Primeira conversa: como fazer perguntas?

Terry Enns

Minha esposa e eu estávamos casados ​​há cerca de um ano quando ela se mostrou um tanto preocupada com um de meus hábitos. Devido a uma forte tempestade, nosso bairro já estava sem energia elétrica há alguns dias quando a companhia de energia apareceu para resolver o problema. Desapareci de casa por cerca de quinze minutos e, quando entrei, ela me perguntou onde eu estava. Respondi: “Fui falar com o rapaz da companhia de energia. Eu queria saber o que ele estava fazendo. Fiz algumas perguntas”. A resposta imediata de minha esposa foi: “Sua curiosidade ainda vai lhe trazer problemas algum dia”. Não sei se já sofri alguma dura consequência devido à minha curiosidade, mas é verdade que sou curioso sobre praticamente tudo. “Como isso funciona?”, “Por que/como você fez isso?”, “O que vem a seguir?” são perguntas comuns quando converso com alguém.

Essa curiosidade natural, bem usada, é uma bênção para o conselheiro bíblico, pois ela o leva a fazer muitas perguntas e a querer sempre conhecer mais. 

Cultive um espírito de indagação
O conselheiro bíblico não quer cultivar um espírito condescendente ou cético para com seus aconselhados – tal atitude certamente violaria muitos aspectos do amor bíblico (1Co 13.4-8). O conselheiro bíblico deseja fazer muitas perguntas ao aconselhado por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, ele quer demonstrar que está ouvindo as necessidades, preocupações e circunstâncias de vida do aconselhado (Pv 18.13). Ele busca conhecer a situação do aconselhado para que possa cuidar apropriadamente dele (Pv 18.15), e reúne o máximo de informações que consegue para não se surpreender ao ouvir o “outro lado da história” (Pv 18.17). Em segundo lugar, ele faz perguntas para poder despertar o coração do aconselhado (Pv 20.5). O conselheiro bíblico está ciente de que, ao sondar e fazer perguntas, o coração do aconselhado ficará exposto e, desta forma, será possível conduzi-lo no processo bíblico de mudança.

Os conselheiros são muitas vezes tentados a presumir que têm todos os dados de que necessitam, sem fazer perguntas mais investigativas. Um aconselhado talvez diga: “Eu costumava lutar contra a lascívia, mas agora estou bem”. Poderíamos presumir que ele está falando sobre pornografia, balançar a cabeça e dizer “Sim, muitos passam por esta luta, mas estou feliz que o Senhor tenha lhe dado a vitória”, sem levar adiante o assunto para não ser intrusivos e para evitar o desconforto. No entanto, queremos compreender a circunstância e expor as motivações. Para tanto, estas são algumas perguntas úteis para dar prosseguimento à conversa em seguida da afirmação “Eu costumava lutar contra a lascívia, mas agora estou bem”:

  • Você pode explicar o que você quer dizer com lascívia?
  • Se por lascívia você quer dizer pornografia, conte-me sobre esse problema. Com que frequência você costumava acessar pornografia? Quanto tempo gastava nisso? Que tipo de pornografia você via (fotos, vídeos etc.)? Onde e como você acessava pornografia? Quando você costumava fazê-lo? Você praticava a masturbação?
  • Quando você parou de acessar pornografia? Quando foi a última vez que acessou?
  • Como você parou de acessar? O que você fez para parar?
  • Se você parou, ainda está se masturbando e visualizando as imagens que guardou em sua mente? Com que frequência?
  • Você acessava pornografia com mais alguém?
  • Que outros tipos de pecado sexual você cometeu?
  • Que satisfação a pornografia lhe proporcionava?

Um princípio que aprendi com um de meus mentores há muitos anos foi: “Sempre faça a pergunta que naturalmente vem a seguir”. Com as informações que o aconselhado me deu, quero pensar em perguntas para dar prosseguimento adequado de modo a obter uma compreensão mais completa da situação do aconselhado e também ajudá-lo a começar a expor seu coração e suas motivações.

