Evangelismo no aconselhamento?

Stefan Nitzschke

Talvez uma das passagens bíblicas mais sérias para o cristão levar em conta seja João 15.5, quando Jesus diz a Seus discípulos: “Sem mim vocês não podem fazer nada”.

Sem Ele, não podemos fazer nada.

É particularmente humilhante considerar as implicações desta declaração com relação ao aconselhamento bíblico. Sou chamado a usar a palavra de Deus para o ensino, a repreensão, a correção e a educação (2Tm 3.16), mas fora da obra de Cristo na vida de um aconselhado, esse é um esforço infrutífero (Fp 2.12, 13).

O aconselhado não convertido a Cristo

Considere o cenário comum de um descrente que o procura para aconselhamento. Que esperança ele pode ter? Romanos 8.8 diz: “os que estão na carne não podem agradar a Deus”. Se a obra de Jesus é absolutamente necessária para que um cristão cresça e mude, de que servirá o aconselhamento para o descrente?

Encontramos esperança para esta situação em 2Timóteo 4. Paulo enfatiza novamente o papel das Escrituras ao dizer para Timóteo: “Pregue a palavra, insista, quer seja oportuno, quer não, corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina” (2Tm 4.2). Ao mesmo tempo, ele continua a ordenar a Timóteo: “Mas você seja sóbrio em todas as coisas, suporte as aflições, faça o trabalho de um evangelista, cumpra plenamente o seu ministério“ (2Tm 4.5, ênfase adicionada).

A ministração adequada da Palavra de Deus inclui necessariamente o evangelismo. O aconselhamento não é exceção.

Um dilema do aconselhamento

Uma teologia adequada do processo bíblico de mudança pressupõe a obra do Espírito Santo como necessária (Ef 4.23). O conselheiro é desafiado, então, em duas questões. A primeira questão  é uma realidade teológica: quem não está em Cristo não tem o Espírito (Rm 8.9). A segunda questão é prática: inevitavelmente, deixar sem solução os problemas que um aconselhado descrente lhe apresenta — as razões pelas quais ele declara que o procurou — acabará por afastá-lo rapidamente. Em outras palavras, se você falar somente sobre a necessidade real de aceitar a Cristo como Salvador, e não se dirigir às lutas do aconselhado, a maioria das pessoas não fará naturalmente a conexão entre suas lutas atuais e sua hostilidade para com Deus.

Qual é a solução? Minha sugestão é uma abordagem tripla.

1- Evangelize

Paulo exortou Timóteo a fazer “o trabalho de um evangelista” (2Tm 4.5). Se você estiver trabalhando com alguém que não conhece Jesus, proclame destemidamente o evangelho e a necessidade de um Salvador (Rm 1.16). O Senhor, em Sua providência, deu a você a oportunidade de ministrar as boas novas a uma pessoa que precisa desesperadamente delas.

Chame o aconselhado ao arrependimento de seus pecados (At 4.10-12). Lembro-me, em particular, de um casal com quem trabalhei. A esposa era uma crente fiel, mas o marido não. Perto do final do processo de aconselhamento, eu estava investindo uma média de 20 minutos a cada encontro procurando orientá-lo para o evangelho e mostrando-lhe Romanos 10.9: “Se com a boca você confessar Jesus como Senhor e em seu coração crer que Deus o ressuscitou dentre os mortos, você será salvo”. Infelizmente, ele nunca recebeu  a Cristo como Salvador durante o tempo em que estivemos juntos, e eu ainda oro por ele quando ele me vem à mente.

Evangelizar seu aconselhado descrente lida com a realidade espiritual de que ele está separado do Deus santo e que sua necessidade primária é o perdão de Cristo.

E as questões práticas?

2- Aconselhe

Depois que Paulo disse a Timóteo “corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina”, ele continuou a descrever a natureza das pessoas que, sem dúvida, não conhecem a Cristo (versículos 3 e 4). Paulo não muda seu ordem sobre como pregar a palavra a esse grupo. Aqueles que ensinam a Palavra,  e os conselheiros estão incluídos nisso, são chamados a ministrar igualmente as Escrituras e prover aplicações práticas aos seus ouvintes (Marcos 10.17-22, Lucas 11.28, Romanos 2.13).

