Preso em hábitos prejudiciais

Jocelyn Wallace

Nossa vida é composta de milhões de escolhas. Muitas dessas escolhas nunca são avaliadas. Fazemos o que fazemos porque é assim que sempre funcionamos, porque aprendemos com nossa família ou porque essa é a cultura do nosso ambiente de trabalho ou da nossa igreja. Podemos parar para pensar sobre as decisões da vida que são realmente grandes como uma mudança de casa, uma escolha de carreira, a mudança de emprego ou uma grande aplicação financeira. No entanto, muitas de nossas escolhas na vida diária acontecem sem uma avaliação mais cuidadosa.

As escolhas estão ligadas ao que valorizamos

A Bíblia nos ensina a ser especialmente cuidadosos com nossas escolhas porque elas demonstram o que amamos. Lemos em 1João 5.3: “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos. E os seus mandamentos não são difíceis de guardar”. As escolhas que fazemos ao longo dos dias devem refletir nosso amor a Deus, concordando com obedecer aos mandamentos que Ele nos deu nas Escrituras e sabendo que isso é bom para nós. Todos os homens foram criados por Deus e para adorar a Deus, mas todos, a começar por Adão no jardim do Éden e chegando até você e eu, rejeitaram o Seu amor e decidiram viver sem sabedoria e fora da autoridade divina para definir o que é certo e bom. Aqueles que aceitaram a morte de Cristo como sacrifício para cobrir seus pecados receberam nova vida[1] e, com ela, a capacidade de fazer escolhas baseadas na justiça e na verdade de Cristo.[2] A gratidão a Cristo por Sua salvação e perdão leva a um novo desejo de fazer escolhas todos os dias com base no amor por Ele.[3]

As escolhas se transformam em hábitos

As escolhas praticadas ao longo do tempo transformam-se em ações habituais para as quais não precisamos mais pensar. O fato de sermos guiados por hábitos é útil e de grande ajuda no dia a dia. Não precisamos pensar em cada pequena ação que fazemos todas as vezes em que a fazemos, como, por exemplo,  abotoar uma roupa ou escovar os dentes. É importante, porém, lembrar que nossos hábitos não acontecem aleatoriamente. Pelo contrário, eles são o resultado natural do que acreditamos, de como pensamos e como vemos o mundo. O que acontece dentro de nós leva àquilo que fazemos. E aquilo que fazemos repetidamente leva aos hábitos que adotamos quase sem saber.

Os hábitos nascem da cosmovisão

Os hábitos úteis e frutíferos na vida do cristão desenvolvem-se a partir de uma visão de mundo centrada em Deus e no evangelho. Quando eu creio que fui criado por e para Deus, para ser amado por Des e amar a Deus, adorando somente a Ele, desfrutando de comunhão com Ele, sendo um representante fiel de Deus para o mundo ao meu redor, meu foco estará em decisões que resultarão em bênção nas minhas diferentes áreas de responsabilidade.[4] Minha maneira de pensar estará alinhada com a verdade de que sou responsável perante Deus, que é o meu Criador, minha mente estará cheia com Sua Palavra e crerei que tudo aquilo que Ele me diz é certo e bom.[5]  Minha visão será de que este é o mundo de Deus, Ele é o Rei, e eu posso viver em Seu mundo para Ele.[6] É por causa de todas essas verdades que uso meu corpo de forma sensata, considerando que meu corpo e meu comportamentos são veículos para desfrutar de Deus e abençoar Seu mundo. É incrível pensar que meu corpo, embora frágil,[7] pode ser útil para Deus e canal de benefícios para aqueles que me rodeiam.[8] Com essa verdade em mente, tenho muito cuidado com o que me permito ver e fazer, porque meu corpo é facilmente propenso a hábitos[9] e, provavelmente, ficará fascinado por prazeres deste mundo.[10]

