Psicologia, psiquiatria e Bíblia: expondo as motivações e explicando o comportamento – Parte 4

Como cristãos, afirmamos crer que a Bíblia é a Palavra de Deus, nossa “regra de fé e conduta”. Ao nosso redor, porém, crescem as vozes que nos dizem que os problemas profundos da alma e os problemas mais complexos do comportamento humano precisam de “algo mais” para serem entendidos e curados. Bíblia e psicologia Bíblia e psicologia excluem-se ou se unem como aliadas no aconselhamento? A questão é atual e ampla.

Neste e nos demais posts da série, levantamos as perguntas mais frequentes e reunimos citações extraídas de artigos de David Powlison e Edward Welch que nos levam rumo às respostas. Os artigos fizeram da parte dos volumes de 1 a 8 de Coletâneas de Aconselhamento Bíblico (CAB), revista antigamente publicada pelo Seminário Bíblico Palavra da Vida com conteúdo de Journal of Biblical Counseling, publicado pela Christian Counseling and Educational Foundation.
Consulte a série completa AQUI.

•• As psicoterapias não nos ajudam na investigação das motivações do comportamento?

David Powlison. Perguntas Raio-X: descobrindo os porquês e os motivos do comportamento humano – CAB  vol. 1

Powlison mostra como a Bíblia nos ajuda a discernir os padrões da motivação humana o que, a princípio, poderíamos achar que é tarefa distinta da psicoterapia.

A pergunta “Por quê?” desperta inúme­ras teorias sobre a natureza humana. Por que as pessoas fazem o que fazem? Cada uma das análises da personalidade humana e das tentativas de solucionar o que aflige a raça humana está ancorada em alguma “resposta” a esta pergunta. O ponto de vista sobre a mo­tivação humana estabelece cada detalhe das teorias e da prática. Você ficou bloqueado em algum ponto da hierarquia das necessidades? Você é geneticamente predisposto à agressão? Os hormônios são os culpados? Sua dinâmi­ca psíquica entra em conflito com as regras sociais? Seus impulsos foram reforçados por estímulos de recompensa? Você é do signo de Áries sob a influência de Júpiter? Você é um adulto codependente, que foi criado em um lar conturbado que determinou sua ma­neira de agir? Você está tentando compensar um sentimento de inferioridade, buscando elevar a sua autoestima? […] “Eu fiz, pensei ou senti de tal e tal maneira porque…”. O comportamento visível deve ter por trás alguma razão. As teorias a respeito do que faz as pessoas agirem de uma forma ou de outra tomam corpo nos modelos de aconselhamento. As explicações dirigem as soluções: tomar medicação, expulsar um demônio, suprir suas necessidades, não tomar decisões importantes em dias astrais desfavoráveis, reprogramar o seu autopapo, examinar a sua dor. As causas presumidas e as respostas apropriadas são debatidas entusiasticamente. Nas bibliotecas universitárias, centenas de prateleiras registram os debates.

O Senhor Deus tem muito a dizer sobre esta questão. Ele refuta ativamente os rivais e os imposto­res, demonstrando que a motivação humana tem a ver com Ele. O aconselhamento que tem como alvo ser bíblico precisa fazer justi­ça àquilo que Deus diz sobre os porquês e os motivos do coração humano. As Escrituras reivindicam “discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12) de acordo com os critérios específicos com que Aquele que sonda os corações avalia o que Ele vê em nós.

Você não pode ver o que está no coração de outra pessoa, mas você pode fazer perguntas inteligentes do tipo “Por que você está irado? Por que você manipula outros? Por que você está ansioso nessa situação? Por que você tem um problema de cobiça em determinado momento? Por que você bebe em excesso?” A Bíblia – a palavra penetrante e iluminadora dAquele que sonda os corações – está preocupada em mergulhar abaixo dos comportamentos e emoções para revelar as motivações e nos expor perante Deus. Quando ficamos convictos dos enganos específicos que alimentamos em nossas mentes, a reorientação das motivações por meio da graça do evangelho costuma ser o passo seguinte.

Investigue por detrás das expressões de irritabilidade, egoísmo, falta de esperança, escapismo, justiça própria, autopiedade, medo que incapacita, murmurações – seja o que for – e você vai encontrar um mosaico de mentiras específicas e de anseios. As Escrituras o equipam para trazer à luz esta questão e lidar com ela. […] A motivação humana diz respeito a uma dimensão vertical. As boas novas de Cristo não são apenas uma maneira “cristã” de satisfazer desejos e necessidades já existentes em nós. A fé viva em Jesus Cristo é a única motivação aceitável, a alternativa radical para substituir as motivações pervertidas. A santificação tem o propósito de purificar tanto o coração como os membros do corpo, tanto as motivações como o comportamento. […] As Escrituras nunca isolam motivação de comportamento. O espelho das Escrituras revela ambos. A lâmpada das Escrituras orienta ambos. A graça e o poder de Jesus Cristo mudam tanto as raízes com os frutos. A graça transforma o nosso coração de pedra; a graça transforma as mãos e a língua que operam para o mal e nos ensina a viver de modo belo.

