Devo perdoar a Deus?

Gail McGinty

Você já sentiu que Deus não cuidou de você e o resultado foi que você ficou completamente arrasado? Você já fez aquela velha pergunta: “Por que, Deus?”. Na realidade, esse não é um dilema humano raro.

Como conselheiros bíblicos, encontramos repetidamente pessoas que passaram pelo sofrimento e levantam essa pergunta dolorosa no aconselhamento. Como podemos nos dirigir ao aconselhado diante de tal sofrimento? Como a Bíblia se revela suficiente para responder a esse tipo de pergunta? Como podemos ajudar as pessoas a enxergar Deus em meio à sua dor?

Encontramos ao longo das Escrituras a história de pessoas que, como resultado de intensa tristeza e sofrimento, choram perante Deus com pergunta parecidas com essa. Os Salmos estão repletos de perguntas e afirmações como “Por que te esqueceste de mim? Até os meus ossos sofrem agonia mortal…” (S 42.9, 10). ” Por que escondes o teu rosto e esqueces o nosso sofrimento e a nossa aflição? Fomos humilhados até o pó; nossos corpos se apegam ao chão”(Sl 44.24, 25). Jeremias, o escritor de Lamentações, e Jó descreveram sua experiência como a de alguém que foi alvo das flechas venenosas de Deus. Jeremias lamentou: “Ele voltou sua mão contra mim” e “Meu esplendor já se foi, bem como tudo o que eu esperava do Senhor” (Lm 3.3, 18). O próprio Senhor Jesus disse: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mt 27.46).

Alguns dos nossos aconselhados fazem essas mesmas perguntas. Eles viveram situações com as quais nunca haviam sonhado e que os pegaram totalmente despreparados. Às vezes, eles ainda são levados por sentimento de culpa e condenação quando essas perguntas brotam de seu coração em momentos de intenso sofrimento. Sua reação diante da dor pode até mesmo ter sido um distanciamento de Deus, tendo sido tomados pela desconfiança. Talvez eles tenham perguntado: “Por que, Deus?”. Ou então gritado: “Por favor, Deus, isso não!”. E até mesmo ainda digam: “Como o Senhor permitiu isso na minha vida?”. Eles precisam saber que Bíblia se dirige a esse tipo de experiência e que Deus, em Sua bondade infinita e para o nosso bem, deu-nos histórias de pessoas que fizeram essas mesmas perguntas.

Nos momentos da angústia mais profunda da nossa alma, podemos chegar ao ponto de acreditar que Deus nos decepcionou, não manteve Sua palavra, virou as costas para nós ou até nos prejudicou.

Algumas pessoas chegam a acreditar que devem perdoar a Deus, desculpá-lO ou mesmo mudar aquilo que creem a respeito dEle para que possam acomodar os fatos e sua fé. Elas se esqueceram de que “O Senhor é justo em todos os seus caminhos e é bondoso em tudo o que faz” (Sl 145.17). Elas lutam com a ideia de que suas circunstâncias provaram o contrário, e desenvolvem uma atitude para com Deus que poderia ser descrita como ressentimento e rancor. É nesses momentos que chegamos a uma encruzilhada. Nós nos distanciaremos de Deus com uma atitude ressentida e amarga, ou iremos a Ele com nossas perguntas honestas?

Por trás de um espírito ressentido e rancoroso existe sempre uma crise de fé, visto que guardar ressentimento e rancor para com Deus significa realmente, e tristemente, uma decisão de não confiar nEle. Como conselheiros compassivos, precisamos lembrar que o sofrimento pode cegar, o medo pode incapacitar, e a dor pode entorpecer os corações. À medida que descobrimos o tesouro que nosso aconselhado não consegue entregar a Deus, precisamos gentilmente guiá-lo a uma compreensão renovada de quem é Deus e da verdade que a Sua Palavra convida o coração conturbado a receber. Ele precisa saber que a santidade perfeita de Deus e o Seu amor fiel fazem com que não seja nunca necessário perdoá-lO, desculpá-lO ou fazer ajustes no entendimento de Sua natureza, mas apenas confiar em quem Ele é: o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim (Ap 21.6).

