Quatro considerações importantes sobre depressão, medicina e aconselhamento

Charles Hodges

Uma das coisas mais difíceis de aprender na medicina, no aconselhamento e na vida é o valor da humildade. Quando Benjamin Franklin foi questionado, originalmente, sobre a ausência da humildade em sua lista de virtudes, ele a acrescentou. Mais adiante, falando sobre a humildade, ele disse que não podia se gabar de ter tido muito sucesso em ser humilde, embora tenha tido muito sucesso em parecer humilde.[1]  As Escrituras nos ordenam que sejamos humildes. Tiago nos diz: “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6b). É útil lembrarmos este chamado à humildade enquanto consideramos alguns aspectos importantes sobre como ajudar pessoas que lutam contra a tristeza e a depressão. 

A medicina nos dá exemplos frequentes de médicos que tinham certeza da causa, diagnóstico e tratamento de uma doença, para depois descobrir que estavam errados. O aconselhamento nos apresenta oportunidade semelhantes de engano. Os amigos de Jó estavam absolutamente certos de que conheciam a causa e a cura de sua aflição, e estavam inteiramente errados. Eli tinha certeza de que Ana estava bêbada. Os discípulos em João 9 pareciam certos de que alguém necessariamente teria pecado e causado a cegueira daquele pobre homem. Um senso de humildade poderia ter contribuído para que eles não tirassem conclusões erradas.

A humildade pode proporcionar a nós também essa proteção enquanto conselheiros, médicos, familiares e amigos. Devemos evitar as respostas rápidas antes de ter colhido todos os dados, conforme nos aconselha o escritor de Provérbios (Pv 18.13). Como médico, cuido frequentemente de pessoas que me procuram mencionando a depressão como uma de suas queixas. A pedido dessas pessoas, eu também as aconselho, assim como aconselho muitas pessoas que vêm ao centro de aconselhamento da minha igreja.

No processo de ajudar aqueles que me procuram, observei alguns pontos que podem ser úteis para o leitor que aconselha pessoas que lutam contra a tristeza e para os entes queridos que desejam ajudar. A melhor maneira que encontrei para transmiti-los é ilustrando por meio do exemplo de um paciente.

Depressão e medicina
Do outro lado da mesa está o meu décimo segundo paciente do dia. Como a maioria dos pacientes, Fernando tem vários problemas para os quais espera encontrar uma solução.[2]  Entre seus problemas estão diabetes, hipertensão, artrite e depressão. Especificamente, Fernando quer interromper alguns dos medicamentos que está tomando e me pergunta quais eu acho que ele poderia parar de tomar. Fernando é um paciente novo para mim e, portanto, uma revisão cuidadosa de seus medicamentos é uma boa ideia.

Seu diabetes está sob controle desde que ele começou uma dieta e perdeu 11 quilos. Decidimos que ele poderia começar por reduzir um dos três medicamentos que estava tomando para manter a glicemia sob controle. Sua pressão arterial havia caído consideravelmente e decidimos que ele poderia parar de tomar um de seus comprimidos diários e ficar de olho em sua pressão arterial medindo-a em casa.

Nosso foco voltou-se, então, para a depressão e os dois medicamentos que ele estava tomando para seu humor triste. Fernando estava tomando um antidepressivo ISRS bastante comum, cloridrato de sertralina, e um segundo medicamento, Wellbutrin. Como aquela era sua primeira consulta comigo, achei que o melhor era conversarmos sobre “como, quando e por quê” ele começou a tomar esses medicamentos. Também indaguei se Fernando havia conversado com alguém sobre sua tristeza, e ele relatou que sim. Fernando vinha se aconselhando com seu pastor nos últimos seis meses. Ele estava encontrando consolo ao aplicar os princípios das Escrituras que ele e seu pastor estudavam juntos semanalmente. Foi o seu pastor quem sugeriu que Fernando marcasse uma consulta comigo para vermos se ele precisava, ou não, continuar a tomar os medicamentos.

