Como cristãos, afirmamos crer que a Bíblia é a Palavra de Deus, nossa “regra de fé e conduta”. Ao nosso redor, porém, crescem as vozes que nos dizem que os problemas profundos da alma e os problemas mais complexos do comportamento humano precisam de “algo mais” para serem entendidos e curados. Bíblia e psicologia excluem-se ou se unem como aliadas no aconselhamento? A questão é atual e ampla.
Neste e nos demais posts da série, levantamos as perguntas mais frequentes e reunimos citações extraídas de artigos de David Powlison e Edward Welch que nos levam rumo às respostas. Os artigos fizeram da parte dos volumes de 1 a 8 de Coletâneas de Aconselhamento Bíblico (CAB), revista antigamente publicada pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida com conteúdo de Journal of Biblical Counseling, publicado pela Christian Counseling and Educational Foundation.
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•• A Palavra de Deus é eficaz para o aconselhamento tanto quanto para a pregação ou evangelização?
David Powlison. Aconselhe a Palavra – CAB vol. 2
Powlison escreve sobre a Palavra de Deus.
A Palavra de Deus é viva e ativa: ela atinge o âmago da questão, convencendo-o de pecado, convencendo-o da graça de Deus em Cristo Jesus. Esta Palavra é eficaz para despertar o seu amor e poderosa para renovar a sua mente. Ela o guia, protege e pastoreia sabiamente ao longo do caminho.
Por que a Palavra é tão poderosa? Ela tem poder porque é a “Tua Palavra, ó Senhor”. A Palavra não é uma nobre filosofia humana. Não é um encantamento mágico. A Palavra é aquilo que Deus diz a respeito dEle mesmo e da Sua vontade, a respeito de você e do mundo em que você vive. A Palavra revela Aquele que fala, Aquele que lhe diz o que você precisa fazer para se arrepender e aprender a confiar nEle, amá-lO e obedecer-Lhe. Quando acolhida, a Palavra provoca mudanças em você — o bom solo produz bom fruto. Quando rejeitada ou ignorada, a Palavra também produz mudanças em você — o coração torna-se cada vez mais duro, cego e surdo.
Em seguida, ele aponta para a diferença que estabelecemos entre pregação e aconselhamento no que diz respeito ao uso da Bíblia.
Na mente da maioria das pessoas, aconselhamento é algo essencialmente diferente da pregação. As verdades e os métodos usados no aconselhamento são raramente concebidos como o ministério da Palavra dirigida sob medida a um indivíduo.
A maioria daqueles que acreditam na Bíblia diria com facilidade “prega a Palavra”. Eles se levantariam revoltados diante de uma pregação cujo conteúdo fosse qualquer outro que não a Palavra. Em geral, os crentes concordam que a verdade revelada de Deus deve controlar o púlpito. A Palavra é verdadeira e suficiente para o ministério dirigido às multidões. Entretanto, não é natural dizermos: “aconselhe a Palavra”. A maioria daqueles que acreditam na Bíblia rende-se diante de conselhos não bíblicos. A Palavra é apenas um recurso entre vários recursos possíveis, tanto nos livros de autoajuda como na sala de aconselhamento ou ao redor da mesa da cozinha. A Palavra tende a ter um papel claramente secundário, adicionada a uma mensagem que lhe é alheia. Ou talvez não tenha mesmo papel algum, tida como insuficiente para lidar com os problemas das pessoas. No entanto, o conteúdo do aconselhamento não deve ser a Palavra de Deus aplicada à nossa vida? Aconselhe a Palavra!
Para retratar o uso que a Palavra de Deus costuma ter no aconselhamento, Powlison destaca dois quadros.
Em primeiro lugar, há muitos cristãos que aconselham uma mensagem que provém claramente de outras fontes que não a Bíblia. […] Os cristãos aproveitam em seu aconselhamento cada teoria nova que surge no horizonte contradizendo a Palavra, e fazem mau uso de versículos bíblicos em busca de confirmação e apoio para tais teorias.
Em segundo lugar, com certa frequência, os cristãos interpretam e aplicam a Bíblia erradamente. Alguns usam a Bíblia como algo mágico: “Leia dois versículos ao dia, repita-os constantemente em sua mente, e conversaremos na semana que vem”. Há os que ensinam arrependimento e fé em desacordo com o ensino da Palavra: “O segredo da vida cristã é uma experiência definitiva de quebrantamento e entrega”. Outros ensinam obediência em desacordo com o ensino bíblico: “Basta dizer ‘não’ e fazer o que é certo com maior força de vontade”. Alguns ensinam a respeito de Satanás em desacordo com a Palavra: “Você é escravo do demônio do medo, da ira ou da compulsão”. Mas a abordagem bíblica de mudança não é supersticiosa nem pietista, nem moralista nem demonista.
De um modo ou de outro, a mensagem errada e o método errado têm controlado o aconselhamento “cristão”. O primeiro grupo aponta para a superficialidade evidente do segundo grupo como justificativa para se voltar às “abordagens profundas” da psicologia, distanciando-se de uma Bíblia que parece fraca, de segunda categoria, geralmente irrelevante e até um tanto estranha ao aconselhamento. O segundo grupo proclama em altos brados o secularismo evidente do primeiro grupo, porém a sua abordagem peca pelo mau uso da Bíblia. No entanto, existe um caminho melhor. A Palavra de Deus não está calada a esse respeito, mas clama ao homem para que lhe dê ouvidos. […] Aconselhar a Palavra é um projeto de vida. Aplicar a Palavra à vida real com sabedoria é um trabalho árduo, para ser realizado com oração e seriedade. Os primeiros versículos de Provérbios 2 dizem que precisamos ter ouvidos atentos à sabedoria, precisamos clamar por entendimento, precisamos buscar e desenterrar a sabedoria como a tesouros escondidos.
Powlison explica também o propósito dos artigos reunidos nas Coletâneas de Aconselhamento Bíblico, cujas citações você encontra neste post e nos demais posts da série.
O alvo das Coletâneas de Aconselhamento Bíblico é encorajar e capacitar os crentes para a tarefa de “aconselhar a Palavra” e aplicar a Bíblia com sabedoria aos problemas da vida.
As Coletâneas de Aconselhamento Bíblico dedicam-se à tarefa de aconselhar a Palavra. É uma revista para pastores, útil em seu ministério. É uma revista para leigos e todos quantos procuram aconselhar a Palavra, em situações formais e informais. Sabedoria é a qualificação para aconselhar. Esta sabedoria é uma questão de caráter, verdade e habilidade para ajudar pessoas: “possuídos de bondade, cheios de todo o conhecimento, aptos para vos admoestardes uns aos outros” (Rm 15.14).