Rob Green
Definições são importantes. Esperamos que as pessoas utilizem as palavras de acordo com seu uso apropriado para que entendamos o que dizem. De modo geral, isso não é um problema. No entanto, nos encontros de aconselhamento, há algumas palavras que podem ser entendidas em mais de uma maneira.
Como ilustração, usaremos os conceitos de medo, preocupação e ansiedade. No momento em que escrevo, estamos em meio à pandemia do coronavírus. Muitos estão ____________ (preencha o espaço) em relação ao futuro. Antes da chegada do vírus, havia medos, preocupações e ansiedades, e depois que pararmos de falar sobre o vírus, ainda haverá coisas para ter medo, para se preocupar e ficar ansioso. Medo, preocupação e ansiedade fazem, portanto, parte de um mundo caído.
Perigo – a possibilidade de fazer suposições
Todos nós estamos cientes de que não podemos fazer suposições com base em onde a pessoa cresceu, onde trabalha, como é sua aparência e outros aspectos do gênero. Entretanto, é possível que façamos suposições com base nas palavras que alguém usa. Por exemplo, o que acontece se eu lhe disser “Tenho vivido com medo”? Será que acabei de lhe confessar meu pecado? Sua mente irá diretamente para a realidade de que o Senhor diz “não temas” 365 vezes na Bíblia? Talvez isso o faça parar e pensar em me dar alguma tarefa prática como ler uma passagem de “não temas” por dia durante o próximo ano.
Talvez você ainda esteja pensando no que eu lhe disse. Será que sua mente está divagando pelas diferentes direções às quais minha frase “Tenho vivido com medo” pode levar? É possível que meus medos sejam apropriados? É possível que aquilo que eu lhe confessei não seja pecaminoso, mas sim um reflexo de uma avaliação piedosa das minhas circunstâncias?[1]
Quero encorajá-lo a dedicar tempo para ouvir mais. Quero encorajá-lo a considerar que talvez você esteja pulando para conclusões de maneira muito rápida. Muitas vezes, precisamos fazer perguntas para entender com mais clareza a escolha de palavras feita pelos aconselhados.
Para deixar as coisas um pouquinho mais desafiadoras, sabemos que há variação no significado das palavras.
Desafio – a variação no significado das palavras
Uma vez que este artigo não é sobre medo, preocupação ou ansiedade em si, vamos mudar um pouco o foco e vamos do medo para a preocupação/ansiedade. O que acontece se eu lhe disser que estou ansioso ou preocupado? Será que acabei de lhe confessar meu pecado? Você já diagnosticou minha condição porque usei as palavras “ansioso” e “preocupado”? Novamente, quero encorajá-lo a considerar que mesmo as traduções da Bíblia que temos em nossas mãos têm dificuldade na escolha de palavras.
O texto de 2Coríntios 11.29 diz: “Quem está fraco, que eu também não sinta fraqueza? Quem se deixa levar pelo caminho errado, que a indignação não me consuma?” (versão NVT).[2] O termo grego traduzido aqui pelo verbo “consumir” é bem interessante. Outras versões em português trazem “que eu não me inflame” (ARA), “que eu não fique indignado” (NAA e Sec21), “que eu não me queime por dentro” (NVI). Johannes Louw e Eugene Nida, em seu léxico do Novo Testamento, traduzem o termo por “estar preocupado e angustiado”.
Como pode ser? Algumas traduções dessa passagem dão a entender que Paulo está irado, enquanto outras traduções enfatizam a preocupação/inquietação/angústia (e eu me atrevo a dizer “ansiedade”) de Paulo pelos coríntios?
Considere estes outros três textos:
— 2Coríntios 11.28 — “2Co 11:28 Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas” (NVI, e demais traduções usam “preocupação”)
— Filipenses 4.6 — “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus.”. (NVI, bem como ARA e Sec21, mas NAA e NVT trazem “preocupados”).
— 1Pedro 5.7 – “Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (NVI, demais traduções usam “ansiedade”)
Essas três passagens que acabamos de ver usam o mesmo termo grego, mas 2Coríntios 11.29 usa um termo grego diferente. Apesar de haver essa diferença no original, na versão para o inglês (NASB) aparece a mesma palavra em 2Coríntios 11.29 e no versículo imediatamente anterior (2Co 11.28).
Além disso, se olharmos para essas três passagens, pode parecer que ansiedade seja a questão central em Filipenses 4.6 e em 1Pedro 5.7, mas 1Pedro 5 poderia talvez se referir a um campo mais abrangente de preocupações. Se eu argumentasse que Filipenses 4.6 diz respeito ao pecado da ansiedade, eu poderia dizer que 1Pedro 5.7 diz respeito à mesma coisa. No entanto, se o assunto de 1Pedro 5.7 fossem todas as “preocupações” da vida, então poderíamos estar diante de um conceito muito mais abrangente do que “ansiedade”.
A esta altura, entendo que você pode estar confuso. Não quero fazê-lo mergulhar nas complexidades das teorias de tradução. Entretanto, quero pedir que considere uma coisa: lembre-se de que, para aconselhar sabiamente, você deve deixar que seu aconselhado explique o que ele quer dizer com cada palavra que usa.
Seus aconselhados não terão o direito de alterar o dicionário da língua portuguesa, mas não é esse o propósito. Quando um aconselhado usa palavras como “medo”, “preocupação” ou “ansiedade”, ele as está usando de acordo com seu contexto de vida. Ele pode usar algumas palavras de modo intercambiável apesar de nós conselheiros desejarmos fazer distinção entre elas.
Em nossa mente, podemos fazer uma distinção entre preocupação e ansiedade. Isso nos permite dizer que uma delas é pecaminosa e a outra não. No entanto, nossos aconselhados podem não fazer a mesma distinção. É nossa incumbência permitir e até pedir que eles nos expliquem os termos que usam.
A razão por que as definições dos termos são importantes é que elas influenciam a resposta que o conselheiro tem para dar.
A nossa língua é maravilhosamente complexa e incrivelmente flexível. Como pessoas que se dedicam a ajudar pessoas, precisamos nos lembrar de ser prontos para ouvir e tardios para falar, algo que sempre encorajamos nossos aconselhados a fazer.
[1] Recentemente, Edward Welch escreveu “Fear is Not Sin” no Journal of Biblical Counseling, v. 34, n.1, 2020, p. 7-19.
[2] NdT. O autor usa o texto da versão NASB da Bíblia em inglês: “Who is weak without my being weak? Who is led into sin without my intense concern?”, que pode ser traduzido da seguinte maneira: “quem é levado a pecar sem que eu me inquiete intensamente?”.
Original: Fear, Worry, Anxiety & the Importance of Definition
Publicado em Counseling with Confidence and Compassion – Faith Biblical Counseling