Engano penoso: meninas adolescentes, mídias sociais e imagem corporal

Andrea Lee

Sou exigente quando se trata de filmes. Meu marido diria que sou muito exigente. Um enredo que detesto é quando alguém jovem ou inexperiente confia na pessoa errada. A heroína ingénua aposta tudo – talvez a sua herança, talvez a sua reputação, talvez a própria vida – em um fundamento errado como fez Fantine no romance Os Miseráveis, escrito por Victor Hugo, cuja vulnerabilidade a torna um alvo fácil para pessoas cruéis.[1] Estremeço quando penso nela e em tudo que ela perdeu. Ela confiou em pessoas que não tinham os melhores interesses em mente, não se importavam com Deus e só cuidavam de si mesmas e de como poderiam usar as pessoas e manipular as circunstâncias para atingir seus objetivos. No século 19, alguém indigno de confiança, que se aproveitava de outras pessoas como Fantine, costumava ser chamado de “homem de confiança”. Em outras palavras, trata-se dos nossos atuais golpistas ou vigaristas.[2] São pessoas cujo carisma e confiança atraem os crédulos e os levam a abrir mão de algo valioso.

Deus também despreza a trama dos inescrupulosos que enganam os inexperientes. Quando Seu povo é enganado pelo mal, cometendo o mal ou atraindo outros para ele, Deus se entristece. Gênesis 6 nos dá um vislumbre dessa dor: quando Deus viu a grande maldade das pessoas e que toda intenção dos pensamentos do seu coração era continuamente má, le se arrependeu de ter criado o ser humano na terra e se entristeceu profundamente em Seu coração (Gn 6.5, 6).

Penso nesse tipo de trama quando trabalho com meninas adolescentes que lutam com problemas de imagem corporal. Embora existam muitos fatores em jogo nas lutas relacionadas à imagem corporal, as redes sociais têm a tendência de transformar a luta de angustiante em devastadora. A mídia nos influencia com suas imagens viciantes, novidades sem fim e emoções. Influenciadores e anunciantes são involuntariamente como os “homens de confiança” de antigamente: eles nos conduzem em um avanço suave ao longo de uma agenda de que não nos damos conta totalmente.

Evidentemente, a mídia em si não é má. Ela é um veículo, uma ferramenta. No entanto, cada foto, cada postagem e cada influenciadora de beleza contam uma história e compartilham uma visão de mundo. Essas mensagens são tremendamente persuasivas. Vou lhe dar um exemplo. A Dove produziu um vídeo que mostra mães e filhas adolescentes assistindo juntas a conselhos de “beleza” nas redes sociais.[3] Os produtores, porém, usaram a inteligência artificial (IA) para colocar as palavras de influenciadoras de beleza na boca daquelas mães de forma que parecia que as mães estivessem dando às suas filhas conselhos surpreendentemente ruins sobre como serem mais atraentes. Esses conselhos incluíam ideias como limar os dentes, fazer clareamento facial e emagrecer com tratamento contra parasitas, raspar os cílios naturais para que os falsos pudessem aderir, jejuar por dias para perder peso e repetir mantras de automotivação como “emagrecer é um processo que nunca termina”. Essas foram as ideias mais “bondosas”. Existem nas redes sociais outras listas de práticas caras, ineficazes, demoradas, dolorosas e totalmente perigosas que as mulheres são chamadas a fazer para ficarem mais bonitas. Como sociedade, ouvimos e obedecemos. Estamos ouvindo esses “homens e mulheres de confiança”. Estamos obedecendo às mensagens de pessoas que nos convidam a amar o mundo, imitando o seu estilo de vida e abraçando seus valores.

Esta é uma questão delicada porque alguns influenciadores procuram genuinamente ajudar seu público. Portanto, eles não são “vigaristas” no sentido nefasto. Eles dão ideias, dicas, exercícios e receitas para ajudar seus seguidores a alcançar um resultado que eles presumem que todos desejam.

Todos querem chegar mais perto de atender aos padrões de beleza da nossa cultura, certo? Todos deveriam se esforçar um pouco mais para ser atraentes, certo? E é bom ajudar as pessoas a fazer isso, certo? No entanto, esse tipo de “bondade” está longe de ser generoso. Não porque as influenciadoras de beleza sejam necessariamente maliciosas, mas porque estão enganadas. Elas defendem objetivos, métodos e paixões que são deste mundo. O apóstolo João odiava esse tipo de engano e o mundanismo que dele provém. Ele disse: “Isto que acabo de escrever para vocês é a respeito dos que estão tentando enganá-los” (1Jo 2.26) e “Não amem o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1Jo 2.15).

Grande parte do mundo das redes sociais procura nos enganar fazendo-nos pensar que o pecado é normal. Essa é uma boa definição de mundanismo: “quando o pecado parece normal”.[4] Quando ajudamos as adolescentes a interagir com as redes sociais, podemos ir mais longe: o mundanismo é quando viver para a autoglorificação parece normal, quando priorizar a atratividade em vez da piedade parece normal, quando passar horas por dia fazendo exercícios ou rotinas de beleza parece normal, quando dicas de beleza que prejudicam o corpo parecem normais.

