Os mitos sobre a depressão

Charles Hodges

Recebo muitos e-mails sobre questões de saúde mental, e um deles chamou minha atenção. Era sobre um artigo publicado em ChurchLeaders. O título, 4 Myths Christians Should Stop Believing about Depression[1] [4 mitos sobre a depressão em que os cristãos devem parar de acreditar], era significativo para mim porque o primeiro artigo que escrevi, e que foi publicado em uma revista, intitulava-se Spiritual Depression: A Myth Diagnosis [Depressão Espiritual: um diagnóstico mitológico]. Aquele artigo continha meus primeiros pensamentos sobre o crescente número de pessoas diagnosticadas com depressão em nosso país e ao redor do mundo.

Naquela época, um número grande de pessoas estavam sendo diagnosticadas com a doença depressão. Mudanças significativas tinham sido feitas na terceira revisão dos critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, e elas fizeram com que a aplicação do diagnóstico menos se tornasse menos difícil. Ao mesmo tempo, a teoria do desequilíbrio químico da depressão estava sendo usada para explicar o diagnóstico e promover o tratamento médico com os novos medicamentos antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina.

Quando vi o título de um artigo mencionando quatro mitos, fui imediatamente fisgado. Existem e sempre existiram muitos mitos em torno de quem luta contra a tristeza insuportável que chamamos de depressão. O artigo inicia contando a triste experiência que a escritora teve quando outro crente afirmou em uma reunião de um pequeno grupo que “os verdadeiros crentes não sofrem de depressão”. 

Aquela firmação deu origem ao primeiro mito: “Pare de acreditar que a depressão é uma questão de fé”. Como sempre acontece com as frases de efeito, a autora teve boas intenções ao escrevê-la. Suponho que ela quisesse dizer que os cristãos não são imunes à tristeza profunda e ao sofrimento que a acompanha. Se bem que, no sentido mais estrito, tudo na vida de um crente esteja relacionado à sua fé em Deus, essa fé não nos protege do sofrimento. Um querido pastor já idoso corrigiu-me certa vez por fazer uma declaração semelhante “isso não acontece com os cristãos”. Ele citou parte de Mateus 5.45 que diz que Deus “derrama chuva sobre justos e injustos”. Foi uma resposta profunda que reformulou imediatamente meu pensamento errado. Qualquer um de nós que aconselha e cuida daqueles que lutam com suas emoções provavelmente já fez declarações que gostaria de poder pegar de volta. Talvez a melhor lição esteja em Provérbios 15.2, que diz: “A língua dos sábios torna atraente o conhecimento, mas a boca dos tolos derrama insensatez”. Este versículo é um princípio orientador ao falar com os outros. Fazemos bem em evitar palavras que ferem os corações sofredores.

O segundo mito é: “Pare de acreditar que a depressão pode ser curada com oração”. Este mito também sofre prejuízo por estar expresso de forma reduzida, em uma frase curta, e a autora prossegue, então, com a explicação de que “ser liberto da depressão requer oração e tratamento… na forma de apoio, terapia e medicação”. O objetivo da autora em sua explicação fica evidente no mito seguinte.

O terceiro mito que ela destaca é: “Pare de acreditar que a depressão não é um problema físico”.  Entendo que a escritora esteja procurando nos dizer que a depressão é uma doença médica como diabetes ou câncer, que requer mais do que apenas intervenção espiritual. Em outras palavras, poucos defenderiam que um diabético simplesmente ore e deixe de lado a insulina, e ela quer nos alertar para que evitemos o mesmo erro na depressão. No entanto, o problema com essa linha de pensamento está na base de tudo: tanto o diagnóstico de depressão quanto a identificação de sua causa não são simples.

