a depressão, mas será que essa é a raiz ou é o fruto de algo mais (Lucas 6.45)? Ao traçarmos as temáticas do coração em sua história de vida, é provável que descubramos que a luta é uma mistura de algum tipo de medo e falta de esperança. Será que algum medo estaria impulsionando ou estaria acentuando a falta de esperança? Os conselhos que daremos e como caminharemos nas Escrituras depende da questão que está na raiz do problema.

Uma parte significativa do aconselhamento bíblico é dar esperança e levar o adolescente à Palavra de Deus por meio de tarefas práticas que visam o coração. O adolescente é especialmente perspicaz no  discernir falsas esperanças ou banalidades. Quando ele está deprimido, dizer-lhe que “vai melhorar” ou que “poderia ter sido pior” é uma maneira de desencorajá-lo ainda mais. Em vez disso, rompa o isolamento com um convite para que busque a Cristo e a comunhão com outros. Lide com a vergonha mostrando a graça do evangelho. O objetivo da comunhão com outros e do discipulado precisa ser mais do que o conhecimento da Bíblia. Dito isto, ensiná-lo a orar biblicamente, a ver como a Bíblia dá direção e pode ser aplicada, e a aconselhar biblicamente a si mesmo são aspectos que promovem transformação (Rm 12.1, 2).

Fazer com que o adolescente leia em Salmos durante todo o período do aconselhamento ajuda, muitas vezes, para que ele abra seus olhos e ganhe esperança  à medida  que percebe que pode expressar dúvidas, clamores e até frustrações. Em vez de olhar em volta e fixar os olhos nas circunstâncias, ele pode buscar a Deus e expressar seus medos e o desânimo. Ensinar um adolescente a levar seu lamento a Deus é uma maneira de ajudá-lo a ver o quanto Deus, na verdade, está atento e é paciente com relação a ele.

Ajude a família a saber como reagir
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que se veja que a excelência do poder provém de Deus, não de nós. Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; ficamos perplexos, porém não desanimados; somos perseguidos, porém não abandonados; somos derrubados, porém não destruídos. (2Co 4.7-9)

O estigma do suicídio é real e precisa ser mencionado de maneira que ajudemos as pessoas a caminhar da vergonha em direção ao testemunho da graça de Deus. A família precisa estar cercada por uma comunidade sábia e atenciosa. Mesmo após a família entender os fatores de risco, saber como conversar sobre suicídio com o filho adolescente e como obter ajuda, ela pode precisar de conselhos e cuidados contínuos da igreja local. A tendência é dar assistência na crise e depois perder o contato. Incentive os membros da família a falar abertamente sobre seus temores e o sentimento de estar sobrecarregados. Diga-lhes que seus sentimentos são normais (1Co 10.13), mas que Deus é fiel. O aconselhamento dará atenção, frequentemente, a recuperar um relacionamento aberto com os filhos adolescentes, estabelecer limites saudáveis e ter boa comunicação e bons hábitos em casa.

Perguntas para reflexão
— Como você pode se mais sensível no envolvimento de um adolescente para se conectar com ele quando você percebe que ele está lutando com pensamentos suicidas?
— Como você pode usar os salmos e outros textos bíblico para ajudá-lo a levar seus lamentos a Deus de  maneira a produzir uma esperança mais profunda em Cristo?


Garrett Higbee é responsável pelo cuidado pastoral em Great Commission Collective, um movimento de plantação de igrejas com mais de 100 igrejas ao redor do mundo. Ele também é o presidente e fundador do Twelve Stones Ministries em Brown County, Indiana. É conselheiro, professor e treinador de conselheiros com mais de 30 anos de experiência. Inicialmente formou-se como psicólogo clínico especializado em aconselhamento matrimonial e familiar, mas sua conversão em 1992 que o levou a confiar radicalmente em Cristo e em Sua Palavra para todas os aspectos relacionados à vida e o aconselhamento. Na última década, ele desenvolveu um modelo altamente eficaz de discipulado e cuidado da alma, baseado na igreja local de acordo com Efésios 4, envolvendo todos os crentes. Garrett Higbee é membro do conselho fundador da Biblical Counseling Coalition e atua como consultor, palestrante em conferências e autor colaborador em vários livros de aconselhamento bíblico. Ele se dedica a equipar membros e líderes de igrejas, realizando treinamentos que abrangem do discipulado intencional ao intensivo.



Original: Counseling Suicidal Youth
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition. Traduzido com autorização.
Tradução e adaptação: Conexão Conselho Bíblico


[1] NdT. No Brasil, você encontra informações úteis neste artigo do Ministério da Saúde: http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/suicidio