O campo da vontade de Deus para suas decisões

Pedro H. Vercelino

Fique dentro das quatro linhas-limite
Ao longo da história bíblica no Antigo Testamento, Deus se revelou e revelou a Sua vontade de diversas maneiras ao Seu povo. Por vezes, Ele falou audivelmente (Gn 3.9), outras vezes revelou Sua vontade por meio de lançar sortes (Js 18.6), por meio dos profetas (Dt 18.14-16), por meio de sonhos (Gn 37ss.), sinais (Jz 6) e outras formas mais. Entretanto, quando chegamos no Novo Testamento, após a escolha de Matias (At 1.12-26) e a vinda do Espírito Santo em Atos 2, nenhuma dessas formas é vista novamente como uma maneira de Deus direcionar Seu povo para a tomada de decisões específicas. Fica então a pergunta: Como os cristãos podem tomar decisões de acordo com o que Deus espera deles se Deus aparentemente não revela mais Sua vontade de forma tão clara como fazia na antiguidade?  A resposta é objetiva: observando o que Ele fala sobre Sua vontade para nós no Novo Testamento. Pelo menos quatro vezes os autores bíblicos declaram a vontade de Deus para nós cristãos e essas quatro declarações explicitas formam aquilo que quero chamar de quatro linhas-limite do “campo da vontade de Deus” onde nós atuamos como jogadores dentro dos limites estabelecidos por Ele.

Da mesma forma que quatro linhas-limite delimitam um campo de futebol e limitam as escolhas de ação de um jogador que deve atuar de acordo com as regras do jogo, as quatro linhas-limite do “campo da vontade de Deus” oferecem para nós um ambiente para que vivamos a vida cristã com liberdade de acordo com a vontade de Deus. [1}

1- A Linha da Santificação: Deus deseja nosso caráter santo.
A vontade de Deus é que vocês sejam santificados: abstenham-se da imoralidade sexual. (1Ts 4.3)

Paulo deixa claro aos Tessalonicenses que aquilo que Deus requer deles é uma vida de santidade, isto é, de total consagração a Ele, separada da maldade e impureza do mundo e, por isso, eles não deveriam se envolver com a imoralidade sexual que era comum do mundo greco-romano daquela época.

Apesar de Paulo aplicar o conceito de santidade à área da sexualidade em 1Tessalonicenses, o princípio é muito mais abrangente e está vinculado com o caráter do próprio Deus. Ele é Santo e por isso, Seu povo precisa refletir isso em seu modo de vida (Lv 20.7; 1Pe 1.15).

Deus não deseja nada que seja impuro, impróprio ou imoral para Seu povo, nada que seja pecaminoso faz parte da Sua vontade para nós. Essa é a primeira linha-limite, a linha da santificação. Por isso, ao se perguntar se algo faz parte da vontade de Deus para você nos seus relacionamentos, na carreira que você deseja seguir ou no trabalho que pretende aceitar, comece por perguntar: “Isso comprometerá minha santidade? Essa decisão leva em conta a santidade que Deus requer de mim? Tudo o que positivamente promove ou é alcançado com a busca da santidade, faz parte da vontade de Deus para você, independentemente da decisão que você tomar.

2- A Linha da Devoção: Deus deseja nossa busca por Ele, quer em público, quer no privado.
Alegrem-se sempre. Orem continuamente. Dêem graças em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus. (1Ts 5.16-18)

Na mesma carta aos Tessalonicenses, na porção final e próximo à conclusão, o apóstolo Paulo fornece uma série de ordens aos cristãos de Tessalônica a respeito dos relacionamentos na comunidade e no culto (1Ts 5.12-22). Dentro dessas ordens específicas, ele diz que os cristãos devem sempre estar alegres, constantemente orando e gratos a Deus em quaisquer circunstâncias (5.16-18). Ao final dessas três ordens, Paulo acrescenta “porque essa é a vontade de Deus” (5.18b), ou seja, tudo isso é o que Deus deseja. O interessante é que todas essas ordens de Paulo estão no plural e no contexto de orientações a respeito do culto, e todas elas são dirigidas a Deus. Os cristãos devem estar alegres por causa do seu relacionamento com Deus possibilitado por sua união com Jesus (v.18b). Eles devem constantemente buscar a Deus em oração e ter um coração grato a Deus, independentemente das circunstâncias que estiverem vivendo, porque isso é o que Deus requer deles.