Como conselheiro e, mais importante, um companheiro de jornada aqui na terra, posso me identificar com o aconselhado. Eu já me encontrei em uma situação semelhante, lutando para entender como uma perda inesperada poderia se encaixar em minha compreensão de Deus. No entanto, a pergunta que Deus colocou no meu coração dolorido foi: “Você crê em mim? Você pode confiar em mim mesmo diante disso?”. Às vezes, minha resposta foi: “Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade!” (Mc 9.24). Outras vezes, foi uma resposta como a de Simão Pedro: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o Santo de Deus” (Jo 6.68, 69). Eu sabia que estava diante de uma escolha: eu me afastaria de Deus, distanciando-me com desconfiança, ou eu O buscaria com minhas perguntas e me apegaria às Suas promessas. Por Sua graça, foi nesse momento que me voltei para a Palavra de Deus e encontrei as palavras do salmista que expressaram meu estado de ânimo.

O meu coração está acelerado; os pavores da morte me assaltam.
Temor e tremor me dominam; o medo tomou conta de mim.
Então eu disse: “Quem dera eu tivesse asas como a pomba; voaria até encontrar repouso!
Sim, eu fugiria para bem longe, e no deserto eu teria o meu abrigo.
Eu me apressaria em achar refúgio longe do vendaval e da tempestade”.
Salmo 55.4-8

Ver que as Escrituras reconheciam a minha dor e expressavam um sofrimento parecido com aquele pelo qual eu passava, atraiu-me. Fui motivada a continuar a leitura, e foi lá, na Palavra de Deus, que encontrei minha história reescrita, com um final esperançoso, até mesmo glorioso. Foi lá que encontrei o Deus que me vê, ama e está sempre presente na minha dor, o Deus que conforta, ajuda e traz propósito ao meu sofrimento, o Deus que preparou um futuro bonito e repleto de alegria depois de eu ter “sofrido durante pouco tempo” (1Pe 5.10), e um Salvador familiarizado com o sofrimento (Is 53.3; Rm 8.17; Hb 4.14-16). Nossos aconselhados precisam ter uma oportunidade de ouvir suas histórias reformuladas de acordo com a verdade da maior história de Deus. Eles precisam, assim como eu precisei, de uma perspectiva eterna.

Jó 11.7, 8 diz: “Você consegue perscrutar os mistérios de Deus? Pode sondar os limites do Todo-poderoso? São mais altos que os céus! Que é que você poderá fazer? São mais profundos que as profundezas! O que você poderá saber?” Deus começou a ensinar-me um novo grau de confiança nEle e me ajudou a ver novas facetas de Sua pessoa. Percebi que Deus havia explodido aquela caixinha fixa e previsível em que eu O havia colocado. Comecei a entender que Ele é maior, mais complexo, mais poderoso e mais transcendente de como eu O conhecia. Comecei a ver que os Seus propósitos se elevam em direção a uma eternidade que eu posso apenas vislumbrar. Percebi que se eu confiar nEle somente quando eu puder entender e aprovar o plano dEle, isso não é verdadeira confiança, mas incredulidade. E eu me dei conta de que a incredulidade me impede de amar a Deus e, em última instância, leva-me à falta de esperança e ao desespero. Enquanto isso, Deus estava fazendo Seu trabalho transformador em meu coração e proporcionando amor e conforto em minha situação de dor.

Minhas perguntas passaram a ser: Creio em Deus quando ele diz que “não recusa nenhum bem aos que vivem com integridade” (Sl 84.11)? Creio que isso me inclui porque estou diante de Deus sem culpa por meio da cruz (Rm 5.1, 2)? Existe em mim a disposição de participar do sofrimento de Cristo, que orou “Faça-se a tua vontade” por conhecer e confiar no plano de Seu Pai? Confio nAquele cujos caminhos são mais altos do que os meus caminhos, que prometeu estar comigo no vale da sombra da morte e, acima de tudo, deu a vida dele em meu lugar para vencer o inimigo?