Por outro lado, os hábitos nocivos e destrutivos se formam a partir de uma visão de mundo humanista na qual o único objetivo é sobreviver a uma vida aleatória como senhor de seu próprio reino e agente livre, independente de qualquer Criador ou propósito. Se eu acreditar que sou um ser independente que foi trazido à existência pelo acaso da evolução, estarei disposto a seguir qualquer deus que me sirva e me dê o que eu quero. Vou ver a mim mesmo como dono do meu próprio destino, e meus sentimentos ditarão o que penso com base em minhas próprias definições de certo e errado.[11] Se não houver uma verdade objetiva, sou responsável apenas por mim mesmo e verei este mundo como um lugar de forças hostis e conflitantes em que apenas os mais aptos sobrevivem. Vou me comportar como um animal movido por instintos, dependente de impulsos dentro de mim, que estão fora do meu controle. Meu único objetivo será o prazer e, como isso é o melhor que posso ter, farei qualquer esforço para aproveitá-lo ao máximo.[12] Como meu corpo me pertence, vou usá-lo para eu ser feliz e vou usar meu poder e controle para conseguir o que quero. Vou rir com desprezo diante de qualquer autoridade que procure me controlar.[13]

A mudança permanente de hábitos é possível

Os hábitos prejudiciais que se desenvolvem a partir da visão de mundo humanista podem mudar! Mas o processo não será simplesmente esforçar-me ao máximo para parar de fazer o que é culturalmente menos aceitável e começar a fazer algo que é culturalmente mais aceitável. A raiz dos problemas com os quais a pessoa humanista luta não é que estar apenas ligeiramente fora dos padrões aceitos culturalmente. O problema é bem mais profundo, e somente o evangelho pode trazer nova vida a alguém que está morto em seus hábitos de injustiça. Por que essa pessoa continua a fazer coisas destrutivas? Porque ela não tem capacidade para fazer algo diferente.[14] O primeiro passo para a verdadeira mudança duradoura só pode ser dado por uma pessoa cujo coração foi vivificado pela misericórdia de Jesus, pela graça, por meio da fé.[15] 

Quando alguém tem a nova vida que Cristo nos dá, essa pessoa é capaz de começar a lidar com os hábitos que nasceram de sua visão de mundo humanista e começar a ter sua mente transformada de maneira que a leve a fazer escolhas em obediência a Deus.[16]  Quando nossa mente é transformada e passar a crer que aquilo que Deus disse nas Escrituras é a verdade, nossa maneira de pensar e ver o mundo começa a ser cada vez mais consistente com o que Deus nos diz que é certo e bom. Nossas escolhas comportamentais e, portanto, os hábitos que se formam, têm por base essa nova visão. Quando aprendemos o quanto Deus nos ama, nós respondemos em amor, fazendo escolhas que agradam a Deus.

Andando na verdade: conselhos para o conselheiro

Ao ajudar um aconselhado que está lutando para abandonar hábitos prejudiciais e aprender a aplicar a verdade de Deus habitualmente, lembre-se de que você não está sozinho e que outros relacionamentos dentro da igreja podem ajudá-lo. Gosto muito de ter um mentor ou discipulador do aconselhado sentado ao lado dele nos encontros de aconselhamento para que ele o ajude na prestação de contas durante a semana. 

Nada pode substituir a verdade que é entregue por meio da pregação e do ensino da Palavra de Deus e, portanto, é importante que o seu aconselhado frequente regularmente uma igreja que crê na Bíblia e a ensina com fidelidade, e também pertença a um grupo pequeno de comunhão e estudo bíblico. 

É sábio ajudar seu aconselhado a pensar em meios pelos quais as crenças não bíblicas disfarçadas de verdade são transmitidas e o influenciam como, por exemplo, as mídias sociais, a televisão e o cinema, as artes, as amizades e mesmo os conteúdos didáticos. Para a maioria das pessoas, aprender a andar de acordo com a nova vida em Cristo e ser influenciado pela verdade encontrada na Palavra de Deus será suficiente para começar a ver mudanças drásticas em hábitos prejudiciais. Em alguns casos, os hábitos errados já se tornaram uma parte arraigada da vida, mas as conversas no contexto do aconselhamento bíblico podem ajudar a entender onde a mudança e o crescimento precisam acontecer.

Ferramentas para promover a mudança

Como muitos de nossos hábitos acontecem sem pensar muito, você pode achar útil pedir ao aconselhado para fazer um diário de pensamentos. Por um determinado período de tempo, incentive-o a anotar tudo o que pensa, especialmente nos momentos em que acontecem os hábitos que precisam mudar. Ajude seu aconselhado a examinar os pensamentos que estão conduzindo suas ações para que el possa avaliar quem ou o que ele está amando mais do que a Deus, o que ele acredita e pensa, e sua maneira de ver o mundo.