Atuando como médico nas últimas quatro décadas, e lidando com pacientes com humor triste, aprendi entre erros e acertos a não tirar conclusões precipitadas seja na prática médica, seja no aconselhamento bíblico.

Lide em primeiro lugar com o sofrimento
Independentemente da origem da tristeza de Fernando, é importante vê-lo em primeiro lugar como um sofredor. Não importa qual seja a causa, pessoas como Fernando sofrem e lutam com seu humor triste. Vemos isso ao longo de toda a Bíblia. Davi, em meio ao sofrimento, no Salmo 13, perguntou: “Até quando, Senhor…?” Jó é o relato épico do Antigo Testamento do quanto um homem pode sofrer e de como isso afeta seu humor. Vemos Jesus em tamanha agonia no Getsêmani que Seu suor era como gotas de sangue [Lc 22.44]. Ao lidar com pessoas como Fernando, embora seja muito importante buscar entender a origem da sua tristeza, é sempre importante oferecer o consolo das Escrituras.

Lembre-se de que nem toda tristeza representa uma doença
Alguns elementos podem me ajudar na conversa com Fernando. Geralmente, os indivíduos que apresentam o rótulo de depressão se enquadram em um de três grupos. O primeiro grupo é o daqueles muitos que conseguem identificar quando a tristeza começou, o que aconteceu com eles e qual pode ter sido a perda que sofreram. É muito mais provável que eles estejam lidando com uma tristeza ou luto normal do que com uma doença chamada depressão. É provável que respondam ao aconselhamento tão bem ou melhor do que à medicação. Esses indivíduos compreendem até 90% daqueles que são rotulados como deprimidos.[3]

Enquanto Fernando e eu conversávamos, minha primeira pergunta sobre sua depressão foi quando ela havia começado. Sua luta já durava cerca de um ano. Isso não seria muito incomum em meio à pandemia de Covid que estava acontecendo naquela época, mas suspeitei que houvesse mais do que isso. A pergunta seguinte, portanto, foi quais circunstâncias Fernando estava enfrentando naquele momento. Ele havia perdido um emprego de que gostava muito e ficara desempregado durante longo tempo. Não havia mistério nenhum no fato de que ele tivesse ficado triste com isso. Embora ele tivesse recebido uma indenização, isso também significou a perda de conexão com amigos e colegas de trabalho. Poderia ter significado também uma perda de identidade. Teria sido pouco comum se Fernando, naquela situação, não tivesse tido lutas com um humor triste. A perda era real, assim como sua tristeza. Fernando se encaixou perfeitamente entre os 90% daqueles rotulados com depressão que mencionamos anteriormente.

Lembre-se de que há outros 10%
Os 10% restantes daqueles que se identificam como deprimidos inclui um segundo grupo que reúne indivíduos com uma variedade de doenças médicas conhecidas por envolver um humor triste. Isso inclui doenças autoimunes, como hipotireoidismo ou lúpus, e outras doenças médicas que provocam mudanças na rotina de vida e tratamentos com medicamentos reconhecidos por alterar o humor.

Esses 10% também inclui um terceiro grupo que reúne aqueles que simplesmente não conseguem nos dizer por que estão tristes, e muitas vezes são descritos como tendo uma tristeza ou humor desregulado. Quando eu estava cursando a faculdade de medicina, esses eram os indivíduos que receberiam o rótulo de depressão maior. Ele era atribuído apenas para aqueles que não conseguiram responder às perguntas “por quê” ou “o quê”. Esses indivíduos certamente se beneficiam de um aconselhamento bondoso e compassivo e, às vezes, podem se beneficiar de tomar medicamentos antidepressivos.

Já que não sabemos tudo…
De tempos em tempos, vemos emergir desse terceiro grupo indivíduos cujo humor triste passa a ser relacionado a uma doença médica que antes não era bem conhecida ou inteiramente compreendida. Embora a medicina tenha feito grandes avanços nos diagnósticos e tratamentos nos últimos cem anos, ainda há muito que não sabemos. Sendo esse o caso, é sábio lidarmos humildemente tanto com os paciente quanto com os aconselhados.