Diante disso, como podemos ajudar as jovens a se proteger cada vez mais contra este engano? Estes são alguns passos que podem ajudar.

Desacelerar
Podemos encorajar os adolescentes a desacelerar no consumo da mídia. A velocidade da ingestão pode nos deixar espiritualmente maldispostos. Desenvolvemos um apetite pela explosão de novidades que vem com cada nova foto e postagem.[5]  A desaceleração é crucial para detectar o engano embutido nas imagens.

Pensar
Podemos ajudar as adolescentes a fazer perguntas sobre as postagens das redes sociais: O que esta postagem quer me levar a fazer? Que conselho ela está dando? Qual o propósito? Se eu seguir esse conselho, que benefício ela me diz que vou conseguir? O que essa influenciadora está prometendo?

Considere suas respostas emocionais
Podemos levar as adolescentes a considerar como estão respondendo emocionalmente. Elas se sentem tristes, derrotadas, ansiosas, deprimidas ou iradas? Quando navegamos nas redes sociais, é difícil identificar a imagem exata que desencadeou um ou outro sentimento. No entanto, à medida que desaceleramos, pensamos e oramos pedindo que o Senhor nos ajude, somos capazes de começar a identificar as emoções, quais pensamentos as motivaram e quais mídias motivaram os pensamentos.

Identifique seus amores
O que as redes sociais estão nos influenciando a amar? Elas alimentam a afeição pelos desejos da carne, pelos desejos dos olhos e pelo orgulho da vida (1Jo 2.16)? Deus nos chama a não amar o mundo (1Jo 2.15). Isso significa que os objetivos e filosofias de vida daqueles que não conhecem a Deus não deveriam nos guiar nem dominar. A única maneira de eliminar nosso o amor pelo mundo é substituí-lo pelo amor a Deus. Em outra palavras, quando aprendemos a ter prazer genuíno naquilo que agrada a Deus, o apelo do mundo desvanece.[6]

Considere o que dura
As adolescentes – como também nós – anseiam pela afirmação que as redes sociais prometem. As curtidas, comentários e compartilhamentos que recebemos ameaçam se tornar um indicador visível do nosso valor. Mas essa atitude confiante não dura. A forma com que consumimos é a forma com que somos tratados: avança-se rapidamente em busca do que mais virá e poderá atrair nosso interesse logo adiante. Nosso coração, porém anseia por aquilo que dura. O texto de 1João 2.17 é incrivelmente claro: “Ora, o mundo passa, bem como os seus desejos; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”. O que dura é fazer a vontade de Deus e buscar a Sua aprovação em nossa vida.

Com isso em mente, podemos conversar com nossas meninas adolescentes sugerindo que façam a si mesmas perguntas como estas:

  • Quando sigo outras pessoas online, eu as vejo como concorrentes ou como pessoas a serem amadas?
  • Passo mais tempo planejando e buscando a perfeição em minhas roupas e maquiagem, ou planejando como encorajar e servir aos outros?
  • Fico mais animada com a perda de peso ou com a memorização das Escrituras?
  • Passo mais tempo olhando-me no espelho ou na Palavra de Deus?
  • Estudo mais as últimas tendências da moda e do fitness ou a Palavra de Deus?
  • Fico desesperada com minha falta de popularidade on-line ou busco refúgio no Senhor?

Dá muito trabalho desvendar os propósitos das influenciadoras de beleza que vemos nas redes sociais. Esses propósitos geralmente não são maus, mas certamente não nos ajudam a amar ao Senhor. Precisamos da ajuda de Deus para essa tarefa. Ao separarmos tempo para percorrer os passos que vimos acima, precisamos também de uma clara convicção de que estamos combatendo o mundanismo Caso contrário, o esforço parecerá desnecessário. Deus promete mudar o que amamos e nos fazer crescer no amor pelo que dura para sempre. Há esperança em Cristo para escaparmos da trama do engano e do mundanismo que leva a uma vida infeliz.

“Sabemos que o Filho de Deus já veio e nos tem dado entendimento para reconhecermos aquele que é o Verdadeiro. E nós estamos naquele que é o Verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1Jo 5.:20).

Pergunta para reflexão
O que pode nos ajudar na descoberta e avaliação do propósito das influenciadoras de beleza?


[1] SparkNotes. Fantine. Disponível em: https://web.archive.org/web/20231208111825/https://www.sparknotes.com/lit/lesmis/character/fantine/ 
[2] New World Encyclopedia. Confidence game Disponível em: https://web.archive.org/web/20230928171450/https://www.newworldencyclopedia.org/entry/Confidence_game
[3] DOVE Brasil. #DetoxYourFeed com o Projeto Dove pela Autoestima. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ny2ijP3Y2zY&t=2s
[4] DeYOUNG, Kevin. Brecha em nossa santidade. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015.
[5] REINKE, Tony. 12 maneiras como seu celular está transformando você. Brasília: Concílio, 2020.
[6] Sou grata a Amy Baker por esse insight.


Andrea Lee atua como conselheira bíblica para mulheres na Northside Church em Roswell, Georgia. Ela tem mestrado em aconselhamento bíblico por The Masters University. 


Original do artigo: Heartbreaking Deception: Teen Girls, Social Media, and Body Image
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition.  Traduzido com autorização.