Essa busca por Deus em comunidade é uma das maneiras pelas quais Deus demonstra Sua vontade para Seus filhos no Novo Testamento. Portanto, quando buscamos a vontade de Deus para nossa vida, devemos levar em conta que quaisquer decisões que tomemos favoreçam nossa devoção pessoal a Deus e a oportunidade de servir a Deus no ambiente da igreja.

Ao tomar decisões futuras, pergunte a si mesmo se essa decisão valoriza seu relacionamento com Deus, se ainda possibilita você ter tempo de oração, se lhe dá condições de continuar servindo no contexto da sua igreja local e se não é um ataque direto ao seu relacionamento com Deus.

Alegria, oração e ação de graças eram prioridades de Paulo (1Ts 3.9,10) no seu relacionamento com Deus e com os irmãos, e devem ser prioridades também para nós, pois essa é a vontade de Deus. Tudo o que positivamente promove a devoção pessoal a Deus e a comunhão cristã, e é alcançado por meio da piedade, faz parte da vontade de Deus para você, independentemente da decisão que você tomar.

3- A Linha da Salvação: Deus deseja a salvação dos perdidos e nós devemos colaborar com isso.
Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. (1Tm 2.3, 4)

Ao instruir Timóteo a respeito das suas responsabilidades como ministro, e instruir a igreja na adoração ao Senhor, Paulo fala sobre a importância da oração e intercessão por todos, especialmente por aqueles que exercem autoridade (1Tm 2.1, 2). Isso agrada a Deus (2.3), pois Ele deseja a salvação de todos (2.4a), inclusive dos líderes e autoridades do povo. Essa salvação, porém, só é possível se eles conhecerem a verdade (2.4b) de que só existe para os homens um único acesso a Deus, que é Jesus Cristo que se entregou como resgate por causa dos pecados dos homens (2.5, 6).

Paulo conclui dizendo que ele foi chamado por Deus para apresentar essa verdade aos gentios que nela devem crer, sejam eles os líderes, sejam as autoridades ou qualquer outro homem, uma vez que Deus deseja a sua salvação (2.7).

Qual a relação, então, da vontade de Deus de salvar os pecadores com a nossa vida cristã e nossas decisões pessoais? Assim como Paulo, precisamos tratar a evangelização de todos como uma prioridade. Faz parte da vontade de Deus que nós nos envolvamos com a Sua missão de salvação no mundo, fazendo parte desse processo como proclamadores da verdade de Deus.

Considere como parte da sua vocação cristã o seu papel de embaixador de Cristo no mundo para ser um ministro da reconciliação dos pecadores com Deus (2Co 5.11-21). Ao tomar uma decisão futura, pense como essa decisão colabora para suas oportunidades de evangelizar, seu contato com não cristãos, suas oportunidades de testemunhar de Cristo em ambientes nos quais poucos têm a mesma oportunidade.

A salvação dos perdidos faz parte da vontade de Deus, e o nosso envolvimento com a missão também faz (Mt 28.18-20). Tudo o que positivamente promove a evangelização dos perdidos, sem distinção, faz parte da vontade de Deus para você, independentemente da decisão que você tomar.

4- A Linha da Prática do Bem: o Evangelho traduzido na vida diária.
Pois é da vontade de Deus que, praticando o bem, vocês silenciem a ignorância dos insensatos. (1Pe 2.15)

O apóstolo Pedro escreveu sua carta para uma comunidade de cristãos espalhados (1.1), que provavelmente sofriam com a perseguição (1.6; 2.12; 3.13, 14); por isso,  ao longo de toda a carta, ele oferece instruções sobre como eles deveriam viver em uma sociedade que era hostil ao cristianismo.