Conforme já escrevi em outro lugar, o diagnóstico da depressão e seu tratamento é uma questão controversa nos próprios círculos seculares.[2]  É provável que até 90% das pessoas diagnosticadas com depressão estejam lutando contra uma tristeza normal por causa de uma perda significativa em sua vida.[3]  Pesquisas recentes lançam dúvidas sobre uma explicação neurobiológica para a depressão e, em vez disso, levantam questões sociais, problemas relacionais e traumas como a principal fonte dos transtornos do humor.[4]

Em vez de presumir que todos os que lutam contra a tristeza estão doentes, é provável que, entre esses indivíduos, a maioria significativa lute contra uma tristeza normal pela perda. Um querido amigo que sofreu uma grande perda disse-me certa vez: “Não estou doente, só estou triste”. Para esses, as Escrituras oferecem grande esperança!

É importante lembrar dos outros 10% que lutam com uma tristeza para a qual não conseguem encontrar nenhuma situação de vida ou perda como causa. Como médico, eu diria que esses indivíduos são os que precisam e podem se beneficiar dos cuidados dos profissionais da saúde. Ao mesmo tempo, até mesmo esse grupo se beneficia do aconselhamento bíblico.

Isso nos leva ao quarto mito: “Pare de acreditar que não se deve falar sobre depressão”. A autora diz no artigo que esse mito está “morrendo lentamente na Igreja”.[5]  Não sei a que igreja local a autora pertence, mas as igrejas a que pertenci nos últimos 30 anos têm estado ocupadas em oferecer aconselhamento àqueles que, entre os seus membros e na comunidade ao seu redor, lutam contra a tristeza. 

Quando dou aulas de aconselhamento bíblico para preparar a próxima geração de conselheiros, eu os lembro que ignorar a depressão nunca é uma boa estratégia. A escuta cuidadosa é o ponto de partida e deve ser seguida por conduzir a pessoa à esperança que encontramos nas Escrituras.

Perguntas para reflexão

1- Quais os equívocos ou mitos nos quais você têm acreditado e quais os seus aconselhados têm trazido com eles para o aconselhamento?

2- Como você tem conduzido os seus aconselhados à verdadeira esperança?


[1] FILETA, Debra. 4 myths Christians should stop believing about depression. Church Leaders. Disponível em  https://churchleaders.com/outreach-missions/outreach-missions-articles/261891-4-myths-christians-stop-believing-depression.html. Acesso em:  22 abr. 2023.
[2] Trato amplamente o assunto em Depressão e transtorno bipolar: ajuda e esperança para o enfrentamento eficaz (Eusébio, CE: Peregrino, 2015).
Outro excelente livro sobre o assunto é The Loss of Sadness: How Psychiatry Transformed Normal Sorrow into Depressive Disorder, por Allan Horwitz e Jerome Wakefield, (Oxford Press, 2007).
Veja também o artigo Quatro considerações importantes sobre depressão, medicina e aconselhamento.
[3] WAKEFIELD, Jerome; SCHMITZ, Mark; FIRST, Michael; HORWITZ, Alan. Extending the bereavement exclusion for major depression to other losses. Archives of General Psychiatry, v. 64, April 2007, p. 438. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarticle/210022. Acesso em: 22 abr. 2023.
[4] MONCRIEFF, Joanna; COOPER, Ruth E.; STOCKMANN, Tom; AMENDOLA, Simone et all. The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence. Molecular Psychiatry, 2022.  Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41380-022-01661-0. Acesso em: 22 abr. 2023.


Charles Hodges é o diretor executivo de Vision of Hope, um centro residencial para mulheres que lutam com transtornos alimentares, automutilação, TOC, abuso de substâncias e outros problemas. Ele também pratica a medicina em Brownsburg, Indiana. Completou sua formação universitária com cursos na Indiana University School of Medicine, Liberty University e Liberty Baptist Theological Seminary onde formou-se, respectivamente, em medicina de família e geriatria, aconselhamento e teologia. Dr. Hodges é professor e conselheiro em Faith Biblical Counseling Ministry e faz palestras sobre assuntos médicos e aconselhamento bíblico em seu país e no exterior.


Original do artigo: The Mythology of Depression
Artigo publicado pela Biblical Counseling Coalition.  Traduzido com autorização.
Tradução e adaptação para o português por Conexão Conselho Bíblico


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