Mostre ao  seu aconselhado descrente as soluções bíblicas para a ira, a lascívia, as finanças, a depressão, o adultério e por aí adiante. Mostre onde ele está pecando contra Deus e outros em uma área específica, enquadre-o biblicamente e chame-o ao arrependimento. Mostre-lhe que o caminho de Deus é indiscutível em todas as facetas da vida (2Pe 1.3). Dê atividades práticas que o levem a adotar práticas bíblicas.

Se Deus o permitir, Jesus se tornará atraente para ele pelas razões certas. Além disso, ele continuará a querer se encontrar com você à medida que a Palavra de Deus se mostrar aplicável à sua vida. Isso por si só abrirá caminho para continuar a pregar o evangelho.

Mas o que fazer se ele voltar a você, mas disser que “essas coisas não estão funcionando” para ele?

3-  Use a frustração

Eu costumava trabalhar num projeto que oferecia reforço escolar para alunos em minha cidade. A vida doméstica daquelas crianças variava de estável a totalmente desestruturada, resultando em uma ampla gama de comportamentos. Isso não nos impediu de ter um conjunto regras baseadas em princípios bíblicos, que esperávamos que todos as crianças que estavam sob nossos cuidados seguissem. Várias se saíram muito bem com as regras; outras não.

Lembro-me de uma menina, vamos chamá-la de “Bia”, que era encaminhada com frequência ao meu escritório depois de violar regra após regra. Para crédito de Bia, ela tentava honestamente seguir nossos princípios, mas ela simplesmente falhava vez após vez.

Certa tarde, ela foi enviada ao escritório mais uma vez para conversar sobre uma violação de regra. Outro pastor e eu lhe perguntamos o que estava acontecendo, e ela exclamou: “Eu não consigo fazer o que vocês estão me pedindo para fazer!”

Nossa resposta? “Isso mesmo, você não consegue. Você está procurando obedecer às regras, mas acaba obedecendo à Bia todas as vezes. Você precisa começar a obedecer a Jesus.”

Isso foi o suficiente para convencer sua mente de 8 anos de idade de que ela precisava de Jesus. Pela graça de Deus, ela se submeteu ao senhorio de Cristo e aceitou naquele dia Seu perdão.

É verdade que os aconselhados precisam do Espírito Santo para concretizar uma mudança, e isso só está disponível por meio da salvação (Ef 1.13, 14). Quando o aconselhado descrente inevitavelmente falhar, use isso como uma oportunidade para mostrar humildemente a incapacidade que ele tem de obedecer, mas mostre também o perdão em Cristo. Em seguida, fale sobre a obra capacitadora do Espírito de Deus na vida do crente (Rm 8.13).

Utilize a frustração do aconselhado. Use qualquer meio piedoso necessário para conduzi-lo a Cristo (1Coríntios 9.22, 23).

Fácil como um, dois, três…

É bem simples sugerir um processo em três etapas para ganhar seu aconselhado para Jesus. A implementação e eficácia não são tão simples assim.

Seja sábio no conduzir seu relacionamento com um aconselhado descrente. Pode ser que você descubra que ele é receptivo e quer ouvir mais sobre Jesus, embora ele o tenha procurado por outro motivo. Você pode, então, concentrar-se em ensinar sobre Jesus (Atos 8.26-35). Por outro lado, pode ser que você descubra que precisa ser muito mais estratégico na pregação do evangelho (Atos 17.22-34).

Não só isso, mas vamos lembrar que somos chamados a ser mensageiros das boas novas de Cristo. Não somos responsáveis pelo resultado. Em outras palavras, o mensageiro simplesmente transmite a notícia, não é ele quem a estabelece nem é ele o responsável final pela resposta de seu ouvinte (1 Coríntios 3.5-7). Não desanime se você estiver ministrando fielmente ao seu aconselhado e ele não aceitar a Cristo, e não acontecer mudança naquela vida. Lembre-se de que sem Cristo, nada podemos fazer (João 15.5). O processo bíblico de mudança não acontece sem Cristo.

Faça humildemente o trabalho de um evangelista e não abandone essa tarefa no contexto do aconselhamento.


Stefan Nitzschke faz parte da equipe pastoral da Faith Church em Lafayete, IN. Ele e sua esposa têm paixão pelo discipulado e evangelismo.


Original: Counseling As Evangelism
Publicado em Counseling with Confidence and Compassion – Faith Biblical Counseling
Tradução: Carla Silva
Revisão e adaptação: Conexão Conselho Bíblico