O apóstolo Pedro havia dito no verso 12: “Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, mesmo que eles os acusem de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção”. Aparentemente, Pedro usou palavras parecidas com as de Jesus no Sermão da Montanha ao falar da necessidade dos discípulos serem luz no mundo ao representarem Jesus no mundo por meio do caráter.

Ao orientar seus leitores sobre como eles deveriam proceder em relação aos governos e seus governantes, Pedro diz que os cristãos deveriam se sujeitar às autoridades (2.13) e viver praticando o bem, para que eles não sofressem com a oposição dos insensatos (2.15b). Essa, diz Pedro, era a vontade de Deus para eles.

A vontade de Deus para as pessoas que vivem em um mundo de hostilidade ao cristianismo é que elas sejam irrepreensíveis em suas ações, de uma maneira que constranja as pessoas a sua volta com o poder do evangelho. Isso é o que Deus espera de nós também, essa é Sua vontade para nós.

Como as decisões do futuro servirão de bom testemunho da sua fé nos ambientes em que você estiver? É da vontade de Deus a prática do bem e a representação do evangelho em cada área da vida e, por isso, priorize escolhas e decisões que visam o bem dos outros, que visam a transformação da sociedade, a submissão às autoridades e o respeito pelas pessoas a sua volta. Tudo o que positivamente promove ou é alcançado com a prática do bem faz parte da vontade de Deus para você, independentemente da decisão que você tomar.

Conclusão
Se você encarar a vida cristã e as decisões que precisa tomar dentro dessas quatro “linhas-limite” da vontade de Deus, tudo o que você decidir — e que de alguma forma leve em conta a sua santidade, a salvação dos perdidos, a pratica do bem e a devoção a Deus — será, consequentemente, a vontade de Deus para você, mesmo que as opções pareçam antagônicas como escolher entre cursar Medicina ou Design Gráfico, trabalhar em uma multinacional ou em um empreendimento próprio.

Existe liberdade para escolha dentro da vida cristã, e Deus nos guia com sabedoria por meio dos princípios de Sua Palavra para que tomemos decisões acertadas. É escravizador, porém, achar que Deus tem que revelar Sua vontade específica para cada um de nós nos mínimos detalhes em cada área de nossa vida uma vez que Ele já nos deu a Sua Palavra.

A vontade de Deus está expressa de maneira específica e clara nos versículos que acabamos de ver, mas nós temos mais liberdade dentro dela do que achamos ter. Quando ficamos presos em dúvidas a respeito do nosso futuro, muitas vezes, por mais que digamos que estamos preocupados com “cumprir a vontade de Deus”, estamos na verdade preocupados com evitar o nosso próprio sofrimento.

Por  observar a vida de pessoas a sua volta, você já tem a convicção de que decisões e escolhas erradas trazem dor e consequências ruins. Diante disso, você acha que é melhor transferir a responsabilidade de suas decisões para Deus e, em lugar de tomar decisões por si mesmo de acordo com a Palavra dEle, você fica parado à espera da “vontade específica de Deus”,  pois se as consequências ruins vierem, você terá alguém para culpar.

Jogue com liberdade dentro do “campo da vontade de Deus”, siga os mandamentos dEle e tudo o que você fizer em campo será aprovado por Ele para você.


[1] Nessa metáfora do campo de futebol, sou devedor a autores que já a usaram antes de mim e, mais recentemente, aos amigos David Merkh e Sacha Mendes que a usam no seu livro O Namoro e o Noivado que Deus Sempre Quis, p. 122-128.


Pedro H. Vercelino é bacharel em Teologia com ênfase em Educação Cristã pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida em Atibaia (SP), onde também completou a especialização em Aconselhamento Bíblico. É coordenador acadêmico do Curso de Liderança e Discipulado (CLD) da Palavra da Vida Sudeste, atua como professor de Novo Testamento e Interpretação Bíblica no CLD e é professor de Grego no Seminário Bíblico Palavra da Vida. Pastor de Juventude na Igreja Cristã Evangélica Betel, em São Paulo. É conselheiro associado da Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos (ABCB).