Recentemente, me deparei com um estudo que destacou esse importante aspecto. Alguns indivíduos que têm humor deprimido também têm uma diferença genética que resulta na incapacidade de utilizar devidamente o ácido fólico.[4]  Essa diferença genética pode ser determinada por testes genéticos, e o tratamento desses pacientes com uma forma diferente de ácido fólico resulta em uma melhora em seu humor.

À medida que a pesquisa médica prossegue, outras “pequenas” descobertas desbastarão o grupo daqueles que sofrem de uma tristeza desregulada ou depressão sem uma causa bem compreendida. Enquanto isso, devemos ter cuidado nas tentativas de determinar a causa da tristeza de um aconselhado.

Finalizando a conversa com Fernando
Chegando ao final de nossa conversa, Fernando quis saber se poderia interromper algum dos remédios que estava tomando para depressão. No papel de médico, havia vários fatores-chave que eu precisava conhecer. Primeiro, como estava seu humor? Fernando estava evoluindo muito bem e sua tristeza havia quase desaparecido. Ele havia encontrado um novo emprego e, em breve, voltaria ao trabalho. Ele estava frequentando a igreja e isso lhe proporcionava oportunidades de comunhão e serviço. Fernando também relatou que o aconselhamento com o pastor prosseguia muito bem.

Ele estava tomando aqueles medicamentos há um ano e nesse período seu quadro havia mudado. Com esses dados em mente, como médico, elaborei um plano para começar a reduzir um de seus antidepressivos com o objetivo final de interromper os dois. Fernando concordou em retornar em quatro semanas para um acompanhamento, telefonar se tivesse algum problema com a redução gradual de sua medicação e continuar o aconselhamento com seu pastor.

Perguntas para reflexão

  1. Quando você aconselha uma pessoa que o procura com depressão, você se esforça para determinar o “quando” e “o quê” relativos ao início da depressão?
  2. Quando os aconselhados querem interromper seus medicamentos, você os encaminha para o médico?

[1] FRANKLIN, Benjamin. The autobiography of Benjamin Franklin. Mineola, NY: Dover, 1996.
[2] Fernando não é um paciente específico, mas representa vários pacientes que já atendi.
[3] Trato amplamente o assunto em Depressão e transtorno bipolar: ajuda e esperança para o enfrentamento eficaz (Eusébio, CE: Peregrino, 2015). Outro excelente livro sobre o assunto é The Loss of Sadness: How Psychiatry Transformed Normal Sorrow into Depressive Disorder, por Allan Horwitz e Jerome Wakefield, (Oxford Press, 2007).
[4] RAINKA, Michelle; MEANEY, Jacqueline; WESTPHAL, Erica S.; ALADEEN, Traci et all. Effect of L-methylfolate on depressive symptoms in patients with MTHFR mutations. Neurology, April 2019, p. 3.9-057. Disponível em: https://n.neurology.org/content/92/15_Supplement/P3.9-057. Acesso em 22 abr. 2023.


Nota do autor: Escrevi este relato da perspectiva de um conselheiro bíblico que também é médico, mas meu objetivo aqui é nos lembrar de que a tristeza e a depressão necessitam de entendimento. É nossa tarefa ajudar o aconselhado a chegar à raiz do problema de maneira paciente, bondosa e humilde. Em todos os casos, cabe-nos também estar prontos para ajudá-los a encontrar ajuda e conforto nas Escrituras.

Charles Hodges é o diretor executivo de Vision of Hope, um centro residencial para mulheres que lutam com transtornos alimentares, automutilação, TOC, abuso de substâncias e outros problemas. Ele também pratica a medicina em Brownsburg, Indiana. Completou sua formação universitária com cursos na Indiana University School of Medicine, Liberty University e Liberty Baptist Theological Seminary onde formou-se.


Original do artigo: Four Important Things to Know About Depression, Medicine, and Counseling
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition.  Traduzido com autorização.
Tradução e adaptação para o português por Conexão Conselho Bíblico


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