Em 2Coríntios 4.16-18, a Bíblia diz que nossos problemas são “leves e momentâneos” e que eles “estão produzindo para nós uma glória eterna”. Ela nos chama a “fixarmos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno”. Muitas pessoas podem ficar ressentidas ao ver que seus sofrimentos dolorosos são chamadas de “leves”, e é compreensível que tais pessoas não consigam imaginar suficientemente as glórias eternas ao ponto de sua provação angustiante parecer “leve e momentânea”. No entanto, “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3.16) e esse é o adjetivo que Deus escolheu para descrever a dor pela qual passamos nesta vida em comparação com a glória da eternidade. Com brandura, como quando guiamos um bebê que está dando seus primeiros passos, podemos gradualmente ajudar o aconselhado a voltar seu olhar para um Deus que é grande o suficiente para redimir qualquer experiência de vida. O aconselhado pode ganhar um novo propósito de vida e um foco rico de esperança enquanto aprende a andar pela fé, e não por aquilo que vê (2Co 5.7). Nas trevas em que ele se encontra, podemos ajudá-lo a ver ao seu redor a luz da bondade de Deus (Sl 27.13), e convidá-lo a provar a bondade de Deus (Sl 34.8). Podemos levá-lo às promessas eternas de Deus (2Pe 1.4). Podemos ajudar o aconselhado a ver que a amargura e o rancor vêm quando estamos cegos àquilo que é eterno, mas que viver com a eternidade em mente muda tudo. Deus tem sempre em vista o preparo de algo eternamente valioso.

Renunciar ao ressentimento em favor da confiança em Deus é ganhar a liberdade. É a paz que excede todo o entendimento. É a alegria em meio à dor. É o sofrimento suplantado pela esperança. É a capacidade de adorar ainda que com o coração partido. John Piper, em A Glória de Deus é o Alvo do Aconselhamento Bíblico, descreve esse fenômeno comparando-o à nossa experiência diante de expressões grandiosas da natureza: “Elas foram criadas para algo maior, além de si mesmas, que conduz a alma à experiência de prazer mais saudável, gloriosa, focada em Deus – chame isso de adoração – que o mundo dificilmente pode imaginar”. É possível conhecer a doce comunhão e o abraço compassivo do Salvador em meio a uma realidade insondável e desconcertante? Sim, quando lembramos de fixar os olhos na eternidade e naquilo que é verdadeiro a respeito do nosso Deus.

Posso, portanto, responder às minhas dúvidas com a verdade, como fez o salmista que, depois de derramar diante de Deus sua dor e suas dúvidas, disse: “Mudaste o meu pranto em dança, a minha veste de lamento em veste de alegria, para que o meu coração cante louvores a ti e não se cale. Senhor, meu Deus, eu te darei graças para sempre” (Sl 30.11, 12). Posso lembrar como Jeremias: “Todavia, lembro-me também do que pode dar-me esperança: Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade!” (Lm 3.21-23). E posso me expressar como Jó, ainda que estas sejam as palavras mais difíceis de dizer: “Embora ele me mate, ainda assim esperarei nele” (Jó 13.15). Finalmente, dizer como Jesus disse: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23.46). Esta é o grau máximo de confiança em Deus.

Por Sua graça, podemos levar nossas perguntas e nosso coração a Deus, pois Ele é fiel e Ele nos ama mesmo quando nós não conseguimos entender. Ele prometeu cuidar de nós e nos confortar, dando-nos algo ainda melhor do que as respostas às nossas perguntas. Ele deseja dar a Si mesmo.

Contudo, o Senhor espera o momento de ser bondoso com vocês;
Ele ainda se levantará para mostrar-lhes compaixão.
Pois o Senhor é Deus de justiça.
Como são felizes todos os que nele esperam!
Is 30.18


Original: Forgiving God
Publicado em Counseling with Confidence and Compassion

Gail McGinty está concluindo a fase final do processo de certificação pela Association of Certified Biblical Counselors (ACBC). Ela participa do ministério de aconselhamento da Faith Biblical Counseling Ministries.