Algumas perguntas para o primeiro encontro de aconselhamento
Um dos objetivos do primeiro encontro é estabelecer envolvimento com o aconselhado. Quero que o aconselhado saiba que estou interessado em ajudá-lo e me importo com ele. Tenho por escrito uma lista de perguntas – geralmente, são cerca de vinte perguntas – que indicam  que me preparei para aquele encontro e que já estive pensando e orando sobre como ajudar aquele aconselhado. Algumas dessas perguntas são gerais e adequadas para a maioria dos aconselhados:

  • Conte-me sua história de vida em dez minutos ou menos. Sei que isso é difícil, então conte-me os principais acontecimentos, as pessoas-chaves e os lugares-chaves na sua história de – aquilo que mais o influenciou até aqui.
  • Quem são as pessoas mais influentes na sua vida?
  • Você tem amigos? Conte-me sobre isso.
  • O que você lê? (Quero saber o que está moldando e influenciando a mente do aconselhado.)
  • Quanto conteúdo de mídia você consome diariamente (TV, internet, videogames, vídeos, redes sociais)?
  • Quantas horas você dorme cada noite? (Muitas vezes, peço que o aconselhado registre, durante uma semana, suas atividades diárias em intervalos de meia hora.)
  • Qual é a sua rotina de exercícios físico?
  • Como é a sua alimentação? (O que e quando come)

Outras perguntas surgem da leitura do Inventário de Dados Pessoais, um formulário de informações que o aconselhado preenche quando pede para agendar um encontro.  Estes são alguns exemplos de perguntas que fiz por causa do que li no formulário preenchido:

  • Qual é a fonte do conflito entre você e sua esposa? Sobre quais assuntos vocês discutem?
  • Que tipo de palavras e tom de voz você usa nos momentos de conflito (palavrões, levanta a voz)?
  • Como você resolve os conflitos?
  • O que você entende por confessar seus erros e perdoar os erros de outra pessoa? Com que frequência você pratica a confissão e o perdão?
  • Qual sua definição de amor? Como vocês comunicam amor pela sua esposa?
  • O que significa ser um amigo? Você tem amigos?
  • Você diz no formulário de informações que está “perdendo a fé/esperança”. Pode explicar o que quer dizer com isso?
  • Conte-me sobre seus pensamentos suicidas – Com que frequência você os tem? Quando eles começaram? Quando eles costumam acontecer? Qual é o seu plano para cometer suicídio (como, onde, quando)?
  • Quais são suas bandas e cantores favoritos?
  • Quantas horas por dia você joga videogame? Você joga à noite depois que sua família vai dormir? Quais são seus videogames favoritos? Você jogando no computador ou online? Se estiver online, você já cultivou relacionamentos inadequados com outros jogadores?
  • Conte-me sobre seus familiares. Como é o seu relacionamento com seus irmãos? Com seu padrasto? Com sua mãe?
  • Quando você conversou pela última vez com seu pai biológico? Como foi a conversa? O que você disse?
  • Conte-me sobre sua ansiedade. O que o deixa ansioso e o que você faz quando está ansioso?
  • Você diz que está “deprimido”. Você já recebeu este diagnóstico por parte de um profissional da saúde? Quem e quando? Que medicamentos você está tomando e qual tem sido o resultado?
  • Quais foram seus sintomas e como foram tratados? Eles têm mudado?
  • Você diz que raramente tem relações sexuais com sua esposa. Com que frequência elas aconteceram no último mês? Seis meses? Ano? Existe alguma razão médica? É por consentimento mútuo?
  • Como seus filhos se relacionam com você e entre si. Como você se relaciona com eles?
  • Você tem pensado na opção do divórcio? Isso já foi pensado ou discutido entre vocês? Já entraram em contato com advogados para obter informações? Quais pecados contra você justificariam o divórcio?
  • Você tem dívidas – casa, carros, empréstimos, cartões de crédito, outros?
  • O que você estava querendo quando você…?