David Powlison. O evangelho terapêutico – CAB  vol. 8

Powlison escreve sobre o “evangelho terapêutico”.

Mantida em seu devido lugar, a perspectiva terapêutica não é ruim. Por definição, um olhar médico-terapêutico atento capta problemas de sofrimento e colapso físico. Na intervenção médica literal, a terapia trata uma enfermidade, uma doença, um ferimento ou uma deficiência. Você não chama alguém a se arrepender de um câncer no cólon, uma perna quebrada ou uma deficiência de vitaminas. Você procura curar essa pessoa. Até aqui, tudo bem. No entanto, no evangelho terapêutico de nossos dias, o olhar médico-terapêutico é metaforicamente estendido aos desejos psicológicos. Estes são definidos da mesma forma que um problema médico. Você se sente mal, e a terapia faz com que se sinta melhor. A definição de doença ignora o coração humano pecaminoso. Você não é o agente dos seus problemas mais profundos, mas um mero sofredor e uma vítima das necessidades não atendidas. A oferta de cura omite o Salvador que levou nossos pecados. O arrependimento da incredulidade, obstinação e impiedade não é o assunto em questão. Os pecadores não são chamados para uma virada de 180 graus rumo a uma nova vida, que é a vida de verdade. O novo evangelho massageia o amor-próprio. Não há nada em sua lógica interior que o faça amar a Deus e a qualquer outra pessoa além de você mesmo. O evangelho terapêutico pode mencionar muitas vezes a palavra “Jesus”, mas Jesus foi transformado em alguém que está lá para suprir as suas necessidades, e não para salvá-lo dos seus pecados.

O novo evangelho corrige a obra de Jesus. O evangelho terapêutico deturpa o evangelho. Jesus e a Igreja existem para fazer com que você se sinta amado, importante, aprovado, entretido e prestigiado. Esse evangelho melhora os sintomas de aflição e faz com que você se sinta melhor. A lógica do evangelho terapêutico é um “jesus a Meu serviço”, que satisfaz os desejos individuais e acalma as dores psíquicas. […] Ele é estruturado para dar às pessoas o que elas querem, e não para mudar aquilo que querem. Ele faz as pessoas sentirem-se melhor e se concentra exclusivamente no bem-estar e na felicidade temporal. Ele despreza a glória de Deus em Cristo. Ele se desvia do caminho estreito e árduo que produz o crescimento profundo do homem e a alegria eterna. […] Ele presume a natureza humana como fixa, pois ela é tão difícil de mudar. Ele não procura transformar as pessoas para que amem a Deus, aceitem a verdade de quem é Jesus e conheçam Sua Pessoa e obra.

Edward Welch. Motivação: por que faço o que faço? – CAB  vol. 3

Welch mostra como o ser humano é complexo. Vemos os comportamentos, mas não as motivações por trás desses comportamentos. Nossas motivações são importantes, e a Bíblia vai até onde os analistas gostariam de chegar, mas não conseguem chegar.

As pessoas são deveras complexas. Debaixo da superfície da vida existe um coração que está sempre ativo, procurando por objetos em que possa confiar (Lc 24.25; Rm 10.10). O coração tem propósitos (Pv 20.5; Dn 1.18), inclinações (Ec 10.2), intenções (Hb 4.12), imaginações e estratégias (Pv 6.18), desejos (Sl 10.3; Tg 4.1) e cobiça (1Jo 2.16; Ef 4.19).

Diante de tanta complexidade, não é surpresa que nosso coração não seja sempre compreendido de imediato pelos outros e nem mesmo por nós (Mt 15.8; 1Co 4.5; Pv 16.2; Jr 17.9). Como o fundo de um poço ou as raízes de uma árvore, os corações têm a tendência de ficar escondidos e nunca podemos conhecer inteiramente sua profundidade.

No entanto, você não precisa ser um mestre em análise. Precisa apenas de disposição para dizer: “Sonda-me, ó Deus” (Sl 139.23). Não fique tão preocupado se sentir que está somente arranhando a superfície. Mais importante que conhecer suas motivações é conhecer a Deus, e Deus é muito generoso em Se revelar a si mesmo. Ele deve ser seu foco principal. Devemos passar mais tempo olhando para Cristo do que inspecionando nosso próprio coração. Porque se estivermos crescendo no conhecimento de Deus, seremos transformados – no mais profundo do coração.