Você também pode usar uma variedade de atividades planejadas para ajudar seu aconselhado a pensar naquelas situações que o desafiam. A folha de atividade Pensar, Querer, Fazer  tem sido útil para ajudar os aconselhados a parar e processar o que estaõ fazendo quando são tentados a repetir seus hábitos, descobrindo assim por que eles fazem determinada escolha em determinado momento. A folha de atividade Visão de Mundo ajuda o aconselhado a examinar seu comportamento, como ele vê o mundo, o que ele está pensando e em que verdade está acreditando.[17] 


Jocelyn Wallace foi diretora executiva do centro de tratamento residencial Vision of Hope no campus de Faith Ministries até 2013. Sua experiência no aconselhamento bíblico vem desde 2002 e inclui ministérios em organizações para-eclesiásticas e na Faith Biblical Counseling Ministries.


[1] 2Co 5.17

[2] Ef 4.21, 24

[3] Lc 7.47

[4] Gn 1.26-28, Dt 30.20; 1Co 10.31; 1Pe 2.9-12

[5] Ef 4.21; 1Jo 5.3; Dt 30.15-20; 2Co 10.3-5

[6] Sl 24.1; Sl 2.12; Sl 145

[7] 2Co 411; 2Co 5.1-4

[8] 2Co 5.14, 15, 18, 20, 21

[9] Rm 6.6, 12-14, 16

[10] 1Co 9.27

[11] Gn 3.1-7; Mt 13.13; Dt 29.4; Rm 8.8, 9

[12] 1Co 2.14; Ap 3.17; At28.26, 27

[13] Pv 4.14-17; 2Pe 3.3; 1Co 1.18; 1Jo 2.15, 16; Jo 8.44

[14] Ef 2.1-3

[15] Ef 2.4-9

[16] Ef 4.22-24

[17] Além desses recursos, se você pode aproveitar material em inglês, o episódio “Stuck In Bad Habits” de Joyful Journey Podcast (áudio e transcrição disponíveis) pode ser útil para uma análise mais aprofundada tanto para você quanto para seu aconselhado.


ATIVIDADE: Pensar, Querer, Fazer

Qual era a situação?

O que eu estava pensando?

O que eu estava querendo?

O que e fiz

Como Deus me diz para lidar com essa situação?

Como posso crescer e mudar na próxima vez que eu enfrentar uma situação parecida?


ATIVIDADE: Visão de Mundo

A visão habitualA nova visão com Deus
Crer (a situação)O que eu creio ser verdade nesta situação? O que considero fato real/inegável/óbvio? Quem decidiu que isso é verdadeiro? De onde veio minha perspectiva da situação? Deus considera minha perspectiva verdadeira? Ela combina com a verdade bíblica?





Pensar
(o que penso sobre a situação)
Quais são meus pensamentos relacionados a essa situação? De que maneira minha crença está moldando minha maneira de pensar? Como minha crença me leva a pensar sobre mim mesmo, sobre Deus e sobre os outros?





Visão de mundoDiante daquilo em que acredito e de meus pensamentos sobre a situação, qual é a minha visão de mundo? Qual é o meu lugar neste mundo? Este é o mundo de Deus e eu estou simplesmente vivendo por Deus e para Deus, ou este é um mundo hostil e incompreensível onde eu simplesmente preciso sobreviver? Vejo este mundo como meu lar ou um lugar pelo qual estou passando a caminho do meu lar verdadeiro? Como minha visão de mundo afeta o que decido fazer?






Fazer
(o que faço nesta situação)
Que comportamento específico estou considerando ter? Este comportamento é prejudicial ou útil? Quem está decidindo se é prejudicial ou útil? É um comportamento habitual? Se eu quisesse parar agora, eu poderia? Se eu me obrigasse a abandonar esse comportamento, um novo comportamento prejudicial tomaria seu lugar? Como esse comportamento me afeta e afeta os outros?









Original: Stuck In Harmful Habits
Artigo publicado originalmente em Counseling with Confidence and Compassion, traduzido e publicado com autorização.

Tradução e adaptação para o português: Conexão Conselho Bíblico