Quando percebo que pode haver mais dados que ainda não tenho, mas não estou encontrando o caminho para chegar às informações de que preciso, muitas vezes pergunto: “O que eu ainda preciso saber sobre você?”.

Algumas perguntas sobre a vida espiritual para fazer no primeiro encontro
Algumas pessoas estão dispostas a contar a sua história de vida espiritual, enquanto outras precisam ser encorajadas a fazê-lo. Estas são algumas perguntas que gosto de fazer:

  • Conte-me sobre seu relacionamento com Deus. (Faço a pergunta de forma vaga porque quero saber a perspectiva do aconselhado sobre esse relacionamento e inicialmente não quero levá-lo a uma resposta específica.)
  • Conte-me o evangelho em mais ou menos um minuto. (Quero saber se ele entende o cerne da mensagem do evangelho e se conseguem articulá-la claramente.)
  • Diga-me como você passou a confiar em Cristo.
  • Como o evangelho o transformou? O que você faz agora como crente que não fazia como descrente ou o que você parou de fazer?
  • Com que frequência você lê a Bíblia? Quantos dias por semana e por quanto tempo? O que você leu hoje/esta semana?
  • Com que frequência você ora? Quantos dias por semana e por quanto tempo?
  • Com que frequência você participa do culto, da escola dominical? Você participa de algum grupo que se reúne durante a semana?
  • Como você está servindo aos outros em sua igreja?
  • O que lhe dá alegria/felicidade?
  • Quando você fica propenso à tristeza/falta de esperança? 

Dois recursos para aprender a fazer perguntas
Para alguns de nós, fazer perguntas é algo que surge naturalmente. Para outros, fazer perguntas pode parecer um intrometimento na vida alheia ou uma confrontação. No entanto, se quisermos cuidar bem dos nossos aconselhados, será preciso fazer perguntas.

Dois recursos que considero úteis para cultivar um “espírito de indagação” são:

David Powlison, Uma Nova Visão, capítulo 7. Powlison nos dá uma lista de “Perguntas Raio X”, que alcançam a motivação do aconselhado. Essa lista é particularmente útil se o aconselhado não tiver fornecido muitas informações no formulário que possivelmente preencheu.

Paul David Tripp, Instrumentos nas Mãos do Redentor: Pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação, capítulo 9. Nessas páginas ele fornece uma lista de “perguntas reveladoras do coração” que expõem as agendas e desejos dos aconselhados.

No terceiro ou quarto encontro de aconselhamento com um casal, listei no quadro branco todas as circunstâncias que eles me disseram que estavam pressionando seu casamento. Havíamos listado já oito itens, e eu estava prestes a largar minha caneta quando o marido disse:
— Ah, sim, tem o Sandro também.
— Seu filho? — eu perguntei.
— Sim, é o nosso filho que tem uma paralisia
— Vocês já tinham me contado a respeito dele anteriormente, e eu me esqueci? — eu perguntei quase entrando em pânico.
— Não. Nós simplesmente não pensamos em falar sobre isso.

Obviamente, o filho deficiente exerceu uma pressão significativa no relacionamento do casal. Eu não tinha pensado em perguntar sobre os filhos, e eles não tinham pensado em contar. Isso demonstra a necessidade de continuar perguntando e sondando com perguntas, mantendo-se sempre curioso com o propósito de cuidar bem de nossos aconselhados.

Somente depois de conhecer bem os nossos aconselhados é que seremos capazes de orientá-los bem a partir das Escrituras.


Terry Enns é membro da Association of Certified Biblical Counselors (ACBC) e pastor da Grace Bible Church em Granbury, Texas.


Original: First Sessions and Asking Questions
Artigo publicado pela Association of Certified Biblical Counselors.  Traduzido e adaptado para o português com autorização.