Elisa Bentivegna da Silva
Se você não leu a parte 1 sobre a história de Raquel, veja aqui antes de prosseguir.
Séculos depois de Raquel, outra mulher viveu uma circunstância muito parecida. Seu nome era Ana e sua história pode ser encontrada em 1Samuel 1. Ana era casada com Elcana, que também era marido de Penina. Penina tinha filhos. Ana, não. Todos os anos, essa família israelita tinha o costume de viajar para Siló, onde ficava o santuário central, para oferecer sacrifícios ao Senhor. Esses sacrifícios eram acompanhados de uma refeição que celebrava a comunhão com o Senhor e a gratidão pelas Suas misericórdias.
Durante essas ocasiões festivas, a tristeza de Ana por causa de sua esterilidade era ainda mais cortante. Sua rival, Penina, conseguia deixar tudo pior, é claro. Penina provocava Ana continuamente apenas para irritá-la. O resultado? Ana chorava e não comia. Nossos problemas podem ser diferentes, mas talvez muitas de nós entendemos o que é estar tão triste a ponto de ter o apetite alterado seja para menos, seja para mais.
Elcana procurava consolar Ana, a quem ele amava. Enquanto dava uma porção para Penina e cada um de seus filhos e filhas, a Ana dava uma porção dupla. Ele perguntava: “Ana, por que você está chorando? Por que não come? Por que está triste? Será que eu não sou melhor para você do que dez filhos?”.
Talvez o carinho do marido pudesse trazer algum alívio, mas não era capaz de curar a profunda dor interior de Ana. Só havia um que era poderoso o suficiente para isso. E foi a Ele que Ana recorreu.
Certa vez quando terminou de comer e beber em Siló, estando o sacerdote Eli sentado numa cadeira junto à entrada do santuário do Senhor, Ana se levantou e, com a alma amargurada, chorou muito e orou ao Senhor. E fez um voto, dizendo: “Ó Senhor dos Exércitos, se tu deres atenção à humilhação de tua serva, te lembrares de mim e não te esqueceres de tua serva, mas lhe deres um filho, então eu o dedicarei ao Senhor por todos os dias de sua vida, e o seu cabelo e a sua barba nunca serão cortados” (1Sm 1.9-11).
Ana recorreu ao Senhor dos Exércitos, um termo que ressalta o poder e a soberania de Deus sobre tudo e todos. Ela derramou diante dele o seu coração, a sua alma amargurada, chorando e orando, mas fez isso com humildade, não com arrogância. Sua oração não foi de exigencia, e sim um clamor. O sacerdote Elias, que presenciou sua aflição e petição, lhe disse: “”Vá em paz, e que o Deus de Israel lhe conceda o que você pediu” (1Sm 1.17).
Ana “seguiu seu caminho, comeu, e seu rosto já não estava mais abatido” (1Sm 1.18). Espere um pouco. Você reparou no que esse trecho bíblico diz? Ana conseguiu comer e o seu rosto já não estava mais abatido. Mas as circunstâncias não haviam mudado significativamente. Ela ainda não tinha um filho nos braços. Ela sequer estava grávida. O que causou tamanha mudança em seu rosto, apetite e, em especial, em seu coração?
Ana havia estado diante do Senhor. Ela havia colocado sua tristeza diante do nosso Deus soberano e amoroso, e ela confiava no Seu poder e Sua bondade. Nós também podemos derramar o coração diante de Deus e confiar que Ele nos dará o que é mulhor para nós. Mesmo sem ter ainda o que havia pedido, Ana já estava mais tranquila.
A história de Ana me faz lembrar do texto de Filipenses 4.6, 7: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus”.
A promessa de paz não significa que receberemos tudo o que pedirmos. Trata-se de uma paz que excede o entendimento – ou seja, paz mesmo em meio a situações que não levariam naturalmente à paz. Paulo explica que o caminho para tal paz é entregar a Deus as nossas preocupações, com súplicas e ação de graças. Não foi isso que Ana fez?
Algum tempo depois, o bebê de Ana chegou. Ela lhe deu o nome de Samuel, dizendo: “Eu o pedi ao Senhor”. Ana reconheceu que seu filho era uma bênção de Deus e cumpriu fielmente o voto que havia feito de entregá-lo ao Senhor. No segundo capítulo de 1Samuel, podemos ler um cântico de Ana ao Senhor, em que ela expressa sua gratidão e reconhece a soberania divina. Quando Ana recebeu o que tanto queria, ela não se orgulhou nem ficou insatisfeita, pedindo mais. Ela simplesmente adorou o doador da bênção.
Você percebeu a diferença entre Raquel e Ana? As circunstâncias eram bastante semelhantes. As atitudes de uma e de outra, porém, foram radicalmente diferentes e evidenciam que as circunstâncias não podem nos obrigar a agir de determinada maneira.
Podemos não ser capazes de controlar as circunstâncias, mas elas não precisam nos controlar. A verdade é que podemos confiar em um Deus sábio, amoroso e soberano para controlar todas as circunstâncias de nossa vida. A alegria, a paz e a estabilidade vêm de acreditar que cada circunstância que envolve nossa vida foi previamente filtrada por seus dedos amorosos e faz parte de um grande e eterno plano que ele está realizando neste mundo e em nossa vida.[1]
A tristeza, a angústia, o desejo não atendido, a espera prolongada, a dor – tudo isso pode ser muito real! No entanto, se somos filhas de Deus, redimidas pelo sangue de Jesus, temos uma escolha a fazer. Não precisamos mais ser controladas por nossas exigências idólatras e pecaminosas. Pela graça de Deus, que nos capacita, podemos e devemos nos arrepender e abrir mão dos nossos ídolos. Em meio ao sofrimento, podemos e devemos nos voltar ao Único Deus, Àquele que tem realmente poder para mudar não só as circunstâncias, mas o nosso coração: o Senhor dos Exércitos. É em Cristo, e não meramente em uma mudança de cenário, que encontraremos a paz pela qual tanto ansiamos.
[1] WOLGEMUTH, Nancy DeMoss. Mentiras em que as mulheres acreditam e a verdade que as liberta. São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 217.
Elisa Bentivegna da Silva é formada em jornalismo e também no Curso de Liderança e Discipulado (CLD) da Organização Palavra da Vida. É autora de Rumo ao Altar: conselhos para noivas.
Artigo publicado originalmente em Jovem Crente. Material republicado com autorização.